Lisboa |
60º aniversário da Clínica Psiquiátrica de São José, em Telheiras
É este o grande amor
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“Levar o amor misericordioso” de Jesus ao doente é o objetivo da Clínica Psiquiátrica de São José, em Telheiras, Lisboa, que assinalou recentemente o 60º aniversário. O Cardeal-Patriarca visitou a instituição das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, onde se “adivinha a necessidade do irmão”, garantindo que ali se encontra “a nova cidade de Jerusalém, que Deus não desiste de criar”.

 

É no meio de um complexo habitacional, em Telheiras, que se encontram alguns dos “maiores monumentos”, isto é, “lembranças e recordações” da cidade de Lisboa. O alerta, sem fins turísticos, foi deixado pelo Cardeal-Patriarca de Lisboa, no passado dia 31 de maio, por ocasião dos 60 anos da Clínica Psiquiátrica de São José. A partir da leitura do profeta Isaías, que foi proferida na Missa onde também se celebraram os 135 anos da Congregação das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, D. Manuel Clemente referiu que aquele espaço “é a cidade nova de Jerusalém que Deus não desiste de criar”, onde “ninguém fica de fora e até os últimos passam a ser os primeiros”. “Nesta cidade, como no coração de Deus, adivinha-se a necessidade do irmão e acolhe-se Jesus. Por isso, com Jesus Cristo, com o Espírito de Jesus Cristo, e com a Mãe de Jesus Cristo, de geração em geração de discípulos e discípulas, continuam no mundo estas cidades que dizem que a promessa da nova cidade de Jerusalém, a cidade de Deus, é uma promessa em realização”, garantiu o Cardeal-Patriarca, lembrando que “no fim, quando tudo o mais desparecer, isto ficará. Tudo passará, menos a caridade que é o amor de Deus nos nossos corações”.

 

Abertura à comunidade

Após a celebração, que decorreu na capela da Clínica Psiquiátrica de São José, onde estiveram presentes alguns doentes, colaboradores, voluntários e amigos da instituição de saúde, o Cardeal-Patriarca de Lisboa visitou as instalações que se organizam em sete unidades de internamento, nas valências de psiquiatria, psicogeriatria e gerontopsiquiatria, deficiência mental grave e moderada, e unidade de treino de autonomia. A irmã Maria Lisete Curral, que conduz os destinos desta instituição de saúde há seis meses, destaca ao Jornal VOZ DA VERDADE que a Clínica Psiquiátrica de São José conta com uma lotação de 195 utentes e que está “quase esgotada”. O edifício vizinho, onde funcionou exclusivamente a comunidade religiosa, foi agora adaptado para que no primeiro e segundo andar fique a funcionar a nova unidade de psicogeriatria, com mais 30 camas. “O terceiro andar, dado que somos menos, funcionará para as irmãs da comunidade”, explica a irmã Lisete. Atualmente, nesta clínica que tem certificação de qualidade, trabalham cerca de 150 pessoas, entre técnicos, enfermeiros, médicos, terapeutas, administrativos e outros, e são frequentemente recebidos alguns estagiários, frutos de parecerias com universidades.

A religiosa responsável da clínica realça também a “ligação muito boa” que existe com a freguesia de Carnide, que tem contribuído para uma integração dos utentes na comunidade. “Os utentes vão em passeios, com a própria comunidade e participam, por exemplo, em atividades culturais. Nos processos de desinstitucionalização que vamos fazendo com alguns doentes, vemos que a comunidade aceita bem os utentes”, garante a irmã Lisete.

Diariamente, pelas 17 horas, a capela da instituição abre as portas à comunidade para a Missa. Os sacerdotes Franciscanos são quem assegura a capelania. “A estas Missas vão as irmãs do governo provincial que, juntamente com as irmãs que aqui trabalham, totalizam 12 religiosas. Vão também os doentes e a comunidade envolvente e, aos Domingos, a Missa é às 10h15 e a igreja fica cheia!”, partilha a consagrada.

 

Uma pessoa

Há precisamente seis meses como responsável da Clínica Psiquiátrica de São José, a irmã Lisete, de 67 anos, passou anteriormente por outras casas de saúde da congregação, em Belas, na Idanha e Braga. Da sua larga experiência, esta religiosa destaca o “escutar o doente, a relação com as famílias e com os técnicos” como surpresas diárias, mesmo face a um sofrimento que muitas vezes se prolonga. “Recordo sempre aos colaboradores que estamos em frente de uma pessoa. Essa pessoa é aquela concreta, mas também podia ser eu... qualquer um de nós. Daí que o trato e cuidado para com cada pessoa deve ser personalizado, feito com muita atenção, tentando avaliar o seu sofrimento, das mais variadas formas, de uma escuta atenta, de uma palavra amiga, de um simples ‘bom dia’, de algum gesto que diga que estamos com essa pessoa. É verdade que a algumas não o conseguimos manifestar mas, por vezes, com um aperto da mão talvez o doente se dê conta”, manifesta a irmã Lisete.

 

Escutar a família

Os utentes que batem à porta da instituição, na sua maioria vindo referenciados pelo Serviço Nacional de Saúde, não chegam sós. Quase todos têm uma família. “Escutar a família é muito importante. Às vezes digo que, para além de cuidar do doente, é preciso também cuidar da família. Há situações que são complicadas e a família não está preparada, nem tem conhecimentos suficientes para lidar com esta realidade. Daí existirem reuniões técnicas com a família e, em certas alturas, também com o doente. Existe uma ligação constante com a família”, ressalva esta religiosa, que também reconhece alguns casos em que o doente mental é rejeitado pela própria família ou pela sociedade: “Na nossa sociedade, mesmo hoje, em muitos casos, existe a vergonha do doente mental. No nosso percurso institucional, foi sendo feito um caminho muito grande nesse campo, criando o hábito familiar de visitar os seus doentes”.

A “sociedade fraturada na família” é uma das causas apontadas pela irmã Maria Lisete Curral para o crescimento do número de casos de doença mental. “Hoje, a família nuclear, tal como a conhecíamos há uns anos atrás, está muito frágil. A situação económica de muita gente que perdeu os seus trabalhos e os divórcios que fazem com que os filhos fiquem com apenas um dos pais... tudo isso traz problemas ao ser humano”, conclui. 

 

Hospitalidade

A Congregação de Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus nasceu em Espanha, em 1881, e teve como núcleo fundante São Bento Menni, sacerdote da Ordem Hospitaleira de São João de Deus, e duas jovens que queriam seguir a vida religiosa: Maria Josefa e Maria Augustias. O Papa Pio IX enviou Bento Menni a Espanha, com o intuito de restaurar a Ordem Hospitaleira, desaparecida anos antes. Daí veio a nascer a congregação para o cuidado direto às senhoras. Foi-se alargando pelo mundo inteiro e, hoje, está presente em quatro continentes, com cerca de 1100 religiosas. “A nossa missão é promover uma assistência integral aos doentes, manifestada através dos valores, assistência, escuta, relação espiritual. A hospitalidade é um carisma dado à Igreja e ao mundo, traduzido pelo amor misericordioso de Jesus na pessoa do doente. É aí o grande amor. Tentamos levar este amor nas mais variadas formas. Claro que, em certos momentos, temos dificuldade em ver como o expressamos mas tenta-se, juntamente com os colaboradores”, explica a irmã Lisete.

Em Telheiras, o carisma das Irmãs Hospitaleiras chegou há 60 anos, em 1956, com a compra da quinta e o internamento de duas utentes. “A comunidade era composta por oito irmãs, foram sendo estabelecidos alguns protocolos e a casa foi crescendo até aos 150 doentes. Claro que, na altura, as estruturas eram um pouco deficientes mas fomos crescendo com muitas dificuldades, desenvolvendo alguma agricultura – porque a quinta era enorme – e aproveitando todos os recursos da altura”, explica a irmã Maria Lisete. Só há 20 anos é que a Clínica Psiquiátrica de São José ganhou as atuais condições. “Para este local, no meio da urbanização, estava projetada uma zona verde. Houve, por isso, um esforço muito grande para que esta clínica fosse possível”, recorda.

 

Doação e entrega

Na Clínica Psiquiátrica de São José, em Telheiras, existe também um grupo de “Leigos Hospitaleiros”, composto não só por irmãs e colaboradores mas também por voluntários e outras pessoas da comunidade que mensalmente se reúnem para a reflexão de alguns textos, partilha de experiências e para uma colaboração especial em dias festivos, tais como na festa do Dia Mundial do Doente, na celebração dos aniversários, no encontro da família, nos momentos de Oração Mariana nos meses de maio e outubro ou na peregrinação a Fátima, entre outros.

De todo o trabalho feito na instituição, a irmã Lisete destaca também o papel dos 28 voluntários e sublinha a importância da formação. Os voluntários “são pessoas com uma doação e entrega muito fortes. Eles referem que é muito mais o que levam para as suas casas quando daqui saem do que aquilo que trazem. Colaboram regularmente com projetos de música, informática, e até pequenos passeios”, refere a irmã Lisete.

Sobre o futuro da Clínica Psiquiátrica, esta responsável deseja que continue a ser uma casa que “aceite todos, atualizada com as novas técnicas, lado a lado com as estruturas externas e prestando um serviço de qualidade ao utente, acompanhando-o e respeitando-o sempre. As técnicas podem mudar, mas o projeto continua em frente, levando a mensagem de Jesus Cristo através do serviço diário aos utentes”.

  

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“Somos todos iguais, não há diferenças”

Isabel Cardoso instalou-se em Lisboa há oito anos, já depois de se aposentar. Como forma de se “integrar”, começou por procurar um local onde pudesse ir à Missa e “encontrar referências”. Foi no Seminário da Luz, com os sacerdotes Franciscanos, que sentiu que “a vida não era só preencher o tempo mas fazer qualquer coisa para preencher o tempo pelos outros”. Costuma ir à Clínica Psiquiátrica de São José, nas manhãs de terça-feira, para dar aulas de informática. “Depois do contacto com estes doentes a minha autoestima aumentou imenso. São doentes que chegam ao zero da autoestima e poder mostrar-lhes as pequenas coisas que se conquistam diariamente, tem um valor incalculável...”, partilha esta voluntária ao Jornal VOZ DA VERDADE.

Isabel refere as diferenças que encontra após estes oito anos de trabalho com os doentes. “Agora há uma preocupação constante em receber formação porque, por vezes, levadas pelo coração, fazemos coisas que não se devem fazer”. Junto dos doentes, esta voluntária afirma que encontrou uma família, “não só a nível dos colaboradores, das irmãs, mas dos utentes”. “O sorriso rasgado que fazem no dia em que venho cá é qualquer coisa de excepcional. Aprendi que somos todos iguais, não há diferenças”, sublinha. Para quem deseja ser voluntário, nesta ou noutra instituição, Isabel Cardoso deixa o convite: “Vai, não te arrependas! Recebes muito mais do que dás!”

  

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Formações em Saúde

A Congregação das Irmãs Hospitaleiras vai organizar as VI Jornadas Hospitaleiras de Pastoral da Saúde, no próximo dia 6 de julho, na Casa de Saúde da Idanha. Para o dia 1 de outubro, na Clínica Psiquiátrica de São José, estão marcadas as Jornadas de Voluntariado.

Inscrições e mais informações: 217108140 ou www.irmashospitaleiras.pt

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