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Pe. Alexandre Palma
Misericórdia: e agora?
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Em 2000, tivemos o «Grande Jubileu», precedido por um triénio temático de preparação. Em 2002-03, tivemos o «Ano do Rosário». Em 2004-05, tivemos o «Ano da Eucaristia». Em 2008-09, tivemos o «Ano Paulino». Em 2009-10, tivemos o «Ano Sacerdotal». Em 2012-13, tivemos o «Ano da Fé». Em 2014-16, tivemos o «Ano da Vida Consagrada». Em 2015-16, tivemos, finalmente, o «Jubileu da Misericórdia», que agora encerrou. Para lá destes anos, propostos à Igreja universal, haveria ainda que acrescentar os anos temáticos celebrados ao nível local. Este sumário elenco, contudo, deveria fazer-nos pensar. Que ficou destes anos naquilo que deles passou? Não escondo que, por vezes, fico com a desconfortável impressão de uma certa saturação temática na agenda e discurso eclesiais. Como se se quisesse assim, com esta insistência em temas, contrariar a sensação de algo se vai perdendo. A bondade da intenção, porém, nem sempre parece ser acompanhada pela fecundidade e durabilidade dos seus efeitos. E estes efeitos podem mesmo, em certos casos, ser paradoxais. Por um lado, a voragem deste calendário temático acaba por desvalorizar os temas que procurara promover. Por outro, tal sobreposição de temas dificilmente não deixará no auditório uma certa sensação de ruído. Daí, então, a razão de ser da pergunta: misericórdia, e agora?

E agora? Agora importa reconhecer que, com esta insistência na misericórdia de Deus, se iniciou um processo que não está concluído. Se algo se fez, muito continua ainda por ser feito. A nível do aprofundamento da fé, faltará levar até às últimas consequências o reconhecimento de que esse é um traço singular do Deus de Jesus Cristo e, portanto, também dos seus filhos e discípulos. Onde nos levará pensar em Deus como misericórdia, até ao fim e com todas as suas consequências? Onde nos levará reler o Evangelho como revelação da misericórdia, até ao fim e com todas as suas consequências? Onde nos levará a prioridade da misericórdia na vida e testemunho eclesiais, até ao fim e com todas as suas consequências? Agora, falta ainda assumir a misericórdia como chave-de-leitura e critério do pensar e viver cristãos. Agora, falta fazer da Igreja, sempre e cada vez mais, morada e comunidade de misericórdia. Agora, falta saber se é com esse rosto evangélico que ela se quer apresentar e estar no mundo.

Mas podemos mais e ir mais longe. Porque a pertinência do tema e a tomada de posição que ele requer não se ficam pela esfera eclesial, mas alargam-se ao todo da sociedade. Cabe ainda pensar o agora da misericórdia nas relações sociais. E agora? Agora há que socializar a misericórdia, ou seja, dar-lhe forma efetiva nas nossas sociedades. Sim, porque esta atitude tem um alcance não apenas pessoal, mas também social; não apenas individual, mas também comunitário; não apenas espiritual, mas também político. Agora, precisamos de melhores traduções sociais da misericórdia.

Para lá deste ano, o que permanece? Permanece a própria misericórdia. Permanece como algo a pensar, a propor e, acima de tudo mais, a viver. E agora? Responde o Papa Francisco: «é tempo de olhar para diante e compreender como se pode continuar, com fidelidade, alegria e entusiasmo, a experimentar a riqueza da misericórdia divina. […] Não limitemos sua ação [da força renovadora da misericórdia]; não entristeçamos o Espírito que indica sempre novas sendas a percorrer para levar a todos o Evangelho da salvação» (Misericordia et misera, 5).