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Henrique Joaquim
“Entre a dádiva e a estrutura – a VIDA”
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Nas últimas horas temos sido lembrados que passou um mês sobre a tragédia vivida em Pedrógão e sentida em todo o país!

Temos ouvido e visto pessoas que, com dignidade e muita resiliência, procuram voltar a erguer-se e a Viver. Com muito sofrimento, muita dificuldade, mas com esperança.

Temos visto de forma triste o processo como figuras públicas, designadamente responsáveis políticos se têm “digladiado” (politicamente falando) ainda que a pretexto da defesa das pessoas atingidas por tamanha catástrofe.

Pare efeitos desta reflexão não me vou centrar na dimensão das responsabilidades públicas e políticas porque nessas há já opinadores mais que suficientes e pessoalmente não me sinto habilitado para tal. Deixo apenas uma questão: o que é de facto estar ao serviço do bem comum e da causa pública?

Gostaria, no entanto, de destacar um outro aspecto também muito falado por boas e más razões. Se muitas coisas falharam (e embora muito haja para apurar tudo indica que sim) houve algo que mais uma vez não falhou: a solidariedade assente na generosidade e na bondade das pessoas. Foi impressionante mais uma vez o movimento espontâneo, e de tal forma grande e intenso, que levou a que se pedisse para não serem enviados mais bens. Das pessoas anónimas, às empresas, às organizações de ação social, aos artistas, a mobilização foi, mais uma vez, genuinamente generosa, solidária e verdadeiramente portuguesa.

O volume e a grandiosidade da dádiva foi de tal ordem que se transformou num enorme desafio, o de fazer chegar os apoios rapidamente a quem deles necessita. Infelizmente, o que surgiu como um bom problema está a transformar-se num mau problema numa dupla dimensão.

Em primeiro lugar porque julgo ser imoral que, apesar das várias toneladas bens e de milhões de euros doados, haja pessoas em situação de extrema necessidade. Apesar do esforço feito é doloroso ver roupa e bens alimentares acumulados e ouvir que há pessoas que delas necessitam. Mas mais incompreensível é escutar a disputa de donativos por parte de responsáveis políticos.

A dádiva tem de gerar e não limitar a vida. Os bens doados, têm que ser utilizados no imediato. Claro que é necessário haver alguma organização mas não é aceitável que esta, a organização, se sobreponha às necessidades.

Em segundo lugar é necessário realçar que se por um lado está em causa a satisfação das necessidades básicas por outro há ainda um efeito futuro. As dádivas foram feitas numa resposta imediata e espontânea para procurar minimizar o sofrimento das pessoas. Partem de uma expectativa de confiança de que as pessoas que delas necessitam as vão receber e com isso suprir algumas das suas necessidades. Impedir que isto aconteça não é neutro. É gerar a desconfiança e descrença em dádivas futuras gerando a consequente deseducação para o serviço ao outro e limitação do desenvolver em cada um de nós a atitude de bondade interior que nos leva a ser solidários.

É fundamental compreender a dádiva e os dons precisam de ser minimamente organizados mas, acima de tudo, não podemos esquecer que entre a dádiva e a estrutura há Vidas. As vidas das pessoas em situação de extramente necessidade e de todos nós que seremos tanto mais pessoas quanto mais formos capazes de no doar e isso não é possível sem confiança e sem esperança.