Os Padres Capuchinhos e as Missionárias da Caridade estiveram na mira das armas de milícias rebeldes em Bocaranga. Durante quatro longas horas, a cidade transformou-se quase num campo de batalha, com tiros e explosões por toda a parte, com bandos de homens à solta, matando, ferindo, pilhando. No final, 18 pessoas jaziam nas ruas. Mortas a tiro ou degoladas.
Todos sabiam que os dias de paz eram efémeros, estavam condenados, ali, em Bocaranga, como aliás em praticamente todos os lugares na República Centro-Africana. A paz estava em suspenso apenas até ao instante em que as armas voltassem a disparar deixando as ruas manchadas de sangue e carregadas outra vez com o cheiro da pólvora, do medo e da morte. A paz era apenas um intervalo. Dia 2 de Fevereiro. A noite ainda cobria a cidade quando se escutaram os primeiros tiros, os primeiros gritos. O Padre Robert, da missão dos Capuchinhos, lembra-se bem de como tudo começou. Ele escreveu-nos uma carta a contar tudo. Faltavam apenas 15 minutos para as seis horas da manhã, quando tanto os Padres Capuchinhos como as Missionárias da Caridade se encaminhavam, como de costume, para a igreja, situada mesmo ao lado das suas missões, quando a noite se sobressaltou com o primeiro tiro. Era o sinal. Passado pouco tempo, a cidade foi abalada por detonações muito fortes. “As pessoas começaram a fugir, o pânico era generalizado”, recorda o Padre Robert. Pelas ruas, com total impunidade, passavam homens armados, cerca de seis dezenas, alguns com metralhadoras pesadas. Quase duas centenas de pessoas correram a abrigar-se na casa das irmãs. Os tiros continuavam a ouvir-se, como se fossem relâmpagos numa tempestade terrível. Diz o padre: “Foram quatro horas de apocalipse.”
Medo do outro
Este “apocalipse” de que fala o Padre Robert teve início em Dezembro de 2012, quando grupos muçulmanos, os “séléka”, afastaram do poder o presidente François Bozizé e iniciaram uma campanha de ódio étnico e religioso que atingiu com particular brutalidade a comunidade cristã. Algum tempo depois, em resposta a essa onda de violência, surgiram as milícias “anti-balaka”, grupos de defesa contra os “séléka”. Desde então, o país está mergulhado numa guerra terrível que nem as forças de paz da ONU têm conseguido suster. Os números são trágicos. Milhares já perderam a vida, calcula-se que haverá mais de 700 mil deslocados internos e quase 300 mil refugiados em países da região. Em Novembro de 2015, o Papa Francisco fez questão de ir à República Centro-Africana numa viagem em que fez história ao abrir, pela primeira vez, a Porta Santa de um Jubileu fora de Roma, e que o levou também ao Quénia e Uganda. Chegou a ser recomendado ao Santo Padre que não visitasse a República Centro-Africana por ser demasiado perigoso. Mas ele foi. E falou tanto a muçulmanos como a cristãos. Pediu a todos que rejeitassem o “medo do outro”, que está na origem da violência cega, mesmo selvagem, que se abateu sobre este país. “É preciso evitar a tentação do medo do outro, daquele que não pertence à nossa etnia, às nossas opções políticas ou à nossa confissão religiosa.”
O assalto
Dia 2 de Fevereiro. Com as ruas tomadas pelos homens armados, havia o receio de que nem a missão dos padres capuchinhos nem a casa das irmãs fossem poupadas. E não foram. Os rebeldes forçaram as portas da missão, onde estavam abrigadas mais de vinte pessoas. Imagine-se o medo. “Felizmente”, como disse o Padre Robert, “eles vieram apenas para roubar, para levarem tudo o que pudessem”. Felizmente. Roubaram computadores, dinheiro e uma moto. Ao lado, na casa das Missionárias da Caridade, estavam já umas duas centenas de pessoas. Rezavam. Nada mais podiam fazer. Quando os bandidos armados se foram embora, levando o saque dos assaltos, ficou uma cidade paralisada pelo medo e 18 cadáveres nas ruas. Foram mortos a tiro ou degolados. “O objectivo dos bandidos – escreve o Padre Robert – era a destruição da cidade. Incendiaram mais de 35 lojas, muitas casas, autocarros…”
A verdadeira paz
4 de Fevereiro. Dois dias depois do ataque em Bocaranga, a Irmã Eliane, das Missionárias da Caridade, também escrevia à Fundação AIS. “Há rumores de que as milícias se preparam para voltar... Estamos novamente cheias de ansiedade. Os bairros estão vazios, há um enorme êxodo. Vemos mulheres que fogem com as panelas em cima das suas cabeças, homens que carregam colchões, crianças que acompanham os pais, todos em fuga, todos a caminho da floresta, onde esperam estar mais seguros. As pessoas tentam salvar o pouco que têm… Como tudo isto é triste!” A ajuda às comunidades religiosas na República Centro-Africana é uma das prioridades da Fundação AIS. O Padre Robert sabe que pode contar sempre com a ajuda dos benfeitores e amigos da AIS. Ali, em Bocaranga, está praticamente de mãos vazias e tem tantas pessoas para ajudar... Tanto ele como a Irmã Eliane pedem as nossas orações. “Rezemos sobretudo por este povo tão martirizado e também pelos malfeitores. Que todos descubram o sentido da verdadeira paz!” Vamos ajudá-los?
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