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Índia: dias de ultraje e medo para a comunidade cristã
Esquecer é impossível
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Na memória de todos está ainda a violência de 2007 e 2008, em Orissa. O massacre de dezenas de cristãos, a destruição de centenas de igrejas e casas, a fuga de mais de 50 mil pessoas. Muitos terão já perdoado, sim. Mas esquecer é quase impossível, principalmente agora, quando a violência parece ter regressado em força.

 

Praful Digal foi um dos que fugiu. Ele e a sua família, quando uma multidão enfurecida, carregando paus e pedras, tomou conta das ruas da sua aldeia, Budruka, Distrito de Kandhamal, agredindo pessoas, derrubando portas e janelas, queimando casas. Matando. Praful não teve alternativa. Ninguém teve alternativa. Fugir era a única solução. Quando, semanas mais tarde, regressou à aldeia, ficou sem palavras. Só as lágrimas falaram por ele. Estava tudo destruído. As paredes calcinadas ainda cheiravam a fumo. Praful Digal protestou, mais tarde, junto do governo local, julgando que o eco das suas palavras apenas acentuaria a impotência da comunidade cristã. Estava enganado, porém.

 

Ódio contra os Cristãos

Algumas centenas de famílias foram ajudadas na reconstrução das suas casas. Praful arregaçou as mangas e fez-se pedreiro. A casa voltou a ter paredes, telhado, janelas e porta. Até Agosto do ano seguinte. Novamente a aldeia foi palco de violência extremista. Novamente o cheiro a queimado a exalar das paredes, o fumo negro a confundir-se com as nuvens do céu. Uma vez mais, Praful Digal foi forçado a fugir. Uma vez mais, não teve alternativa perante a multidão enfurecida. Pela segunda vez, teimoso, reergueu paredes, telhado… Até Maio do ano passado. Novamente as ruas encheram-se de gritos, de punhos no ar, de ameaças. De destruição. Como se a casa dos Praful tivesse de ser uma ruína permanente. Nada mais do que isso. Na verdade, não é nada contra eles, os Praful. É contra todos eles, os Cristãos.

 

Violência sem fim

2015. Dia 13 de Março. Uma religiosa, já septuagenária, foi vítima de violação colectiva no Convento de Jesus e Maria, em Ranaghat, a poucos quilómetros de Calcutá, quando tentava impedir que um grupo de seis homens assaltasse a escola, gerida pelas irmãs e situada mesmo ao lado do convento. Outras duas irmãs da comunidade foram espancadas e amordaçadas. Dia 2 de Março. Um grupo de homens destrói a estátua de Nossa Senhora de Lourdes em Goa, na Índia Ocidental. Primeiros dias de Fevereiro. Um cemitério cristão, em Pathanamthitta, no sul da Índia, foi objecto de vandalismo, com inúmeras sepulturas e lápides destruídas durante dias consecutivos. Dias antes, em Mangalore, na Índia central, uma sala de oração situada num edifício comum nos subúrbios da cidade foi apedrejada e as janelas destruídas.

 

Abraçar os “intocáveis”

Muita da violência contra os Cristãos tem de ser entendida através do delicado e complexo sistema de castas da Índia. Principalmente nas zonas rurais e menos desenvolvidas, este sistema hierárquico ainda perdura e isso faz-se sentir principalmente junto dos mais desfavorecidos, ou “intocáveis”: os “dalits”. Na base da sociedade, são considerados como seres inferiores, sem direitos. Serão mais de 300 milhões em todo o país. São, no entanto, como fantasmas. São discriminados desde que nascem. São oprimidos até morrer. Não têm direitos. Nos últimos anos, porém, são cada vez mais os “intocáveis” que se aproximam do Cristianismo. Num país habituado a segregar, há uma religião que abraça, que se empenha em devolver a dignidade humana àqueles que a sociedade exclui. Talvez isso explique uma nova onda de violência contra os Cristãos. O ataque contra a Igreja de São Sebastião, em Dehli, no início de Dezembro, é disso também exemplo. Desde então, outras seis igrejas foram vandalizadas, sempre por grupos radicais hindus.

 

Saber perdoar

Há poucas semanas, uma igreja católica que estava a ser construída no estado de Haryana foi vandalizada e a cruz substituída por uma estátua de um deus hindu. Sensivelmente na mesma altura, o líder de um partido fundamentalista hindu, o Rashtriya Swayamsevak, desqualificou a memória e o trabalho contra a pobreza desenvolvido por Madre Teresa de Calcutá, culpando-a de “proselitismo religioso”. Nem Madre Teresa parece escapar a este olhar preconceituoso contra os Cristãos. A estas acusações, aos que atacam os  Cristãos com um ódio inexplicável, D. Henry D'Souza, Arcebispo emérito de Calcutá, respondeu: “vou rezar por eles. A melhor maneira de ajudar estas pessoas é amá-las e ser misericordioso”.

Praful terá já perdoado àqueles que lhe destruíram a casa querendo destruir-lhe o sonho de uma vida normal. Mas Praful não consegue esquecer. Basta o grito de alguém na rua, basta um braço erguido no ar, basta o barulho de uma pequena multidão para regressar aos dias de medo quando foi atacado apenas por ser cristão, quando lhe queimaram a casa para o expulsarem da aldeia, da região, do país. Praful terá já perdoado, mas esquecer é impossível.

texto por Paulo Aido, Fundação Ajuda à Igreja que Sofre
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