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A. Pereira Caldas
A terra do não sei
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Nas últimas semanas, alguns casos graves ocorridos no nosso país desaguaram num mar encapelado de auto-desresponsabilização.

Sem surpreender, esta é uma realidade que vai ganhando força a reboque da actual conjuntura nacional, marcada pelos factos e acontecimentos ligados àqueles casos, todos importantes no seu desenvolvimento e hipotéticas consequências, a fornecerem à comunicação social um manjar, a não desprezar, de notícias, comentários, reacções, perguntas e respostas. Em contrapartida, do lado oposto, procura-se, também através da comunicação social, descobrir os mecanismos de defesa mais eficazes em cada caso, nomeadamente as formas possíveis de alijar responsabilidades.

Negar conhecimento do que se passava é uma delas – e a mais fácil.

Poderá chamar-se-lhe a cultura do “não sei”. Parece estar na moda e é um método usado a torto e a direito…

Dir-se-ia até que o país passou a ser uma “Terra do Não Sei”, isto parafraseando o nome da ilha de Peter Pan, a fantástica “Terra do Nunca”…

 O eu não sei, o eu não sabia, o famigerado eu não sabia que era obrigado a saber foram exemplos de frases, isoladas ou não mas nunca fora do contexto, que serviram a quem as disse de tentativa de desculpa para justificar ou desmentir, à última hora, um envolvimento suspeito ou um facto comprometedor.

Esta desresponsabilização é, no entanto, uma atitude que nada tem de cívica e, por isso, pouco abonatória para quem a usa como escudo contra “males” maiores – por exemplo, o dever ético de se demitir do cargo que ocupa no caso de uma situação de comprovada gravidade ou atentatória dos valores democráticos.

Claro que não é fácil resistir ao apelo do poder, sobretudo para quem já se habituou a exercê-lo e a dele usufruir. Compreende-se. Mas há uma coisa que não se pode trocar seja por que poder for… Chama-se dignidade e é um valor essencial da existência humana, que tem de ser defendido em todas as circunstâncias e por todas as formas.

E aqui vale a pena lembrar a quem se esqueça – e os esquecidos, no seu afã de fugir a responsabilidades, são muitos – que um poder trocado pela dignidade será sempre um poder fraco e vulnerável. Um poder ferido de morte.

Não tem sido um “teatro” bonito, este a que o país continua a assistir. Casos como o do Banco Espírito Santo ou da Lista VIP das Finanças, só para citar dois, demonstram que as dramáticas consequências da austeridade imposta não são a única preocupação dos portugueses. Há problemas graves e, pior do que graves, profundos que minam a democracia e põem em causa os seus valores intocáveis, fazendo o país recuar no tempo, com tudo o que de mau isso significa para a vida dos cidadãos, tanto a nível individual como colectivo.

Agora e no futuro.