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Guilherme d’Oliveira Martins
Alfredo Bruto da Costa – um exemplo
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Alfredo Bruto da Costa (1938-2016) era uma personalidade forte e determinada, inteligente e atenta, um militante social ativo, que não deixava indiferente quem o seguisse, o ouvisse e o estudasse. Longe dos lugares comuns, destacou-se por precisar o conceito de pobreza e por caracterizar e defender as políticas públicas necessárias para combater esse fenómeno complexo e terrível. A sua presença era uma constante nas iniciativas que visavam o combate pacífico pela justiça e pelo desenvolvimento. A sua ação em todos os serviços a que foi chamado foi sempre exemplar de coerência, em nome das pessoas – na Misericórdia de Lisboa, no Governo, na Universidade, no Conselho Económico e Social, na Comissão Justiça e Paz. Para ele o fenómeno da pobreza distinguia-se da privação e da exclusão social. Sempre nos disse que a pobreza é um grave problema político, a que importa dar atenção. A pobreza é uma situação de privação por falta de recursos, enquanto a privação em geral corresponde a não ter as necessidades básicas garantidas, por falta de recursos ou outra razão – desde a dependência de um vício ou de uma doença até à falta de capacidade para se administrar. Para cada um dos casos as soluções são muito diferentes. Na pobreza é preciso ajudar as pessoas a ter meios, na privação é indispensável apoiá-las a fim de que a gestão dos recursos seja melhor assegurada. A pobreza apenas se resolve com autonomia. É uma das formas de exclusão social, mas não a única, há outras – como o isolamento dos idosos, que podem ter recursos materiais, a discriminação social de imigrantes ou deficientes etc.. A pobreza é um flagelo que exige políticas económicas – que corrijam a repartição dos bens e as desigualdades. Muitas vezes pergunta-se se devemos crescer primeiro para distribuir depois ou se das várias maneiras de crescer devemos escolher a que assegura à partida uma melhor distribuição. Para Bruto da Costa, tem-se demonstrado que a primeira hipótese não acontece – há décadas que se espera pelo dia e a hora em que já crescemos o suficiente para distribuir. Como diz a Constituição Pastoral «Gaudium et Spes»: «Para satisfazer as exigências da justiça e da equidade devem fazer-se grandes esforços para que, dentro do respeito dos direitos da pessoa e da índole própria de cada povo, desapareçam, o mais depressa possível, as enormes desigualdades económicas unidas à discriminação individual e social, que ainda hoje existem e frequentemente se agravam» (nº 66). Os governos têm responsabilidades especiais, mas importa compreender que há resistências na economia e da sociedade que têm de ser superadas. Não basta, assim, uma lógica meramente assistencialista. Impõe-se que as políticas de desenvolvimento humano, de que fala a encíclica «Populorum Progressio», se traduzam não apenas em medidas visando reduzir a privação – o que já é positivo – mas em compreender que é a pobreza que tem de ser combatida. O mal não está no que se faz, mas no que fica por fazer…

 

A memória de Alfredo Bruto da Costa lembra uma obra, cuja tradução acaba de ser dada à estampa. Refiro-me a «Tudo é Graça – A Revolução de Dorothy Day», de Jim Forest (edições Paulinas, 2016). Trata-se do relato sobre a vida apaixonante da ativista norte-americana, nascida em 1897 e falecida em 1980. O Papa Francisco refere-se-lhe como exemplo de «ativismo social e paixão pela justiça e pela causa dos oprimidos», sob a inspiração do Evangelho, da fé e da vida dos santos. Como Simone Weil, Dorothy Day teve uma vida espiritual intensa, que (no seu caso) culminou na conversão ao catolicismo e na «imitação de Cristo». A biografia segue o percurso pessoal de Dorothy Day, dominado pela solidariedade com os mais pobres e explorados – constituindo-se em corolário de uma progressiva aproximação de uma vivência mística e da entrega às causas do cuidado dos outros e da justiça prosseguida ativamente através do amor cristão. Na década de trinta, vemo-la fundar com o Padre Peter Maurin o Movimento Operário Católico a que se segue a militância em torno da assistência médica e materno-infantil para os pobres. Nas páginas do jornal «The Catholic Worker» vai realizar uma intervenção pedagógica de cidadania social, perante as consequências dramáticas da crise dos anos trinta. O jornal atingirá uma tiragem de 185 mil exemplares e contribuirá decisivamente para reforçar e consolidar os movimentos cooperativos e mutualistas. A leitura desta obra é um belo contraponto positivo relativamente à memória de Alfredo Bruto da Costa, para quem a dignidade humana era a prioridade fundamental de um programa de justiça, paz e desenvolvimento humano.