Lisboa |
Alfredo Bruto da Costa (1938-2016)
Inquietado pelos pobres
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Um homem com uma constante “inquietação” pelos pobres, num percurso de vida “inteiramente cristão”. É desta forma que o Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, recorda Alfredo Bruto da Costa, antigo presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz que faleceu no passado dia 11 de novembro, aos 78 anos.

 

“A Boa Nova aos pobres era a sua inquietação constante”, salientou o Cardeal-Patriarca, na Missa exequial de Alfredo Bruto da Costa. Na igreja do Campo Grande, em Lisboa, no dia 12 de novembro, D. Manuel Clemente lembrou a constante “inquietação” do sociólogo pelos pobres, num percurso de vida “inteiramente cristão”, que confirma a possibilidade de acontecer, em cada tempo, o que em Cristo “começou a acontecer”. “Nos vários contactos que fui tendo com ele, nas várias instâncias eclesiais, o que sempre me surpreendeu, também quando o lia ou o ouvia, é que nunca saía daqui: o Espírito de Deus está sobre mim porque Ele me ungiu e me enviou a anunciar a Boa Nova aos pobres”, lembrou o Cardeal-Patriarca.

D. Manuel Clemente sublinhou ainda que Alfredo Bruto da Costa “nunca esmoreceu neste propósito” e insistiu na “concretização do sonho” da atenção constante aos pobres. “Esta insistência do Alfredo, ao longo de toda a sua vida e de toda a sua obra, fá-lo inteiramente cristão”, frisou.

 

“Um cristão do pós-concílio”

Ao longo de 40 anos, Alfredo Bruto da Costa colaborou com a paróquia do Campo Grande, em Lisboa, onde residia. Para o pároco, monsenhor Vítor Feytor Pinto, Bruto da Costa era um “cristão do pós-concílio”, que se deixou “apanhar pela beleza dessa renovação da Igreja, entendendo até ao fim qual era a responsabilidade dos cristãos”.

Na celebração exequial na igreja paroquial do Campo Grande, o sacerdote lembrou que o ex-presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz foi um “homem de fé e de serviço, de caridade”. “Alfredo Bruto da Costa somou o desafio da fé à intervenção marcada pela caridade, pela ação social junto dos mais pobres” e “deu a vida pelo serviço aos pobres, com uma intenção imensa de mudar a sociedade, no que passasse pela sua capacidade de intervenção”, lembrou.

Para monsenhor Vítor Feytor Pinto, o sociólogo sonhava com uma “sociedade em que todos fossem suficientemente iguais”, marcada pela “distribuição dos bens disponíveis” e pela “prática da justiça”. “Tinha um sentido de igualdade enorme”, apontou.

 

Dimensão social da evangelização

De 2008 a 2014, Alfredo Bruto da Costa foi presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP), organismo laical da Conferência Episcopal Portuguesa. O atual presidente da comissão, Pedro Vaz Patto, recorda ao Jornal VOZ DA VERDADE o seu antecessor como um leigo comprometido na ação social e política. “Recordo a sua dedicação constante e insistente à causa do combate à pobreza que viola a dignidade humana. Essa dedicação não foi algo de episódico, foi de toda a vida. O que o movia era apenas a fidelidade ao Evangelho. A sua intervenção cívica assumiu sempre a dimensão de um serviço desinteressado ao bem comum, sem buscar quaisquer vantagens ou prestígio pessoal. Como afirmou o padre Feytor Pinto no funeral do Prof. Bruto da Costa, a sua vida exprime bem a missão de um leigo comprometido na ação social e política, à luz do Concílio Vaticano II”, salienta.

O juiz Vaz Patto conheceu o sociólogo agora falecido quando foi nomeado vogal da Comissão Nacional Justiça e Paz, há cerca de dezassete anos, quando era seu presidente Armando Sales Luís – “também recentemente falecido e que recordo com saudade” – e Bruto da Costa era vice-presidente. Destaca, por isso, o trabalho conjunto realizado ao longo dos últimos anos. “Partilhámos todo o trabalho da Comissão Nacional Justiça e Paz, que é o de olhar a atualidade portuguesa e mundial à luz do Evangelho e da Doutrina Social da Igreja, contribuindo para a formação da opinião no âmbito da Igreja e da sociedade”, frisa.

Sobre o legado que Alfredo Bruto da Costa deixou na Comissão Nacional Justiça e Paz, Pedro Vaz Patto lembra a dedicação aos pobres, que eram o seu ‘próximo’. “O legado que deixou é, acima de tudo, o do seu exemplo de vida coerente e de empenho social que incarnou o amor preferencial pelos pobres que decorre do Evangelho. Esse amor levou-o a estudar e combater as causas estruturais da pobreza, sem nunca se conformar com elas. Mas não era um estudioso distante da realidade concreta. Os pobres eram o seu ‘próximo’. E o seu testemunho de vida sóbria era coerente com esse seu propósito”, salienta o juiz.

Pedro Vaz Patto frisa ainda o desafio da dimensão social da evangelização deixado por Alfredo Bruto da Costa: “No final do seu mandato, tocou-o particularmente o desafio lançado pelo Papa Francisco na ‘Evangelii Gaudium’ a respeito da dimensão social da evangelização. Convidou o cardeal Maradiaga a vir até nós falar-nos desse tema. E quis deixar um documento de resposta a esse desafio que eu considero um seu legado para nós, atuais membros da CNJP”.

 

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Perfil

Nascido em Margão, a segunda maior cidade do estado de Goa, na Índia, em 5 de agosto de 1938, Alfredo Bruto da Costa era licenciado em Engenharia, pelo Instituto Superior Técnico, e com um doutoramento em Ciências Sociais pela University of Bath, no Reino Unido, com a tese ‘O Paradoxo da Pobreza – Portugal, 1980-1989’, com equivalência ao Grau de Doutor em Sociologia, pela Universidade Nova de Lisboa.

Exerceu funções de docência universitária na Universidade Católica Portuguesa (UCP), no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) e no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) e Catedrático na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, nas áreas da pobreza e exclusão social, problemas sociais e política social.

Entre 1979 e 1980, foi Ministro da Coordenação Social e dos Assuntos Sociais, no Governo chefiado por Maria de Lurdes Pintassilgo, antes de ser eleito pela Assembleia da República como o terceiro presidente do Conselho Económico e Social, cargo que exerceu durante dois mandatos, entre 2003 e 2009. Foi o 203º provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, entre setembro de 1974 e janeiro de 1980.

De 2008 a 2014, Bruto da Costa foi presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, tendo promovido diversos estudos e investigações sobre o tema da pobreza em Portugal, assumindo-se sempre como uma voz em defesa da dignidade humana e da justiça social. Mais recentemente, entre setembro de 2014 e janeiro de 2016, foi Conselheiro de Estado.

Alfredo Bruto da Costa faleceu no passado dia 11 de novembro, na sua casa, em Lisboa, aos 78 anos, vítima de doença cancerígena.

 

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Presidente da República lamenta a morte de Alfredo Bruto da Costa

Foi com extremo pesar que o Presidente da República tomou conhecimento da morte de Alfredo Bruto da Costa, uma personalidade moral, cívica e social notável na coerência das suas ideias e da sua luta pela justiça, pela igualdade e pela solidariedade, testemunhando por atos e não apenas por palavras o vigor da sua Fé ao serviço dos mais pobres, dependentes e excluídos.

O Presidente da República apresenta as suas sentidas condolências à família.

Comunicado da Presidência da República

 

Em memória agradecida

Ao saber do falecimento do Eng.º Alfredo Bruto da Costa, quero exprimir um sentimento de pesar e de esperança pela sua eterna passagem para junto de Deus.

O Eng.º Bruto da Costa foi um homem de profunda humanidade, um homem de fé e de fidelidade à Igreja, um homem de causas, sobretudo as sociais, sempre na atenção a todos sem exceção, um homem que estudava e se comprometia para que fossem eliminadas da sociedade as situações de pobreza e suas causas.

Foi um homem com importantes tarefas governativas, com intensa participação na vida da sociedade, com fecunda inserção na vida da Igreja em Portugal, em particular como presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz durante seis anos.

Rezemos para que na sua plena comunhão em Deus seja nosso intercessor. Que o seu testemunho de vida como lutador pela dignidade do ser humano e pelo bem comum nos inspire a continuar a lutar por uma sociedade fundada na paz, cada vez mais justa e fraterna.

Manuel Barbosa, porta-voz da CEP

 

Uma vida de fidelidade ao Evangelho

O atuais membros da Comissão Nacional Justiça e Paz receberam com pesar a notícia do fim da vida terrena de Alfredo Bruto da Costa, o qual, entre muitos outros empenhos de serviço à Igreja e à sociedade portuguesa, dessa Comissão foi também membro e presidente.

Alfredo Bruto da Costa permanece para todos nós como modelo de dedicação sem limites às causas da justiça e da paz. Movia-o o amor preferencial pelos pobres que decorre da fidelidade ao Evangelho. Esse amor levou-o a estudar as causas estruturais da pobreza, com as quais nunca se conformou.

Estamos certos de que Deus o acolherá na sua Glória. Esta certeza reconforta-nos e dá-nos força para seguir o seu exemplo.

A Comissão Nacional Justiça e Paz

 

Gratidão pelo legado de Bruto da Costa

A Cáritas Portuguesa enaltece o cidadão e cristão, Professor Doutor Alfredo Bruto da Costa, que nos deixa um testemunho exemplar de coerência de vida, no que respeita aos valores que defendia e praticava.

A sua opção preferencial pelos pobres tomou maior dimensão pública e empenho decisivo, quando, em conjunto com a Professora Doutora Manuela Silva, realizaram o primeiro grande estudo da ‘Pobreza em Portugal’, logo seguido de igual análise, mas relativa à ‘Pobreza em Contexto Urbano’. A Cáritas teve a honrosa responsabilidade de editar estes dois trabalhos. A sua competência académica e a autoridade ética fê-lo ser, constantemente, solicitado para ocupar cargos públicos e eclesiais. Neles sempre pugnou pelo envolvimento de toda a sociedade e da Igreja, em particular, na erradicação da pobreza absoluta e de qualquer forma de exclusão social. (…)

Foi à nossa frente um amigo, um professor, um sonhador que nunca perdeu a esperança de viver num mundo sem pobreza. A melhor gratidão que a Cáritas lhe pode prestar e a todos seus familiares, que muitas vezes aceitaram ser privados da sua companhia para nos tornar humanamente mais ricos e a sociedade menos pobre, é dar continuidade ao seu legado.

O Presidente da Cáritas Portuguesa, Eugénio Fonseca

texto por Diogo Paiva Brandão; fotos do Arquivo e Presidência da República
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