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Arriscar a vida por Deus, todos os dias, no Sudão do Sul
“Se gritares, matamos-te!”
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Maya nunca mais vai esquecer o frio cortante da faca encostada à garganta. Homens armados atacaram o convento, aprisionaram todas as irmãs e roubaram o que puderam. Foi a segunda vez que a tentaram matar. Apesar do risco que corre, esta irmã não quer abandonar o Sudão do Sul.

 

A maior parte das irmãs da congregação das Filhas de Maria Imaculada são jovens. A média de idades andará pelos 28 anos, apenas. Esse dia, em que um homem fardado entrou de rompante no convento, dificilmente será esquecido. A irmã estava a lavar roupa, uma das muitas ocupações diárias destas religiosas que, no Sudão do Sul, são ainda um sinal de esperança num país que está em guerra poucos anos depois de ter conseguido a sua independência do vizinho do Norte.
A irmã Maya é das mais novas da congregação. Tem apenas 23 anos. Nunca tinha visto uma arma na sua vida. Nunca tinha escutado o barulho ensurdecedor duma metralhadora a vomitar fogo. Nunca tinha imaginado que, um dia, alguém lhe encostaria uma faca ao pescoço, ameaçando-a: “Se gritares, matamos-te!”. Não bastava o fio de aço a querer romper a pele. Não bastava a violência brutal de quem a manietava com força e raiva. Maya sentiu a vida toda correr à sua frente nesse breve instante. E teve a certeza de que tudo estava bem, apesar da faca encostada à sua garganta, apesar do medo. Naquele instante ganhou a certeza de que não poderia virar as costas à sua missão de ajudar milhares de pessoas em necessidade.

 

Campanha de intimidação

A irmã Maya, das Filhas de Maria Imaculada, teve medo, muito medo, é certo. Podia ter morrido ali. Mas tudo acabou por correr bem. Os bandidos – eram cinco - acabaram por ir embora, depois de terem roubado o que quiseram no convento. A irmã tem uma explicação para o saque: “provavelmente o assalto faz parte de uma campanha de intimidação”.
Alguns dias antes deste assalto, a irmã Maya e a irmã Vijii acabavam de sair do campo de refugiados de Juba, que acolhe quase trinta mil famílias, quando, de súbito, escutaram-se rajadas de metralhadoras, um barulho ensurdecedor. O homem que as acompanhava foi atingido. Morreu instantaneamente. A roupa das irmãs ficou manchada de sangue. Nem ali, no campo de refugiados, se poupam as balas, se calam as armas. Não há santuários de paz no Sudão do Sul. Nem nos campos de refugiados… Os ataques às irmãs não são obra do acaso. “Eles querem que nos vamos embora daqui…”, afirma, por sua vez, a irmã Vijii.

 

País em sobressalto

Desde Dezembro de 2013 que o Sudão do Sul é um país em sobressalto. A guerra civil eclodiu entre os partidários do presidente Salva Kiir e os do seu ex-vice-presidente Riek Machar. Até agora já morreram mais de 10 mil pessoas e as Nações Unidas contabilizaram cerca de 1 milhão de deslocados. A fome é uma ameaça real para quase 3 milhões de pessoas. Desde Dezembro desse ano que se escutam lamentos. Pais que choram a morte de filhos, crianças que ficaram órfãs, mulheres que viram os maridos serem assassinados. Desde então tem sido assim. Todos os dias.
O trabalho destas Filhas de Maria Imaculada – que a Fundação AIS apoia – é muito importante e vai muito para além das pessoas que elas ajudam directamente. Num país em guerra, onde pessoas são mortas, violentadas e torturadas, onde crianças são recrutadas impunemente por grupos armados, e os saques às aldeias ocorrem todos os dias, a presença destas irmãs é sinal de que há ainda alguma esperança de paz.

 

Pequenos milagres

O Sudão do Sul é um país martirizado. Ninguém se sente a salvo. Estas irmãs arriscam a vida todos os dias e todos os dias são aconselhadas a deixar o país. É cada vez mais arriscado sair à rua. Mas elas decidiram que vão ficar. Entregaram as suas vidas a Deus e é ali, no meio daquela multidão de desafortunados que querem estar. Às vezes acontecem pequenos milagres. A irmã Vijii conta: “Uma mulher tinha perdido sete familiares, todos assassinados diante de si, diante dos seus olhos. Estava como que paralisada e não falava com ninguém. Tinha emudecido por completo. Começámos a tomar conta dela e um dia, assim do nada, rompeu a chorar. Chorou compulsivamente durante horas e depois começou a falar. Hoje, ela ajuda-nos no nosso trabalho no campo de refugiados e acompanha-nos nas nossas visitas, de tenda em tenda”.
As irmãs Maya e Vijii estão determinadas a continuar a missão entre os desalojados da guerra civil no Sudão do Sul. Elas não temem pelas suas vidas, apesar de quase todos os dias ouvirem disparos de metralhadoras e o rebentar de bombas. “Já nos avisaram de que seria mais prudente ir embora, pois isto está cada vez mais perigoso”, diz a irmã Fijii. “Mas nós estamos aqui para compartilhar o sofrimento deste povo. Por isso, enquanto houver refugiados, ficaremos.”

texto por Paulo Aido, Fundação Ajuda à Igreja que Sofre
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