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Pedro Vaz Patto
Os que revivem hoje a Paixão de Jesus
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Neste tempo litúrgico da Quaresma e da Páscoa, muitas circunstâncias chamam a nossa atenção para a situação de cristãos perseguidos, particularmente os da Síria e Iraque, mas também de outros países, como o Paquistão ou a Nigéria. Talvez sejam eles quem hoje mais intensamente revive a paixão de Jesus. São talvez eles os que hoje mais se identificam com o sofrimento de Jesus crucificado e abandonado.

Noutra perspetiva, de um modo especial a perseguição aos cristãos da Síria e do Iraque pelo chamado Estado Islâmico, que também atinge pessoas de outras religiões, constitui uma das mais graves violações dos direitos humanos dos tempos mais recentes, com o seu impressionante balanço de pessoas mortas, desterradas e escravizadas. Essa e outras perseguições põem em causa a presença dos cristãos precisamente na terra onde viveu Jesus, uma presença que remonta ao tempo dos apóstolos. Durante muito tempo, a opinião pública internacional e as autoridades políticas com maiores responsabilidades quase ignoraram essa situação. Progressivamente, vêm despertando para a sua gravidade: recentemente, uma declaração sobre essa situação proposta pela Santa Sé ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas foi aprovada por cerca de cinquenta países, entre os quais Portugal; a questão foi discutida no âmbito do Conselho de Segurança por proposta do Governo francês.

O testemunho de muitos destes cristãos perseguidos é edificante sobretudo por dois motivos. Por um lado, pela firmeza da sua fé. Se renegassem a sua fé, os seus problemas cessariam, mas preferem morrer a fazê-lo. Num tempo de ideais superficiais e passageiros por que ninguém está disposto a dar a vida; num ambiente relativista, em que se nega a própria noção de Verdade; quando por vezes a fé cristã é secundarizada perante valores humanos mais consensuais (quando é nela que esses valores encontram a raiz que lhes dá força), esse testemunho representa uma grande lição.

Por outro lado, muitos desses cristãos testemunham de forma comovente o amor aos inimigos. Recusam a vingança e recusam confundir a causa da sua liberdade como uma luta entre cristãos e muçulmanos. O seu testemunho de amor e perdão contrasta bem com o dos seus perseguidores, também eles dispostos a sacrificar a vida, mas por uma ideologia de ódio.  

 Jesus já tinha advertido que os seus discípulos seriam perseguidos, como o perseguiram a Ele. Na paixão e morte do seu Mestre, encontram estes cristãos o sentido do seu próprio sofrimento.

Mas nenhuma destas considerações pode justificar a nossa inércia, ou a inércia de qualquer pessoa que possa atenuar o sofrimento destas pessoas. Como disse um dia Chiara Lubich, o amor a Jesus crucificado e abandonado desencadeia todas as nossas melhores energias em favor da pessoa que sofre, porque de um modo especialíssimo com essas pessoas se identificou Deus feito Homem e nelas se reflete a sua imagem.

Por isso, publicou a Comissão Nacional Justiça e Paz uma nota com o título dos versos de Sophia: Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar. Nela se faz o apelo a que não se ignore a situação destes cristãos perseguidos e a que cada um faça o que está ao seu alcance para pôr termo ou minorar o seu sofrimento. O apelo é também dirigido às autoridades políticas nacionais e internacionais, para que também façam tudo o que possa estar ao seu alcance, no quadro da ética e do direito.

A fé na ressurreição também nos diz que o sofrimento e a morte não têm a última palavra. Não há cruz sem ressurreição, também para estes cristãos. E já nos primeiros tempos do cristianismo, dizia Tertuliano que «o sangue dos mártires é semente de cristãos». Mas esta esperança no Além também não justifica qualquer inércia. Pelo contrário: é a raiz da força e da coragem para não nos deixarmos nunca vencer pelo desespero ou pelo desânimo.