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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
A corrida da Páscoa
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A notícia explodiu como uma bomba:

- “O Senhor foi levado do túmulo e não sabemos onde o puseram!”

Pedro e João não podiam acreditar, porque os romanos, instigados pelos fariseus, tinham deixado guardas junto ao sepulcro, precisamente para que ninguém roubasse o corpo morto do Senhor e depois dissesse que tinha ressuscitado, como Ele prometeu que aconteceria ao terceiro dia.

Provavelmente, os dois apóstolos pensaram que Maria Madalena, que os surpreendera com aquela notícia, tinha-se enganado: por ser muito cedo, “ainda escuro”, talvez tivesse tomado pelo santo sepulcro outra sepultura qualquer. De todos os modos, a notícia era suficientemente grave para que Pedro e João se dirigissem, de imediato, ao local. Foi o que fizeram.

João, filho de Zebedeu e irmão de Tiago, narra com pormenor esta ida de ambos ao sepulcro, na manhã da Páscoa da ressurreição do Senhor: “Pedro saiu com o outro discípulo” – ele próprio, João – “e foram ao túmulo. Corriam os dois juntos, mas o outro discípulo correu mais do que Pedro e chegou primeiro ao túmulo”.

É divertida a aparente gabarolice de João, ao fazer constar que foi ele que ganhou aquela corrida! O mérito não era muito, tendo em conta que Pedro seria mais velho e, por isso, não teria facilidade em acompanhar o passo estugado do discípulo adolescente que, como ele faz questão de registar, “correu mais do que Pedro e chegou primeiro ao túmulo”. Ter-lhe-ia ficado bem uma atitude mais discreta e humilde...

Que fez o evangelista quando chegou ao sepulcro? “Inclinou-se para observar e reparou que os panos de linho estavam espalmados no chão, mas não entrou.” Que estranho!? Se já lá estava, porque não entrou?! A pedra que impedia a entrada tinha sido arredada e, portanto, nada impedia o acesso ao interior do túmulo. Então, por que razão se limitou a espreitar para dentro do sepulcro, mas sem entrar?!

A resposta é óbvia: João quis dar a primazia a Pedro! Com efeito, foi só depois de Simão ter chegado e penetrado no sepulcro, que “entrou também o outro discípulo, o que tinha chegado primeiro ao túmulo”.

A posteriori, faz todo o sentido esta deferência com Pedro, mas não na altura. João era o discípulo que o Senhor amava, como sempre se identifica a si próprio no seu Evangelho, aquele que reclinara a sua cabeça sobre o coração de Jesus na última ceia, a quem o Mestre tinha revelado o nome do apóstolo traidor, o único que estivera junto à Cruz e, nesse momento, recebera Maria como sua e nossa Mãe. É verdade que Pedro fora constituído chefe da Igreja mas, entretanto, não só se mantivera ausente como negara, por três vezes, o Senhor, como Jesus profetizara. Portanto João, à conta da infidelidade de Pedro, tinha bons motivos para supor que a primazia de Pedro talvez já tivesse sido revogada e, portanto, não tinha porque lhe dar a prioridade na entrada do sepulcro…

Que grande lição de fé no Senhor e de amor ao Papa nos deu, com esta sua atitude, o discípulo que o Senhor amava! Ele, que em tempos pedira, por intermédio de sua mãe, para si mesmo e seu irmão, os principais lugares no reino dos Céus, agora nem sequer se atreve a entrar no sepulcro antes de Pedro! Ele, que ao contrário de Simão, se mantivera fiel ao Mestre e estivera junto da Cruz de Jesus, enquanto Pedro O negava por três vezes, não ousa julgar Simão, nem antecipar-se-lhe por uns breves instantes! Ele, que tinha tantas razões para se achar superior a Pedro, preferiu um lugar inferior, para dar a primazia ao apóstolo que negou três vezes o Senhor!

Não se pode ser bom cristão sem ser fiel ao Santo Padre, quem quer que seja ou faça. Ao discípulo de Jesus não compete julgar o vigário de Cristo, nem ajuizar o seu magistério, mas segui-lo com fidelidade e obedecer-lhe com filial reverência. Foi o que fizeram João e todos os cristãos que, ao longo dos dois mil anos da história da Igreja, são, pelo seu amor e obediência ao Papa, outros tantos discípulos predilectos do Senhor.