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Pe. Alexandre Palma
Estilo cristão
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Por seis vezes, na Constituição sinodal de Lisboa, se recorre à categoria de estilo. Nessas tantas vezes apela-se a um «estilo eclesial» evangelizador (n. 3), a um «estilo cristão» (n. 22), a um «estilo evangélico de agir» (n. 54), a um «estilo sacerdotal» assente na comunhão e na missão e, ainda, a um «estilo maternal» na evangelização (n. 69). Tudo isto cumulado, a concluir, pela opção de se assumir um «estilo sinodal de viver e decidir em Igreja» (n. 70). Só estranhará esta recorrência quem não tiver atendido à forma como esta mesma noção se encontra disseminada pela exortação do Papa Francisco «A Alegria do Evangelho – Evangelii Gaudium». Bem sei que os números não dizem tudo, mas já agora prossigo com a contabilidade: estilo surge aí vinte e três vezes (mesmo se nem sempre usado para descrever situações positivas). Verifico, com efeito, a partir destes e doutros exemplos, uma progressiva e crescente receção, em pronunciamentos do magistério eclesial, desta categoria que, há muito, vem sendo trabalhada noutros âmbitos teológicos. No campo católico, talvez tenha sido o insuspeito teólogo suíço Hans Urs von Balthasar a dar a este termo efetivo estatuto teológico. Mais recentemente, o tema teve na obra e pensamento do jesuíta Christoph Theobald ulteriores aprofundamentos.

Que se quer, então, dizer com estilo? Distanciando-se um pouco do seu sentido comum (onde o termo pode exprimir qualquer coisa de aparente e exterior), com estilo, em teologia, diz-se «uma forma de habitar o mundo». A definição é do próprio Chr. Theobald, apoiando-se no pensamento do filósofo Maurice Merleau-Ponty. Não se trata, portanto, de algo meramente cosmético, mas que implica todo o nosso ser e viver.

Porquê, então, o uso de estilo? Desde logo, o seu uso decorre de um dado de facto e de contexto: o mundo de hoje é habitado de vários modos. Além disso, ao contrário do que terá sucedido noutras épocas, o cristianismo não é mais o único grande referencial configurador destes diversos estilos de vida. Daí a conveniência de, também por via das palavras que usamos, reconhecer esta pluralidade e de assinalar o que é próprio da vida vivida segundo o Evangelho. Mas, para lá disso, a noção de estilo parece mais capaz de «honrar o conjunto da vida cristã» (Chr. Theobald). A proposta cristã quer, de facto, tocar todas as facetas da existência humana. Daí que a adesão, vivência e testemunho do Evangelho tenham uma dimensão doutrinal, mas não se possam reduzir a ela; tenham uma dimensão ritual, mas não se possam reduzir a ela; tenham uma dimensão moral, mas não se possam reduzir a ela. Com estilo procura reunir-se tudo isto (e muito mais) numa única expressão, dando assim rosto de palavra à abrangência da proposta evangélica.

Não quero aqui canonizar a noção teológica de estilo. Muito menos quero condicionar o sentido que ela tem no texto da Constituição sinodal. Antes desta expressão houve outras e, depois dela, outras se lhe sucederão. Quero, sim, trazer para o exercício de leitura prática da reflexão sinodal – que agora se impõe – a memória deste seu historial teológico. E, se não for pedir demais, ajudar ainda a superar as perplexidades e resistências que esta expressão possa despertar. Não para defender o trabalho dos teólogos, mas para que, em Igreja, se procurem e encontrem modos cristãos de habitar o mundo de hoje.