Foi professor de Religião e Moral, Latim, Português e História, área em que se licenciou. O cónego Alfredo Cerca, ou simplesmente padre Cerca, como gosta de ser tratado, foi diretor pedagógico do Externato de Penafirme durante 26 anos e celebrou 50 anos de sacerdócio no passado dia 15 de agosto.
“A Igreja, todos nós, temos de trabalhar bastante no sentido de criar comunidades”. Nos seus 50 anos de sacerdócio, o padre Cerca sublinha ao Jornal VOZ DA VERDADE que a criação de “comunidades vivas, a começar pela comunidade da família”, é “o mais difícil, mas o mais necessário”, aponta. “É tão importante a comunidade familiar, para que as novas gerações surjam de uma forma sadia e com esperança no futuro”. Aos 73 anos, este sacerdote desafia a Igreja a ser exemplo. “Uma das formas que a Igreja tem de mostrar um verdadeiro serviço à sociedade é ser um exemplo, de comunidades vivas, empenhadas, em que não se descanse no ministério do padre, mas que o padre esteja efetivamente ao serviço da animação das pessoas, em ordem a uma vivência. É por aqui que deve passar tudo”, salienta.
A referência do avô… que não conheceu
A mãe do padre Cerca ficou viúva muito cedo. “O seu primeiro marido morreu e, quando o meu irmão já tinha a vida orientada, ela casou segunda vez e eu sou filho do segundo casamento da minha mãe. Sou praticamente filho único, porque tive um irmão – que era 20 anos mais velho e que já morreu, vítima de acidente – mas fui criado como filho único. A minha mãe já tinha perto de 40 anos quando nasci, pelo que fui tratado sempre com muito ‘jeitinho’”, brinca este sacerdote.
Natural do Arneiro, na Merceana, concelho de Alenquer, o padre Cerca tem como referência de família alguém que, curiosamente, não conheceu pessoalmente. “A minha família teve uma referência importante, que foi o meu avô materno. Era um homem analfabeto, trabalhador rural, foi enjeitado da Santa Casa da Misericórdia, criado por uma viúva em Vila Verde dos Francos, e era um homem que era simultaneamente culto, em termos não de alfabetização mas de cultura de vida, e religioso, com sensibilidade religiosa e sensibilidade para os outros. Essa foi a referência que se apresentou na minha vida. Eu não o conheci, mas através da minha mãe recebi efetivamente essa orientação”, sublinha, garantindo a intercessão do familiar na sua vida: “Tenho a certeza que o meu avô, no céu, reza por mim”.
Tribulações e fidelidade
O padre Cerca diz ter “umas ligeiras lembranças” de ser criança e de “ter gosto em ir a procissões e à Missa”. “Tinha já uma certa orientação para ser padre”, aponta. Tinha então 5, 6 anos e estava ainda “na primeira infância”. “Eu entrei para a escola primária com 7 anos e nesse tempo a referência religiosa era a minha mãe – o meu pai não tanto. A professora era também uma mulher de fé, que nos orientava nesse sentido. A minha mãe e o pároco da altura, o padre Alberto Gata, colocaram-me no Seminário de Santarém, com 11 anos”, conta.
Depois de Santarém, o jovem Alfredo Cerca passou ainda pelo Seminário de Almada e depois pelo Seminário dos Olivais. “A minha vocação para padre foi despertando no seminário, assim como o meu gosto de poder vir a ser padre. Entre tantas tribulações que foram aparecendo ao longo da vida e ao longo do tempo de seminário – porque muitos dos meus colegas que entraram comigo iam saindo –, fui resistindo e cheguei a padre, em 1966, num tempo de grande convulsão dentro da Igreja. Dou graças a Deus por ser padre e por Deus me ter dado o dom da fidelidade durante estes anos todos, apesar das minhas limitações e das tribulações por que fui passando”, destaca.
Nos últimos anos de seminário, durante a Teologia, um sacerdote em particular teve “uma grande importância” na vida do futuro padre Cerca: o padre José Eduardo Ferreira, que foi pároco da Merceana e, depois, durante 36 anos, pároco das duas paróquias de Alenquer (Santo Estêvão e Triana). “O padre Zé Eduardo era novo, tinha sido ordenado recentemente, e ajudou-me e marcou-me muito. Ele sabia que o ambiente nestas zonas é muito avesso à religião. Todo o concelho de Alenquer é tradicionalmente avesso à fé, porque foi muito batido pelo republicanismo e depois pelo Partido Comunista e outros partidos afastados da Igreja”, recorda.
Gratidão
O padre Alfredo Cerca foi ordenado em 15 de agosto de 1966, uma segunda-feira, pelo cardeal Cerejeira, na Sé de Lisboa, com mais seis colegas. “No curso dos Olivais, 23 alunos terminaram a Teologia: 13 eram do Patriarcado de Lisboa, mas somente seis se ordenaram, porque os outros disseram que não – algo que não acontecia até então, porque quem chegasse ao final da Teologia era para ser ordenado. Este dado era já o reflexo da convulsão dentro da própria Igreja…”, descreve. Passados 50 anos da ordenação, o padre Cerca sente-se grato. “Foi um dia bonito, de grande agitação exterior, mas também sentimos que somos tocados por Deus para servir a Igreja, servir os outros, servir o povo de Deus. Sinto efetivamente a gratidão de isso ter acontecido”.
Do Arneiro até à Sé de Lisboa foi “um grupo grande de pessoas”, incluindo os pais, mas “foi sobretudo na Missa Nova que participou muita gente”. “A Missa Nova foi uma celebração campal, logo no Domingo a seguir à ordenação, dia 21 de agosto. Na altura o Arneiro tinha mais gente do que tem agora…”, recorda.
Aulas e licenciatura
Após a ordenação, a primeira missão do recém-ordenado sacerdote foi o ensino. “Fui prefeito e professor de Latim e depois também de Português, no Seminário de Penafirme. Foram cinco anos, entre 1966 e 1971. Entretanto fui para o colégio do Bombarral, que pertencia ao Patriarcado, dar aulas de Religião e Moral, Português e História, e fui igualmente trabalhar na paróquia. Nessa altura os padres tinham um diploma – que eu ainda conservo! – que lhes permita lecionar uma série de disciplinas. Naquela altura ainda não havia a especialização, que hoje há”, conta.
O padre Alfredo Cerca tirou depois a licenciatura em História, na Faculdade de Letras de Lisboa, que terminou em 1978, e fez a profissionalização, na Escola Dona Filipa de Lencastre, em Lisboa, durante um ano. “Era trabalhador-estudante: trabalhava no Bombarral, onde dava aulas, e colaborava aos fins-de-semana e noites nas paróquias do Bombarral, Vale Covo e Pero Moniz, onde fui coadjutor durante cinco anos do padre Alberto Teixeira Dias, que faleceu recentemente, e nos cinco anos seguintes do padre Fernando Guerra Ferreira. Ao mesmo tempo, estudava”. O colégio no Bombarral acabou por fechar, mas o padre Cerca continuou a dar aulas na escola oficial do Estado, que surgiu na terra.
Estávamos então em 1981, o padre Cerca era sacerdote há 15 anos, e a missão que se seguiu foi novamente em Penafirme, mas agora para o Externato – que tinha sido fundado em 1976 –, como professor de Moral. “O senhor Patriarca D. António Ribeiro tinha a intenção de que eu pudesse vir a ser o diretor”, recorda. Em simultâneo, e durante cinco anos, deu aulas na Escola Henriques Nogueira, em Torres Vedras. “Nestes anos, trabalhei sempre na paróquia de A-dos-Cunhados. Quando regressei a Penafirme, tive sempre o encargo de colaborar na paróquia, com um grupo de professores, onde fizemos coisas muito bonitas em termos de missionação e formação. Foi uma colaboração que sempre me deu muito gosto”, frisa.
Diretor durante 26 anos
Em 1986, o padre Alfredo Cerca assume a direção do Externato de Penafirme, mantendo também a colaboração na paróquia de A-dos-Cunhados. Uma missão que exerceu durante 26 anos, até 2012, altura em que foi substituído pelo atual diretor, padre Carlos Silva. “Quando cheguei, tínhamos 11 turmas do 2º Ciclo e mais 11 turmas do 3º Ciclo – uns de manhã e outros à tarde. Os espaços eram muito curtos. Havia muita gente que ficava de fora, porque não tinha lugar… era necessário dar resposta a esta gente. Enveredei por uma aventura – com autorização do senhor Patriarca, certamente! – que foi construir e começar a criar condições para poder receber os alunos. Sem grandes aventuras financeiras, porque o cardeal Ribeiro avisou-me logo que não nos podíamos endividar, que tinha de ser uma coisa medida e calculada, certa e segura”. E assim foi. “O Externato expandiu-se enormemente e de 700 alunos atingimos quase a cifra de dois mil. Não de uma vez, mas lentamente. Fomos respondendo às necessidades e foi uma aventura bonita”, descreve. O padre Cerca lembra ainda “o grupo jovem de professores” do Externato de Penafirme. “Hoje, um dos males das escolas é o envelhecimento do corpo docente. Quando somos jovens temos outras visões e outros sonhos que depois corremos o risco de os perder à medida que a idade avança”, manifesta.
O padre Cerca destaca que quando o Ministério da Educação era liderado por Roberto Carneiro – “época onde houve uma abertura ao ensino particular” –, o Externato de Penafirme avançou na construção do refeitório e das salas de aulas. “Assim foi possível acolher todos os alunos, caso contrário o externato estava a sofrer o mesmo que muitas outras escolas que ficaram sem os contratos de associação. Com a nossa resposta, evitou-se a criação de uma escola oficial do Estado, porque o Externato de Penafirme tem servido sempre como serviço público”. O sacerdote, de 73 anos, critica a “centralização do poder” e a “estatização do ensino, que eles não querem deixar nem por nada”, lamenta. O padre Cerca cita o Cardeal-Patriarca D. Manuel Clemente, no recente livro que assinala os 40 anos (1976-2016) do Externato de Penafirme. “É uma nota em que o senhor Patriarca diz precisamente que o Papa Francisco, na linha do pensamento da Igreja, refere que é aos pais que compete escolher a escola para os seus filhos”, lembra, sublinhando que “o Estado não deve ser educador”. Do tempo do padre Cerca, foi criada no externato a Escola Profissional, inaugurada pelo então Cardeal-Patriarca D. José Policarpo.
Enquanto diretor, o padre Cerca apenas lecionou “muito pontualmente”, quando era necessário “substituir algum professor numa situação de emergência”. E assume: “Tinha de trabalhar com os professores, mas o que eu gostava mais era de dar aulas! Se pudesse, tinha continuado a dar aulas”. Nos dias de hoje, uma vez por semana, o padre Cerca vai dar uma aula de ‘Cristianismo e Cultura’, ao Seminário de São José de Caparide. “Quando se ensina, quem aprende é o próprio”, sentencia.
Finalmente pároco
Quando fez 70 anos – “idade que está determinada pelo Estado para se aposentar, não podendo continuar como diretor pedagógico” –, o cónego Alfredo Cerca foi para a paróquia da Silveira, onde desde então é pároco ‘in solidum’ com o padre Joaquim Martins. “É uma paróquia que engloba também Santa Cruz e Casalinhos”, refere. “Uma coisa que sempre me ajudou muito na minha vida de padre foi a preparação das homilias e a leitura, para depois comunicar o melhor possível e de maneira mais fiel. Foi, para mim, muito estimulante e enriquecedor”, garante o padre Alfredo Cerca.
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40 anos a fazer caminho
O Externato de Penafirme tem dois mil alunos do 5º ao 12º ano e dos cursos profissionais e está a celebrar, neste ano de 2016, os seus 40 anos. “O Externato de Penafirme foi criado para aproveitar as instalações do Seminário de Penafirme, numa altura, em 1975, época da revolução, em que era necessário dar resposta à escolarização das populações da zona. Foi o padre António Crisóstomo que tomou essa iniciativa, teve o apoio do cardeal Ribeiro e contou com a mobilização das populações locais, que gostaram da ideia e abraçaram-na com alma e coração”, conta o cónego Alfredo Cerca, diretor pedagógico entre 1986 e 2012.
Na opinião do padre Cerca, o Externato de Penafirme “vive sempre com esta incerteza”: “Qual é o nosso futuro? Até quando nos vão tolerar? Neste país, tudo é incerteza e no campo do ensino é uma tristeza verificarmos exatamente isto. Não queremos clericalismo, nem que sejam os padres a mandar, mas queremos que haja um espaço de liberdade para todos e que nós tenhamos lá lugar”.
É uma escola com “uma orientação católica, que procurou sempre ter”, que nunca “esqueceu que é um serviço público, portanto aberto a toda a gente”, refere ainda.
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