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Pedro Vaz Patto
Refundar a Europa
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O resultado do referendo que conduz à saída do Reino Unido da União Europeia (o chamado brexit) surpreendeu muitos e suscitou uma grande desilusão em quem acredita no projeto da unidade europeia. Senti essa profunda desilusão em amigos britânicos que conheci através de iniciativas de âmbito cristão europeu, os quais me disseram também que muitos dos que votaram pela saída não se aperceberam bem do alcance do seu voto.

Este facto lembra-nos que os processos históricos não são automáticos e irreversíveis, conhecem avanços e recuos e não dispensam o empenho e o esforço pessoais e comunitários.

E, sobretudo, pode servir de ocasião para repensar (e refundar) o projeto de unidade europeia, através de uma reflexão sobre as razões por que esse projeto não atrai hoje as pessoas e os povos como atraía quando o Reino Unido aderiu à União Europeia (com um referendo que aprovou tal decisão por larga maioria), quando Portugal também a ela aderiu, ou quando a ela aderiram os países da Europa central e oriental (depois da queda do comunismo). Ou quando os países da antiga Jugoslávia nela viram um antídoto contra a guerra que os vitimou (na verdade, mutas vezes nos esquecemos que este projeto tem contribuído para um longo período de paz na Europa, que gerações precedentes nunca conheceram).

Mais uma vez se comprova que o projeto de unidade europeia não pode basear-se apenas numa confluência de interesses económicos. Penso que um dos principais motivos por que os partidários da permanência do Reino Unido na União Europeia não lograram convencer os eleitores terá sido, precisamente, o facto de limitarem a sua argumentação (pouco decidida e entusiasta) às vantagens económicas dessa permanência. De resto, a participação do Reino Unido na União Europeia tem sido marcada pela lógica (contrária a uma lógica comunitária de solidariedade) da chamada devolução do cheque britânico, ou seja, da restituição do que supostamente será entregue a mais do que é recebido (em termos puramente económicos).

Refundar a União Europeia implica, antes, criar nos povos europeus um sentimento de pertença e uma coesão social que, sem substituir o sentimento e a coesão próprios da comunidade nacional, deles se aproxime. Só esse sentimento e essa coesão permitirão que surja a consciência de um bem comum europeu e que cada cidadão europeu (do Norte ou do Sul, do Leste ou do Oeste) sinta como suas as aspirações e as dificuldades dos outros cidadãos europeus. Esse bem comum europeu permite alargar o horizonte dos interesses nacionais encarados numa perspetiva estreita do curto prazo.

Esse sentimento de pertença e essa coesão só poderão surgir (como sucede com as nações) a partir da valorização de um património histórico e cultural comum, que está na raiz de valores partilhados. Eis o motivo por que um dos “pais fundadores” da Europa (Jean Monnet) disse um dia que se deveria ter começado a construir a Europa não pela economia, mas pela cultura.

Esse património histórico e cultural não pode desligar-se das raízes cristãs da cultura europeia, que estão na base de valores (partilhados por cristãos e não cristãos) como os da dignidade da pessoa humana, da solidariedade ou do acolhimento humanitário dos estrangeiros. Por isso, também representa um contra senso que as posições da União Europeia em instâncias internacionais sejam contrárias a essas raízes cristãs em matéria da defesa da vida e da família.

Repensar e refundar a União Europeia implica, pois, tudo isto, que vai muito para além das regras do euro, a que hoje parece reduzir-se a atenção de muitos responsáveis políticos e comunicadores a respeito da Europa.