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António Bagão Félix
As árvores e os Papas que me marcaram
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Fez dois anos que escrevi um livro dedicado às árvores. Um singelo preito de quem vê nas árvores um código universal de respeito pela vida e nelas encontra civilidade, paz, ágape, sensibilidade.

Escolhi trinta delas e convidei-as, com a minha ajuda, a apresentarem-se ao leitor. Sem constrangimentos, cada uma delas descrevendo-se na forma, na essência e nas circunstâncias. E revelando-se nas envolventes relativas à sua família botânica, mas igualmente em pinceladas da sua relação com a cultura popular, a arte nas suas diferentes expressões, a poesia e a literatura, as religiões e as tradições, a toponímia e a onomástica, a história e outras abordagens. Porque, afinal, a vida é tudo isto, mesmo para uma árvore.

De uma maneira directa e comunicativa, as trinta árvores apresentam-se de modo a proporcionar ao leitor um pedido de amizade que possa durar no coração. E assim contribuir para que as árvores não sejam ignoradas ou menosprezadas por quem por elas passa, como se fossem seixos inertes.

As árvores têm o seu jogo de vida e de morte que é diferente do nosso, com formas silenciosas de revivescência que lhes permitem dignamente morrer de pé. Conjugando a consonância do seu tempo com o tempo que as escolhe, a pequena semente com a imponente árvore em que aquela se transforma, a força da unidade com o fascínio da diversidade, a individualidade de cada uma com a diferença de todas, o respeito pela lei natural com a moral do compromisso, a perfeição do rigor com a ética da exactidão, a sabedoria dos limites sem a amnésia do passado.

Como cristão, observo a Natureza como boa e bela, enquanto obra de Deus e expressão de um desígnio de amor.

O Senhor levou o Homem e colocou-o no jardim de Éden para o cultivar e também para o guardar (Génesis 2-15). Diz o Catecismo da Igreja Católica que o uso dos recursos ambientais não pode ser separado do respeito pelas exigências morais. Assim, somos colaboradores do Criador e não temos o domínio absoluto sobre a Natureza. A ética da natureza é um caminho frutuoso para o desenvolvimento da moral (não apenas antropocêntrica) que possa conduzir a um ideal de harmonia do Homem com a Natureza.

Há tempos, pediram-me para associar algumas dessas trinta árvores do meu livro aos últimos Papas. Neste texto, vou mais longe e escolhi cinco para simbolizar a vida, personalidade e carisma de cada um dos cinco Papas, que, enquanto católico, pude acompanhar ao longo da vida (não me refiro a João Paulo I pelo seu curtíssimo pontificado).

Ao Papa João XIII, arrisco associar à tília. Trata-se de uma árvore que simboliza o amor aos outros e a amizade como princípio de vida. A tília tem as suas folhas em forma de coração e a sua fragrância é única. Por outro lado, a sua copa frondosa oferece-nos a sua protecção, sem nos pedir nada em troca. O que nos faz lembrar a infinita afabilidade, bondade do coração e doçura intelectual do Papa que convocou o Concílio Vaticano II.

Para Paulo VI, atrevo-me a sugerir a associação ao imponente carvalho. Trata-se de uma árvore milenar, cheia de pergaminhos no seio de todas as outras. Diz a tradição que milenar que a Arca Noé foi feita com a sua madeira. Uma árvore associada à sabedoria própria da ancianidade. Mas também à robustez moral. Ainda que, por vezes, nos evidencie alguma amargura, traço personalístico do Papa Paulo VI em certos momentos do seu papado.

Associo o saudoso João Paulo II à milenar oliveira. Para tal e sem mais comentários, basta-me citar partes do livro sobre esta árvore: A oliveira é, entre as árvores, das que mais me fascinam. O tronco austero, por vezes vergado pela idade, é a expressão da fidelidade e da fraternidade. Não aparenta dor, mesmo que suportando as amputações a que o tempo e as gentes a sujeitam. A oliveira só poderia ser persistente. Na folha que não cai, no tronco nodoso que resiste, na azeitona oblonga que volta de novo. A oliveira é o símbolo da paz, como poderia ser da austeridade, da contenção, do rigor. Afinal, tudo elementos da paz, ou para a paz.

E mais adiante, lê-se: “Sei que me vêem como se transportasse um pesado fardo e um ar sofrido, quase atormentado, fruto da inclemência do tempo sobre o meu tempo. Mas as aparências às vezes iludem. Mesmo exprimindo uma ancianidade limite, sou capaz de me regenerar e de dar sempre novos ramos e folhas. E com a afirmação universal de uma regra quase geométrica: qualquer ramo que sobe dá lenho e qualquer ramo que desce dá frutos”.

Para Bento XVI atrevo-me a pensar na magnólia. Esta árvore de folha persistente e coriácea, de fibra corajosa, tem uma personalidade tão forte quanto acolhedora. Tem um ritmo de crescimento seguro e firme, raízes profundas, caule erecto, aspectos que sempre pudemos ver na personalidade do Papa Emérito: inabalável fé, profundidade teológica, firmeza de valores. As flores brancas, resistentes, singulares, odoríferas da magnólia são como as notáveis três encíclicas sobre a fé, a esperança e a caridade que Bento XVI legou aos homens e mulheres de boa vontade: perduram para além do tempo na memória e no exemplo.

Para o Papa Francisco, a escolha recai no jacarandá. Por várias razões: também chegou à Europa vindo da Argentina. Tem uma graciosidade que faz lembrar a personalidade singela, doce e contagiante do novo Santo Padre. As suas belas flores surgem logo no início da Primavera, antes das folhas, tal como a forma de amor comunicativo com que Francisco teve os seus primeiros contactos com os crentes na Praça de São Pedro. Folhas que ao cair atapetam o chão e deixam no ar um perfume de frescura, harmonia e união, tal como vemos em Francisco, que transmite espiritualidade transbordante, afectuosidade aconchegante. Um Papa inteligente, cristalino, sábio de amor, com temperança, perseverança e simplicidade.