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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Parti. Fui. Sou.
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Qual o principal inimigo da evangelização? Talvez a inércia, a recusa de partir, mesmo quando a missão que nos aguarda e chama está, afinal, tão perto de nós. Às vezes, a rotina prende-nos de tal forma que é preciso um esforço hercúleo para sacudir esse torpor e partir.


Parti. Graças à solícita insistência do Senhor Patriarca e ao amável convite do Pedro de Castro, fui ao Tivoli assistir ao musical “Partimos. Vamos. Somos.”, comemorativo dos trezentos anos do patriarcado de Lisboa. Na véspera, tinha sido a vez de um numeroso grupo de docentes e discentes da Escola profissional Val do Rio, de que sou capelão. Infelizmente, por compromissos pastorais inadiáveis, não os pude acompanhar nesse dia, mas fui no seguinte, com grande satisfação pessoal e proveito espiritual.

 

Fui. O texto do padre Hugo Gonçalves e a encenação de Matilde Trocado, que já conhecia do Wojtyla e do Calcutá, são à partida garantia de excelência literária e cénica: a expectativa, embora elevada, foi generosamente cumprida. Quando, no fim da representação, várias vezes interrompida por aplausos espontâneos, me levantei para o fazer, constatei que quase todos se tinham erguido também e aplaudiam com entusiasmo. Foi uma ovação demorada e comovida. Sobretudo grata, porque os textos e as músicas a todos nos envolveram e tocaram, não como um espectáculo a que passivamente se assiste, mas como uma realidade transcendente a que pertencemos: a nossa Igreja. Afinal, aquela não era uma história qualquer, nem mais uma epopeia, mas a história da minha fé no país que é o meu e na minha cidade. A história de cada um de nós, a minha história. A história da Igreja que somos.


Sou. Que me desculpem a imodéstia mas, de início, pensei que aquele musical poderia ser excelente, mas para os outros: para a evangelização dos jovens, para a catequização dos adultos, para a propagação da fé entre os gentios e os pagãos. E é, sem a menor dúvida. Mas, que surpresa a minha quando, já lá, percebi que, afinal, era eu que estava a ser evangelizado e catequizado!

 

Somos nós cristãos – padres, religiosos e leigos – que precisamos urgentemente de ser evangelizados e catequizados, ou seja, preparados para a missão. Porque a evangelização não foi feita quando o mundo estava preparado para acolher os missionários, mas quando os missionários estavam preparados para acolher, na sua mente e coração, a missão. O resto é obra e graça do Espírito Santo. Como nos tempos apostólicos. Como sempre foi e será.

 

Partimos. Vamos. Somos. Um musical? Decerto, mas sobretudo uma experiência de fé eclesial que, de algum modo, actualiza a Boa Nova nas nossas mentes e corações para que, seguindo o Papa Francisco e os nossos bispos, saibamos testemunhar, com obras e de verdade, a beleza e a ternura de Deus, no esteio de Santo António de Lisboa, do Beato Gonçalo de Lagos, de São Nuno Álvares Pereira, do Beato Bartolomeu dos Mártires, de São Francisco Xavier, de São João de Brito e de tantas outras glórias da Igreja de Portugal e também do patriarcado de Lisboa, porque de cá eram naturais, por cá passaram em algum momento da sua vida, ou de cá partiram para a missão.   

 

Na Igreja que somos, por onde quer que vamos, havemos de cumprir a missão que nos foi dada no nosso baptismo e confirmação, e partimos… Como dizia o poeta António Machado: “caminhante, não há caminho, o caminho faz-se ao andar!”.