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República Centro-Africana: uma tragédia humanitária esquecida
As guerras do Padre Aurelio
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As Nações Unidas dizem que na República Centro-Africana está a acontecer a maior crise humanitária esquecida no mundo. Os números são trágicos, de facto. Mas lá, neste país africano, há um missionário que, todos os dias, oferece esperança onde já só havia lágrimas.

 

República Centro-Africana. Há uma semana, a ONU voltou a lançar um alerta para este país que vive “a maior crise humanitária esquecida” no nosso tempo. O mundo olha mas finge que não vê. Os números são assustadores: Cerca de 60% da população precisa de ajuda de emergência, especialmente as 900 mil pessoas que estão deslocadas por causa dos conflitos que assolam o país desde Dezembro de 2013. “Temos de evitar que a República Centro-Africana se torne uma crise esquecida”, disse a coordenadora humanitária da ONU, Claire Bourgeois.

Neste momento há 2,7 milhões de pessoas que dependem de ajuda. As Nações Unidas estão sem recursos financeiros para uma resposta eficaz. A tragédia aí está, de novo. Porém, desta vez há um aparente desinteresse do mundo e um cruel silêncio dos jornais. Parece que há outras tragédias, outras prioridades. Desde 2013 que a República Centro-Africana tem vivido sucessivos surtos de violência protagonizados por milícias muçulmanas, partidárias dos rebeldes de um movimento denominado Séléka, e de um outro grupo, que se lhe opõe, os anti-Balaka. Desde que o presidente François Bozizé foi afastado do poder pela coligação muçulmana Séléka, que este conflito é visto, por muitos, como tendo contornos religiosos. Na verdade é apenas uma violência bárbara que parece não ter fim.

 

Padre Aurelio

Aurelio Gazzera é missionário italiano, tem 52 anos, usa cabelo curto, tem a pele escurecida pelo inclemente sol de África e continua a ser um teimoso combatente pela paz. Desde há muito que este carmelita tem levantado a sua voz para denunciar esta tragédia. A cidade de Bozoum, com 25 mil habitantes, é a sua terra de missão. Porém, muitas vezes os seus gestos são incompreendidos. Recentemente quase foi linchado pela multidão. Seguia no meio da cidade quando começaram a atirar pedras contra o seu carro. Eram muçulmanos. Queriam matá-lo. A cidade vivera dias de terror provocado pelos Séléka. Casas foram incendiadas, igrejas destruídas. Famílias inteiras puseram-se em fuga. Foi um trabalho difícil, mas o Padre Aurelio conseguiu que a maioria desses Séléka abandonasse a cidade. Aqueles que apedrejaram o seu carro temiam actos de vingança por serem muçulmanos e poderem ser confundidos, por isso, com os Séléka. A violência pode ser tão irracional… Claro que ele era o culpado! O Padre Aurelio confessou, dias mais tarde, que, naquele instante em que começaram a chover as pedras, se limitou a rezar o Terço. Sentiu-se impotente. Minúsculo. A multidão crescia, ululante, só se viam pedras a cair no carro e os vidos em estilhaços. Parecia o fim. Foi então que dois homens, vindos não sabe de onde, se colocaram em frente do carro e gritaram para a multidão. Tudo parou naquele instante. O Padre Aurelio reconheceu imediatamente um deles. Era um dos mais procurados e temidos líderes dos Séléka. Um homem conhecido pela forma brutal como actuava, um verdadeiro criminoso. O Padre Aurelio denunciara-o até, publicamente.

Inacreditavelmente, aquele homem que todos temiam estava agora ali, de braços abertos, a acalmar a multidão como se a tivesse hipnotizado.

 

Fome e medo

Este país continua sequestrado por grupos armados. Sempre que alguém ataca, sejam Séléka ou anti-Balaka, a violência toma conta das ruas. Todos temem actos de vingança. Muitos dos que apedrejaram o carro do Padre Aurelio passaram a acantonar-se nos seus bairros à espera sempre do dia em que também seriam atacados. É a lógica da violência sem fim. Mas, por mais de uma vez, foram já visitados pelo padre Aurelio que, juntamente com outros voluntários da sua paróquia, lhes tem ido levar arroz, água potável, medicamentos. E uma mão estendida sempre em nome da paz. Afinal, diz o Padre Aurelio, muitos dos que gritavam e atiravam pedras são apenas homens, mulheres e até crianças com ar assustado, pessoas que precisam de ajuda. Ali não há muçulmanos ou cristãos. Há pessoas com fome e com medo.

“As feridas dos dias de conflito ainda estão muito frescas. Muitos perderam parentes e amigos. Muitos foram roubados e torturados e tiveram de fugir de suas casas. Uma vez por mês, os nossos paroquianos costumam oferecer algumas provisões e dinheiro para os mais pobres da comunidade, os órfãos. Falei-lhes na possibilidade de ajudarmos os muçulmanos pobres de Bozoum.”

O resultado foi quase outro milagre. Tão improvável como o aparecimento daqueles dois Séléka que impediram o linchamento do Padre Aurelio. “Eles são todos extremamente pobres, mas reuniram imensos alimentos e juntaram quase 70 euros, o que é uma verdadeira fortuna!”. Afinal, a paz é possível quando se acredita na reconciliação. A Fundação AIS apoia o trabalho do Padre Aurelio. Está nas nossas mãos impedir que a República Centro-Africana seja o país onde está a acontecer a maior crise humanitária esquecida no mundo.

 

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Lançamento do livro "Teu nome: Mãe" da autora Maria Teresa Maia Gonzalez

13 de Maio, 18h00 | Paróquia de Nossa Senhora de Fátima (Av. Marquês de Tomar, Lisboa - Sala Cónego Abranches)

No final haverá uma sessão de autógrafos. Entrada livre!

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