Artigos |
Pedro Vaz Patto
Subsidiariedade
<<
1/
>>
Imagem

O anúncio de medidas governamentais relativas à reversão de contratos com hospitais de Misericórdias e escolas não estatais torna oportuna a reflexão sobre um princípio fundamental da doutrina social da Igreja: o princípio da subsidiariedade. O Compêndio da Doutrina Social da Igreja a ele se refere nestes termos (n. 186):

«Com base neste princípio, todas as sociedades de ordem superior devem pôr-se em atitude de ajuda (“subsidium”) – e portanto de apoio, promoção e incremento – em relação às menores. Desse modo os corpos sociais intermédios podem cumprir adequadamente as funções que lhes competem, sem ter que cedê-las injustamente a outros entes sociais de nível superior, pelas quais acabariam por ser absorvidos e substituídos, e por ver-se negar, ao fim e ao cabo, dignidade própria e espaço vital.»

O princípio da subsidiariedade contraria uma conceção de Estado omnipresente, monopolista e centralizador, que suprime a liberdade, mas também a responsabilidade, das pessoas e dos grupos sociais menores. Mas também não se confunde com a conceção liberal do Estado mínimo. Estado supletivo, ou subsidiário, não é o Estado omisso ou indiferente, é o Estado que regula as iniciativas da sociedade civil em função do bem comum, as apoia quando o bem comum o exige e supre as suas insuficiências também quando o bem comum o exige.

Será particularmente oportuno tê-lo presente quando se discutem questões relativas à reforma do Estado Social.

As iniciativas da sociedade (entre elas as da Igreja) no âmbito da solidariedade social são marcadas pela proximidade das situações concretas, pela espontaneidade de quem é movido por ideais (é este o seu “dever ser”). Toda a comunidade ganha com isso, com a genuinidade de uma motivação (a caridade na correta aceção da palavra) que não se impõe ou decreta. Não se trata, pois, apenas de poupar despesas ao Estado.

Sobre esta questão, afirma o Papa emérito Bento XVI, na encíclica Deus caritas est (n. 28):

«O amor  caritas – será sempre necessário, mesmo na sociedade mais justa. Não há qualquer ordenamento estatal justo que possa tornar supérfluo o serviço do amor. Quem quer desfazer-se do amor, prepara-se para se desfazer do homem enquanto homem. Sempre haverá sofrimento que necessita de consolação e ajuda. Haverá sempre solidão. Existirão sempre também situações de necessidade material, para as quais é indispensável uma ajuda na linha de um amor concreto ao próximo.  Um Estado, que queira prover a tudo e tudo açambarque, torna-se no fim de contas uma instância burocrática, que não pode assegurar o essencial de que o homem sofredor – todo o homem – tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal. Não precisamos de um Estado que regule e domine tudo, mas de um Estado que generosamente reconheça e apoie, segundo o princípio de subsidiariedade, as iniciativas que nascem das diversas forças sociais e conjugam espontaneidade e proximidade aos homens carecidos de ajuda.»  

Talvez o âmbito onde entre nós menos se respeita o princípio da subsidiariedade seja o do ensino. Também aqui o Estado não deveria ter pretensões monopolizadoras e admitir ou apoiar o ensino não estatal apenas onde ele, Estado, não chega. Isso representa a inversão do princípio da subsidiariedade: a supletividade das iniciativas da sociedade civil, e não, como deveria verificar-se de acordo com tal princípio, a supletividade da iniciativa do Estado.

Não se trata apenas de desburocratizar, nem de discutir se o ensino não estatal é, ou não, menos dispendioso ou é, ou não, de melhor qualidade. Trata-se de respeitar a liberdade de escolha dos pais, que, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 26º, nº 3), têm a prioridade na escolha do tipo de educação dos filhos (sendo certo que o tipo de educação dos filhos envolve sempre uma mundividência que pode corresponder, ou não aos valores existenciais mais íntimos e preciosos vividos pela pessoa e pela família). Quando o Estado financia escolas não estatais, não está a desviar fundos públicos para fins privados, está a permitir que a liberdade de escolher essas escolas não fique reservada às famílias de maiores recursos.