Lisboa |
Bairro da Boavista, em Benfica, celebra 75 anos
Prioridade absoluta para a família
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É uma paróquia “bairrista” e pobre, às portas da cidade, que aposta nos mais novos e tem na família o seu grande desafio. O Bairro da Boavista, em Benfica, comemorou recentemente 75 anos e recebeu a visita de D. Manuel Clemente que, na praça central do bairro, avivou a importância de escutar o outro e colocar-se ao serviço da comunidade.

 

Foi há 75 anos – comemorados no passado dia 25 de outubro – que o Bairro da Boavista, na zona nordeste da cidade de Lisboa, foi inaugurado. Desde a sua génese que este bairro “periférico” da cidade esteve destinado a realojar famílias, provenientes de outros bairros pobres ou de zonas que viram crescer as grandes obras públicas do regime, tais como o viaduto Duarte Pacheco ou a ponte Salazar. Atualmente, os habitantes mudaram e o bairro ganhou novas culturas e etnias, mas o traço de bairro social mantém-se presente, para quem lá entra ou vive. Existem cerca de 5.000 habitantes recenseados, mas as últimas estimativas apontam para mais de 8.000 pessoas ali a residir, muitos em casas de familiares. “Vêem-se na rua muitos jovens desocupados, a toda a hora do dia. Choca ver o desemprego juvenil. Depois, as pessoas fazem muito a vida nos cafés, na rua principal”, relata ao Jornal VOZ DA VERDADE o recém-chegado pároco do bairro, padre Pedro Fernandes Coutinho. Para este sacerdote dehoniano, que tomou posse como pároco da paróquia do Bairro da Boavista no passado dia 2 de outubro, o trabalho pastoral garante-se tendo “uma relação pessoal próxima, amiga, fraterna” com as pessoas. “Aprendi que temos que ganhar as pessoas uma a uma. Quando é possível, é esse o estilo que procuro aplicar e que aprendi nos anos em que estive em missão”, afirma.

 

Presença

A paróquia do Bairro da Boavista tem apenas 13 anos e é na modesta igreja de São José, erguida em lugar central do bairro, que pretende ser uma resposta às necessidades das pessoas do bairro. “Muitas pessoas não têm qualquer relação com a Igreja, portanto, o trabalho que se impõe é uma presença”, refere o padre Pedro, que se manifestou feliz pela presença do Cardeal-Patriarca de Lisboa, no passado dia 29 de outubro, para a celebração do sacramento do Crisma a alguns jovens e adultos. “Agradeço muito esse momento, pelo feitio afável que tem o nosso Patriarca, ao cumprimentar as pessoas e tornar a Igreja visível”. A Missa campal, em pleno local central do bairro, “mostrou que as pessoas podem contar com a Igreja quando precisarem”. “Os moradores sabem que estamos aqui, do lado dos pobres, misturados com eles. Nós não temos que cativar as pessoas para ‘votarem’ em nós, apenas temos que levar o Evangelho de Jesus às pessoas, para viverem mais felizes”, argumenta o padre Pedro Coutinho.

 

Em toda a parte

O Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, começou por recordar a última vez que esteve no Bairro da Boavista – “numa noite de Natal, antes de ser nomeado Bispo do Porto” – e dirigiu-se ao grupo de crismandos para lembrar que “ser crismado é receber o Espírito de Deus, o Espírito de Jesus, para continuar a sua obra”. “Cada um de acordo com os dons que recebe, para usar na comunidade cristã, para que seja uma comunidade, uma coisa comum, como Deus quer. Não caiam na tentação de olhar para cima das nuvens porque Deus tanto está lá em cima como está cá em baixo. Deus está em toda a parte”, alertou o Cardeal-Patriarca. Aos fiéis que, na praça central do bairro, participaram na Missa ou que simplesmente estavam ali de passagem, D. Manuel Clemente assegurou que “a glória de Deus é Ele contar com todos para que a vida continue. Nós somos sinais da glória de Deus”. “Passo por muito lado, ouço muita gente, e continuo todos os dias a ouvir da boca dessas pessoas a continuação do Evangelho no mundo, o Espírito de Deus a atuar na terra. Os simples e pequenos percebem isso. Neste bairro, onde forçosamente as pessoas estão próximas umas das outras, porque há necessidades tão urgentes para resolver no dia-a-dia, isso torna-se simples”, garantiu o Cardeal-Patriarca.

D. Manuel Clemente agradeceu o trabalho desenvolvido no Bairro da Boavista pelos sacerdotes e religiosas da Congregação do Sagrado Coração de Jesus (Dehonianos) e desafiou todos os presentes, em especial os que iriam ser crismados, a escutarem o outro. “Cada um tem imensa coisa que nem sabe, tem tanto para dar se for ouvido, atendido… é um continente para explorar. No Espírito de Jesus Cristo, tudo é possível e, pelo sacramento do Crisma, isso será reavivado nos vossos corações para serem Evangelho vivo e onde a vida vos levar”, assegurou.

 

Urgências sociais

Apesar de ter chegado há poucos dias ao Bairro da Boavista, o padre Pedro Coutinho é já um conhecedor da evolução das condições do bairro, ao longo de 75 anos. “As infraestruturas mudaram para melhor mas sempre foi um bairro social, foi construído para trabalhadores que lá iam dormir. Mais tarde, houve um crescimento em qualidade, com um investimento por parte do Estado, e hoje vemos isso, por exemplo, na limpeza e no cuidado com os jardins”, refere o sacerdote dehoniano.

As urgências sociais, no entanto, são muitas, até porque “muitas pessoas não têm emprego”. Este fator faz com que a preocupação pela pastoral social seja uma das “apostas” pastorais. “As Conferências Vicentinas, a assistência às famílias, a visita aos doentes e idosos, num bairro onde domina a terceira idade”, são uma prioridade para este pároco de 55 anos. Como parceira da paróquia, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa também está “bem presente” no bairro, onde oferece um conjunto de respostas, através das valências de creche, lar de idosos e posto médico. Contudo, o padre Pedro aponta a falta de uma valência para a família. “Para mães solteiras em risco, famílias monoparentais, acolhimento das mulheres numa fase pós ou pré-aborto… são coisas devemos abordar”, afirma.

 

Aposta

A aposta nos mais novos, crianças e jovens é, para este sacerdote, outra das prioridades, porque “são o futuro”. No Bairro da Boavista “há muitas crianças”. “A natalidade é muito elevada mas as pessoas não põem os filhos na catequese. Tudo por causa das famílias destruturadas, pelo trabalho e pelo estilo de vida”, lamenta o pároco. A “precariedade da família” é apontada como o motivo para o parco número de 40 crianças na catequese. “Está muito difícil”, assegura o sacerdote que se questiona, muitas vezes, sobre porque é que as pessoas “perderam o gosto” de ter os filhos na catequese. “Creio que houve uma ideia, que se espalhou, de que a catequese é uma coisa aborrecida. Para além disso, é causado por um problema educativo, é uma emergência educacional”, assegura.

Apesar da desmotivação dos mais novos, foi possível, há cinco anos, abrir um agrupamento de escuteiros, o 1368 do Bairro da Boavista, que assim se tornou num dos mais recentes agrupamentos da Diocese de Lisboa. “Está a fazer um ótimo trabalho no meio dos jovens. Não chega aos 60 escuteiros, mas é muito bom porque há muitos pais que sabem que o escutismo é uma mais-valia”, assegura o pároco que também se alegra pela criação recente de um grupo de jovens.

Além da aposta na pastoral social e nos mais novos, a “prioridade absoluta” é a família. “Temos que rever todo o esquema de preparação dos casamentos, assistência às famílias em dificuldade e preparações para o batismo, onde temos contacto direto com as famílias. Temos que procurar algumas soluções pastorais que nos ajudem a estar mais em contacto com as pessoas para não ser um mero rito formal, que depois não dará frutos”, explica o padre Pedro Fernandes Coutinho, que dá como exemplo algumas experiências já feitas na Vigararia Lisboa II e que deseja agora ver implementadas na paróquia do Bairro da Boavista, com “grupos de casais que, através de várias reuniões possam dar atenção às pessoas, fazendo-as conhecer a Igreja”. “O grande problema é que não temos equipas de casais, nem casais jovens por causa das famílias destruturadas. Há duas famílias jovens que frequentam regularmente a igreja mas, este mês, ainda não vi mais ninguém”, aponta o padre Pedro.

 

Recursos

Na sua missão, o pároco do Bairro da Boavista conta com o apoio de duas religiosas da mesma congregação. “Uma das irmãs ajuda na catequese de adultos, preparando-os para o Crisma e para o Batismo. A outra irmã ajuda na catequese e acompanha os ministros da comunhão”, conta o sacerdote. Durante a semana, alguns paroquianos fazem a visita aos idosos e levam a comunhão aos doentes. Os escassos recursos fazem com que a paróquia fique limitada de espaços. “Não temos infraestruturas, nem sequer para velar os defuntos e fazer comunidade. A nossa pobreza é uma pobreza material, de meios. Faltam-nos espaços para a catequese, por exemplo”, explica o sacerdote da Congregação do Sagrado Coração de Jesus.

As Missas, ao fim-de-semana, decorrem ao sábado, às 18h00, e ao Domingo, às 10h30. Durante a semana a Missa é à terça e quinta-feira, às 18h30. Há um grupo de catequese de adultos que se reúne à sexta-feira e existe também, no mesmo dia, um momento de adoração e terço. “No próximo ano vai ter lugar uma programação mais dedicada à religiosidade popular, com procissões de velas. Creio que isso pode chamar pessoas à Igreja, no sentido de recordar a nossa diferença e a das seitas porque a implantação das seitas e outras confissões, neste bairro, é enorme”, acautela o padre Pedro.

texto e fotos por Filipe Teixeira
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