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António Bagão Félix
E depois do depois da tragédia?
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Perante a tragédia: o sentimento, o respeito, a solidariedade e o silêncio das palavras. Como também o reconhecimento de um trabalho e bravura levados aos limites por populações heróicas e por todos quantos têm lutado em diferentes áreas de actuação.

Perante a tragédia: a unidade, coisa rara no Portugal destes tempos, sempre envolto em quezílias de terceira ordem e em paroquialismos elevados à categoria de causas de primeiro grau. Órgãos de soberania, partidos, forças sociais, autarquias, instituições solidárias e de voluntariado, movimentos da Igreja, instituições públicas, instâncias europeias, todos do mesmo lado.

Perante a morte, percebemos, mais crua e cruelmente, a poeira das coisas elevadas à potência da vacuidade e da ligeireza. Como alcançamos, com mais nitidez, a importância gregária das famílias e das instituições de proximidade.

Não tenho conhecimento suficiente para diagnosticar as causas para estes dramas e tragédias, para além daquilo que nos deve impor o senso comum. Todavia, entre as lições que deveremos aprofundar estarão, seguramente, duas. A primeira, a de que depois das palavras e intenções que sempre e naturalmente se escutam nestes dias de morte e destruição, anunciando propósitos nem sempre concretizados e produzindo leis que se revelam estéreis, haja determinação inequívoca para prevenir no ordenamento do território, na florestação e sua adequada manutenção, na vigilância e detecção, na redução da monocultura arbórea, na administração da justiça, o que a sensatez e a prudência exigem. A segunda, consequência, aliás, da primeira, é a de criar as condições que façam diminuir o risco destas situações, como uma prioridade das prioridades. Bem sabemos que, política e localmente, este tipo de operações e infra-estruturas não são espectaculares, às vezes são quase invisíveis e silenciosas aos olhos das gentes e dos meios de comunicação social. Contudo, constituem os mais nobres investimentos para a promoção da dignidade, centralidade e bem-estar de pessoas e de zonas do país tantas vezes esquecidas (a não ser nas tragédias).

Diante da morte trágica e da destruição de casas e haveres somos sempre afectuosos. Depois, a consciência volta a jazer no frenesim do dia seguinte. À espera de mais vida, nem sempre melhor vida. Com o tempo, a memória selectiva e utilitarista da sociedade transforma estes graves acontecimentos em efemérides e homenagens, sem dúvida justas e sensíveis. Mas bom será que se tirem também lições para o futuro, até geracionais, para que, além das efemérides, haja uma verdadeira mudança.

Uma última nota, em parte tecnocrática, tenho disso consciência. Relaciona-se com a economia e a noção de riqueza medida pelo omnipresente PIB. É que este só “soma” o que se produz, o que se investe, o que se compra e vende, o que se consome. E onde cabe, no cálculo, aquilo que se destrói ou danifica? A floresta, os recursos naturais, a água, etc.? Bastaria esta operação de subtracção aritmética para, politica e institucionalmente, se olhar para este lado da questão com outros olhos e maior escrutínio. Irónica e brutalmente, nestes dias, em Pedrógão Grande, o seu contributo para o PIB aumentou.

Não nos esqueçamos nunca do que verdadeiramente importa: nós. Pessoas, não apenas indivíduos. Porque as mortes choradas contam-se, mas não se contabilizam, nem são agregados técnicos.  Dramaticamente, percebemos agora melhor a diferença entre a quantidade estatística do crescimento e a exigência qualitativa e humanista do desenvolvimento. E é neste que deveremos sempre apostar. Como disse Bento XVI na Caritas in Veritate, precisamos de “ser mais e melhor” e não apenas nos orientarmos para “o incremento do ter”.

Em nome da pan-obsessão de um qualquer 0,1% de um outro qualquer índice, quantos assuntos menores têm passado à frente dos que se relacionam com a prevenção destas tragédias?

Tudo está dito e redito. Hoje choramos, amanhã desconsideramos, depois adiamos. A magnitude desta tragédia exige, de uma vez por todas, um absoluto “BASTA!”

(texto escrito segundo grafia anterior ao AO, por opção do autor)