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Padre americano apoia antigos prisioneiros dos Gulags
Orações clandestinas
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Trocou o Alasca pelas terras geladas da Sibéria para ajudar antigos prisioneiros dos Gulags. Conheceu histórias de coragem, de terços rezados em silêncio, de mulheres forçadas a abortar. Hoje, o Padre Michael Shields quer reconciliar todas estas pessoas com a vida, depois de um tempo em que foi decretada a morte de Deus…

 

Foi um chamamento interior. O padre americano Michael Shields, dos Irmãos do Sagrado Coração de Jesus, estava em retiro, em Anchorage, no Alasca, numa altura em que sentia abalados os alicerces da sua vocação. Michael ouviu como que uma voz a interpelar a sua consciência, a mandá-lo para a Rússia, para junto dos que viviam nos campos de prisioneiros, os famosos Gulags.

Alguns anos antes, em 1989, o Padre Michael Shields tinha estado, de facto, num desses terríveis campos, em Magadan, onde o regime soviético depositava todos os que, de alguma forma, representavam uma ameaça ou simplesmente questionavam o poder de Moscovo.

 

Campos de morte

Foram 40 dias de retiro. A ideia de dedicar a sua vida, o seu sacerdócio, àquelas pessoas que tinham sido despojadas de dignidade, que foram empurradas para a morte nos campos gelados da Sibéria, começou a ganhar forma. No princípio, assustou-se com a ideia. Depois, compreendeu que tudo faria sentido. E foi. Em 1992, já com o regime soviético a desmembrar-se, Michael Shields decidiu trocar as terras geladas do Alaska pelas terras inóspitas e frias de Magadan.

Tudo ali era como que um símbolo desses anos terríveis em que milhares e milhares de homens e mulheres foram deportados para os campos de trabalho. Muitos – um número incalculável – morreram na própria viagem. Morreram de frio, de fome, de doenças. Morreram violentados. Morreram esgotados.

 

Honrar a memória

Quando chegou a Magadan, o Padre Michael estava decidido a ajudar o maior número possível de pessoas. Era preciso honrar a memória dos que tinham falecido e era urgente ajudar os que conseguiram sobreviver. Foi difícil. Poucos aceitaram falar. Lembrar os tempos dos trabalhos forçados, da vida nos barracões, da violência dos guardas, era como que avivar uma ferida que teimava em não sarar. Muitos dos que foram desterrados para os campos de Magadan provinham de países do então império soviético com uma forte tradição cristã: Polónia, Ucrânia, Lituânia… Se o regime havia decretado a morte de Deus, ali, nos Gulags, seria inimaginável qualquer manifestação de fé.

 

Orações clandestinas

E, no entanto, todos os dias havia quem rezasse. “Eles rezavam em silêncio. Nem sequer moviam os lábios para não lançarem qualquer suspeita”, explica o Padre Michael recordando as muitas conversas com antigos prisioneiros. “Uma mulher disse-me que nunca tinha experimentado uma Páscoa tão indescritível como no campo de trabalhos forçados. Eles guardavam pedaços de pão e assim celebravam juntos a Páscoa.”

Todos os condenados para os Gulags sabiam que provavelmente não sobreviveriam à prisão. Tudo ali era violento, agreste, miserável. Mas foi ali, naqueles barracões onde se amontoavam os presos políticos do regime soviético, que aconteceram as mais incríveis histórias de abnegação e coragem. Histórias de fé que o Padre Michael nunca mais conseguirá esquecer.

 

Histórias de fé

Uma das mulheres que sobreviveu aos trabalhos forçados é agora uma grande amiga do “padre americano”, como às vezes é tratado. Chama-se Braslava e um dia decidiu prescindir do pedaço de pão escuro que era distribuído aos prisioneiros para fazer pequenos rosários. Amassando o pão, juntando cinza dos pequenos fogões a lenha que havia nos quartéis, ela fazia as bolinhas que iria transformar em contas que deixava a secar. À noite, no escuro, com uma agulha feita com uma espinha de peixe, e com uma linha arrancada da sua própria roupa, ia fazendo os rosários. Depois, oferecia-os aos outros prisioneiros, explicando-lhes o significado daquela oração.

 

Trabalho pró-vida

São imensas as cicatrizes do sofrimento que se escondem nas ruas, nas casas, nos próprios rostos dos que habitam hoje em Magadan. Para o Padre Michael, a sua missão é clara: ajudar os sobreviventes dos Gulags a reconciliarem-se com a vida, a aprenderem o verdadeiro significado da palavra perdão. Mas há outro trabalho que mobiliza todas as suas energias. O regime soviético usou o aborto como meio de controlo de natalidade, obrigando milhares e milhares de mulheres a interromperem a gravidez. Desenvolver um trabalho pró-vida é, agora, uma das missões do “padre americano”. Com o apoio da Fundação AIS, abriu, em 2008, a Estalagem da Natividade numa aldeia junto a Magadan e tem sido surpreendente o impacto desta iniciativa junto da população local. O Padre Michael está eufórico. “Tem sido maravilhoso, porque a Rússia está a voltar uma página na sua história e agora quer que haja mais crianças”, diz, acrescentando: “O Senhor está a abençoar o nosso trabalho e a abrir portas que durante muito tempo estiveram fechadas.”

texto por Paulo Aido, Fundação Ajuda à Igreja que Sofre
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