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Padre Xavier, pároco de São Paulo, no Cais do Sodré, celebra 65 anos da ordenação
Uma vida a amar as pessoas
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O padre Bernardo Xavier Félix tem 92 anos de idade mas os seus dias continuam a ser o que eram: dedicados às pessoas. É pároco da Igreja de São Paulo, no Cais do Sodré, em Lisboa – o que porventura o torna no decano dos párocos do país –, e celebra 65 anos de sacerdócio a 29 de junho, Solenidade dos Apóstolos Pedro e Paulo.

 

Levanta-se pouco depois das 6 horas da manhã, apronta-se e pelas 7h30 já está na estação de comboios da Cruz Quebrada rumo ao Cais do Sodré, onde chega antes de os sinos tocarem as 8 horas. Reza o breviário e às 8h30 celebra Missa na Igreja de São Paulo. É assim desde 1979. O padre Xavier não pára, nem quer parar. Nem tem dias de folga. “Todos os dias venho à Igreja de São Paulo: aos Domingos, às segundas, terças, quartas, quintas, sextas e sábados”, descreve, sorridente, ao Jornal VOZ DA VERDADE. São nove décadas de uma vida a pensar nos outros. “A minha vida foi toda assim: a comunicar com as pessoas, a amar as pessoas, a viver com as pessoas. Muito ao estilo do Papa atual, nunca fiz diferença das pessoas, amei as pessoas, fiz tudo por elas”, frisa. No Cais do Sodré, bem perto do coração da cidade de Lisboa, o dia do padre Xavier é passado a “atender pessoas, a confessar, a fazer direção espiritual”. “Estou sempre ocupado”, garante este sacerdote.

 

‘Catequista’ aos 6 anos

Filho único de uma família muito ligada à terra, o padre Xavier é natural de Sernancelhe, paróquia de Ferreirim, Diocese de Lamego e perdeu o pai quando tinha apenas 4 anos de idade. “Quase não conheci o meu pai, que apanhou tuberculose e por esse motivo afastaram-me dele desde muito cedo. Não tive carinho nenhum do meu pai, que faleceu com 27 anos…”, lamenta, destacando por outro lado a “figura da mãe”, que o ajudou na sua formação e faleceu em 1994, com 92 anos. O padre Xavier destaca “a vida religiosa bastante forte” da mãe e costuma dizer que a sua vocação “foi algo natural”. “Aos 6 anos já era catequista! Catequista quer dizer, ensinava as orações do Pai Nosso e Avé Maria aos meus amigos. Mas fui crismado aos 6 anos”, lembra. “Nunca pensei outra coisa se não ser padre. Fui para a escola e naturalmente fui também para o seminário”. Bernardo Xavier tinha então 13 anos e entrou para o Seminário Menor de Resende, em Lamego. Estávamos em 1937 e, quatro anos depois, em 1941, pede transferência para o Seminário de Almada. “Foi uma mudança de estilo, de vivência, de comunhão. Mas depressa me adaptei. Apesar de nessa altura ser tímido, tinha facilidade de comunicação com as pessoas”, destaca.

Frequentou o Seminário dos Olivais, entre 1947 e 1951, e diz que guarda “uma grande memória de sentimentos” desse tempo, apesar de “nunca ter havido grande amizade entre os colegas”. E justifica: “Nós fazíamos uma vida um pouco individualizada, muito focada no estudo e só nos encontrávamos nos recreios, porque de resto quase nem podíamos falar. Não era uma vida para arranjar grandes amizades”. A ordenação de presbítero foi na Sé Patriarcal de Lisboa, no dia 29 de junho de 1951. Fará 65 anos nesta próxima semana, no dia da Solenidade de São Pedro e São Paulo. “A minha mãe esteve presente na ordenação, porque estava cá em Lisboa em trabalho doméstico, vieram muitas pessoas de família e veio também o meu avô materno – com 77 anos, uma idade muito avançada para aquela altura – que me ofereceu o cálice”, conta.

A Missa Nova – a primeira celebração presidida pelo recém-ordenado sacerdote – “foi celebrada na igreja de São Domingos, na Baixa, às 9 horas da manhã”. “A 15 de agosto, Solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria, celebrei Missa Nova na minha terra”, lembra o padre Xavier.

 

Para a Missa… de burro!

A sua primeira ‘nomeação’, segundo refere, foi “muito especial”. “Fui substituir o padre Geada, em Alfama, que foi para férias. Estive lá durante um mês e meio”, salienta. “Para mim foi ótimo, porque aprendi a ‘fazer’ casamentos, batizados, tudo. O Patriarcado, que nesse tempo estava nos Mártires da Pátria, era próximo e quando tinha uma dificuldade ia à Cúria”. Depois desta primeira experiência pastoral na cidade, o padre Xavier, então com 27 anos, foi nomeado pároco interino, “durante dois meses”, em Azeitão. “A paróquia já estava destinada a outro pároco, mas entre um e outro sacerdote estive lá eu”, aponta, explicando: “Sem saber, eu estava nomeado para outro lado, São Pedro da Cadeira, que tinha um padre velho, que já celebrava sentado”. Nesta paróquia de Torres Vedras, o padre Xavier ficou quase vinte anos, primeiro como coadjutor e depois como pároco. “Fundei o agrupamento de escuteiros, mesmo em Torres Vedras, e foi lá que conheci o senhor D. Manuel Clemente, então com 18-19 anos, que trabalhou comigo. Eu era o assistente e ele o meu chefe de clã”, conta, lembrando-se da “vida pastoral intensa” que teve em São Pedro da Cadeira. “A paróquia tinha muito movimento de jovens e muita vivência cristã, nos seus 10 ou 12 lugares. Ao Domingo tinha três Missas, mas era uma coisa tremenda naquela altura… não havia estradas e como tal não era possível arranjar transportes rápidos. Então, ia de burro a cavalo! Em jejum – porque dantes tínhamos de estar em jejum da meia-noite para a frente – eu ia de São Pedro da Cadeira para a Assenta, que era quase uma hora de caminho, celebrava às 8 horas da manhã e às 10 já estava a presidir à Eucaristia no Casal do Alto da Camila, que ficava quase à mesma distância. Sempre de burro, lá ia eu! Da Camila, voltava então a São Pedro, para celebrar ao meio-dia. Com os batizados e os atendimentos, só às três da tarde é que ia comer qualquer coisa”, relata.

Em 1970, o padre Bernardo Xavier Félix é nomeado para a paróquia de Algés, assumindo a responsabilidade pela construção da nova igreja. “Fui eu que fiz a igreja – que há muito estava projetada – e a paróquia… quando lá cheguei, não havia nada. O meu carro era o meu gabinete de trabalho”, graceja, recordando-se dos quase 10 anos passados em Algés. Foi neste período de tempo, numa paróquia às portas da cidade de Lisboa, que o padre Xavier sentiu a necessidade de, ao longo de quatro anos, “fazer uma reciclagem em Teologia e Sagrada Escritura, na Universidade Católica”.

 

Paz e alegria

A chegada à paróquia de São Paulo, junto ao Cais do Sodré, em Lisboa, aconteceu em 1979. “Ainda hoje cá estou”, brinca o sacerdote, do ‘alto’ dos seus 92 anos feitos em maio passado. “Devo ser o decano dos párocos!”, acrescenta. De uma forma realista, diz ter três razões para, nesta idade, ser ainda pároco e estar plenamente no ativo: “Primeiro, há poucos padres; depois, esta paróquia é muito pobre e não consegue sustentar um pároco; e finalmente, porque quando eu me for embora não vem para cá padre nenhum… vai ter uma Missa por acaso, e fecham a igreja. Enquanto eu aqui estiver, não deixo morrer a Igreja de São Paulo”. O padre Xavier justifica esta afirmação com a realidade atual do Cais do Sodré, uma zona da cidade onde atualmente quase não mora ninguém. “Os prédios de cinco andares são todos antigos, quase nenhum tem elevador e muitos estão desabitados. Estão a restaurar vários, que eu pensei serem para habitação, mas não: é para hostels. As pessoas que vêm para cá morar com gosto, passado pouco tempo vão-se embora devido ao barulho dos vários bares”, descreve o pároco. “Não tenho catequese, porque não há crianças. Não tenho grupo de jovens, porque não há juventude a morar aqui. A terceira idade, muita dela, já não consegue vir à igreja e a verdade é que também tem uma herança de uma indiferença religiosa…”, lamenta o pároco de São Paulo.

Apesar desta realidade, “há uma comunidade cristã participativa” na Igreja de São Paulo, e “a Missa ao Domingo é viva”, assinala o padre Xavier. A paróquia tem coro e um grupo de oração, de senhoras. A FNA – Fraternidade de Nuno Álvares, Associação dos Antigos Escuteiros do Corpo Nacional de Escutas, é um dos grupos da paróquia e tem a sua sede na Igreja das Chagas, o outro templo da paróquia além da Igreja de São Paulo. “Ao longo dos anos fiz muitas obras nas duas igrejas, estão todas pagas, não sei de onde veio o dinheiro mas tudo se compôs”, garante. “A Igreja de São Paulo está alegre, bonita, limpa e está sempre aberta, todos os dias: desde o ICNE, Congresso Internacional para a Nova Evangelização, que o Patriarcado organizou em 2005, a igreja está diariamente de portas abertas, desde as 7 e meia da manhã até às 7 da tarde. Quem vier, eu acolho sempre, seja a que hora for”. Na caridade, a paróquia tem um centro social paroquial, que funciona junto à Igreja de São Paulo, com a valência única de centro de convívio para cerca de 40 utentes, que está aberto da parte da tarde. “Fundei o centro social, no início da década de 80, para ser um local onde as pessoas possam estar, conversar, fazer ginástica, ter aulas de canto, realizar trabalhos manuais e ter alguma assistência de saúde, como medir a tensão”, conta o pároco de São Paulo.

Se de manhã a viagem até à paróquia é feita de comboio, o regresso a casa, ao final do dia, é feito de carro com um dos colaboradores da Igreja de São Paulo, que mora no mesmo prédio do padre Xavier. “Gosto de dar paz e alegria às pessoas. Gosto de transmitir Cristo aos outros com alegria e entusiasmo. A única coisa que peço ao Senhor é que me dê paz e alegria para O transmitir aos outros”, termina o decano dos párocos, padre Bernardo Xavier Félix.

  

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Pároco de São Paulo escreve livro solidário com sonetos de poesia e teologia

‘Um Fogo tão forte que nos espanta’ é o título do livro do padre Bernardo Xavier Félix, publicado no ano passado, que apresenta uma coletânea de sonetos poéticos e teológicos, organizada pelo padre Tolentino de Mendonça. “Esta coletânea de sonetos revela-nos o coração do padre Bernardo Xavier Félix e uma vida inteira de luta. Luta interior, pois o coração humano é um campo de batalha. Luta exterior, para ganhar amando. Nestes poemas há de tudo isso, na rendição constante a um amor maior, comprovado na cruz – a de Cristo e sua, a de Cristo e nossa”, refere o Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, no prefácio da obra publicada pela Paulinas Editora, cujas receitas revertem integralmente em benefício das obras pastorais e sociais do Patriarcado de Lisboa.

O padre Xavier aponta que a sua vocação poética surgiu no tempo do Seminário dos Olivais. “Eu era o poeta do curso! Os meus dois primeiros sonetos foram feitos lá. Com a vida pastoral, pousei a caneta e renunciei à escrita, porque não tinha tempo para isso”, explica, sublinhando que sempre gostou do soneto – com duas quadras e dois tercetos – por ser “muito difícil de fazer, pelo pensamento e pelo resumo”. Dizendo admirar “poetas de fácil compreensão, com harmonias e belezas, como José Régio e outros parecidos do século XIX”, este sacerdote graceja: “Não tenho medo nenhum de apresentar os meus sonetos junto da Florbela Espanca ou do Bocage – de quem eu não gosto pelos temas que ele foca”.

Os sonetos espirituais de ‘Um Fogo tão forte que nos espanta’ têm a particularidade de serem religiosos. “Os sonetos foram feitos na oração, têm uma linha de fé e são uma catequese autêntica, sempre com o hino da esperança e da alegria”, salienta o autor, padre Bernardo Xavier Félix.

  

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Ordenações na Igreja de São Paulo encerraram Ano Paulino no Patriarcado

Foi em 28 de junho de 2009, no final do Ano Paulino – Bento XVI proclamou um especial Ano Jubilar dedicado a São Paulo, de 28 de junho de 2008 a 29 de junho de 2009, para celebrar os dois mil anos do nascimento do apóstolo dos gentios –, que o adro da Igreja de São Paulo, no Cais do Sodré, recebeu as Ordenações de Presbíteros. O padre Bernardo Xavier recorda-se bem desta celebração presidida pelo então Cardeal-Patriarca D. José Policarpo. “Lembro-me bem do banho de chuva que apanhámos! Foi o senhor Patriarca que insistiu que se fizesse a celebração aqui, em São Paulo, e foi uma grande alegria para mim e para a paróquia”, aponta o sacerdote.

texto e fotos por Diogo Paiva Brandão
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