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Pe. Alexandre Palma
Polaridade ou polarização?
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1. Em 2014, o Pew Research Centre (uma prestigiada instituição norte-americana que, especialmente por via de inquéritos e sondagens, procura acompanhar a evolução social nos Estados Unidos e no mundo) conduziu a sua maior investigação de sempre. Não terá sido um acaso que, para esta pesquisa, tenham sido sondados mais de 10 mil adultos. O número impressionante de inquiridos poderá dar nota da importância do tema tratado: a polarização da sociedade norte-americana. O que se deve entender por polarização? O extremar de perspetivas e posições que tende a radicalizar os extremos de uma sociedade e, consequentemente, a dividi-la. A referida investigação não afrontava o assunto em abstrato, mas perguntava-se especificamente pela polarização política que várias vozes há vários anos vêm denunciando nos Estados Unidos. As conclusões desse inquérito tendem a confirmar esta denúncia. Desses resultados, destaco a verificação de uma crescente antipatia entre posicionamentos políticos (um número crescente de inquiridos vê na posição oposta não apenas uma discordância, mas uma ameaça); a observação de que um número muito significativo de inquiridos tende a ter ou escolher como amigos pessoas que partilham as suas próprias ideias políticas; o reconhecimento de que estas divergências acabam por se estender, muito para lá do debate político, ao próprio estilo de vida adotado (por exemplo, é significativo o número dos que escolhem viver em meios onde os outros partilham das suas opiniões).

O espaço público é eminentemente plural. Neste sentido, que nele existam perspetivas não apenas diferentes, mas mesmo contrastantes, é um dado natural. As nossas sociedades democráticas e plurais são, em si mesmas, polares, ou seja, habitadas por várias polaridades, por várias perspetivas de vida, por várias atitudes sociais, por várias opiniões políticas, por várias sensibilidades religiosas. Aliás, se assim o somos nós como o não haveriam de ser também as sociedades que formamos! Por isso, a coexistência de vários polos e polaridades sociais é um dado de facto. Ao limite, é isso mesmo que dinamiza a vida de uma sociedade, que a faz progredir, que a faz transformar-se e crescer. Mas quando esta saudável tensão entre polos se transforma em oposição, então esse motor social bloqueia-se e, com ele, bloqueia-se a própria sociedade. E é isto que um estudo como o do Pew Research Centre parece identificar.

Ora, a vários níveis as nossas sociedades (e não apenas a norte-americana) estão hoje expostas a este perigo de transformar as suas naturais polaridades em polarizações sociais. A nível nacional, em Portugal, creio que assistimos a uma inquietante polarização que, sendo muito boa para a afirmação de identidades particulares, bloqueará no futuro próximo a capacidade de dialogar com a diferença que a busca do bem comum exige. Com efeito, o serviço do bem comum requer um mínimo de capacidade de fazer um caminho comum. É evidente que isto se mostra na atual situação política do país, mas não nos iludamos: não se reduz a ela e as suas repercussões estender-se-ão muito para lá dela. Também a nível internacional se poderá descortinar uma possível e preocupante polarização entre nações, como o presente do projeto europeu faz suspeitar. Mas também o espaço eclesial não estará imune a esta deriva. Também aí o culto das sensibilidades próprias expõe o tecido eclesial a polarizações muito pouco consentâneas que o que mais decididamente dá identidade à Igreja: a comunhão.

 

2. Por estes dias tem sido grandemente amplificada a longa greve de fome do «ativista angolano» Luaty Beirão. No momento em que escrevo, ele acaba de a concluir. Para lá de outros considerandos possíveis, deste caso interessa-me sobremaneira o que (aparentemente) o origina: a leitura de um livro. Interessa-me o caráter subversivo do ato de ler, neste caso tão evidente. Nele podemos ver como algo tão simples como ler faz tremer poderes estabelecidos e enraizados. Como dizia um autor: «Ler e escrever são em si mesmos atos subversivos. Eles subvertem a noção de que as coisas têm de ser assim, de que estamos sós, de que nunca ninguém sentiu o que nós sentimos» (M. Vonnegut). Dito de outro modo: quem quiser transformar o mundo, tem na leitura o seu primeiro passo.

 

Nota: as conclusões do estudo aqui mencionado podem ser encontradas em: http://goo.gl/V8KFgx e http://goo.gl/EBhwzb