Lisboa |
D. António Francisco dos Santos (1948-2017)
“Só pela bondade aprenderemos a fazer do poder um serviço”
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A “bondade” e a capacidade de “ir, estar e encontrar-se com todos”, “sobretudo com os mais frágeis” são alguns dos traços recordados por quem conheceu o Bispo do Porto, D. António Francisco dos Santos. Aos 69 anos, um ‘ataque cardíaco fulminante’ parou o coração de quem “quis colocar-nos a todos no coração de Deus”.

“Não trago comigo planos prévios ou antecipados programas de ação. Eles surgirão à medida do sonho de Deus e da sua vontade divina para esta Igreja.” Assim se apresentou D. António Francisco dos Santos à sua “amada” diocese do Porto, durante a sua entrada solene, em fevereiro de 2014. A aparente ‘falta de planos’ revelou-se uma enorme disponibilidade para receber os sinais d’Aquele a quem se dispôs durante toda a sua vida. Na mesma homilia vincou o odor das ovelhas – como lhe pediu o Papa Francisco – mas também se fez voz - e persistente - dos que “não podem esperar”: os pobres. “Sejamos ousados, criativos e decididos sempre mas sobretudo quando e onde estiverem em causa os frágeis, os pobres e os que sofrem”, sublinhou o Bispo do Porto que faleceu, no passado dia 11 de setembro, aos 69 anos.

 

Sem medo

Quem o conhecia, destaca a bondade e o seu empenho na denúncia das desigualdades sociais e económicas. Aliás, no mesmo momento, afirmou que da bondade “não devemos ter medo”. “Só pela bondade aprenderemos a fazer do poder um serviço, da autoridade uma proximidade e do ministério uma paixão pela missão de anunciar a alegria do evangelho. O evangelho é tudo o que temos e somos”, sublinhou. Pelas inúmeras reações, a expressão “era um homem bom” não é mais um ‘lugar-comum’ quando se fala de D. António Francisco dos Santos.

Nasceu em Tendais, no concelho de Cinfães, Diocese de Lamego, no dia 29 de agosto de 1948. Contrariou a vontade da sua família para ser advogado e formou-se em Teologia no Seminário Maior de Lamego, onde viria a ter como professor o atual Bispo de Vila Real, D. Amândio Tomás que o recorda como “um homem de uma inteligência rara, um homem mesmo bom, que tratou da mãe durante tantos anos, até ela falecer”.

Foi ordenado sacerdote a 8 de dezembro de 1972, na Catedral de Lamego. Pouco tempo depois foi estudar Sociologia Religiosa e Filosofia, em Paris, cidade onde trabalhou na paróquia de São João Baptista de Neuilly-Sur-Seine e ficou responsável pela pastoral da comunidade portuguesa emigrante.

Regressou a Portugal em 1979 e assumiu, ao longo dos anos, várias missões na sua diocese de origem. Foi membro da equipa formadora do Seminário Maior de Lamego, com as funções de professor, secretário, ecónomo e vice-reitor, entre 1986 e 1991. Nesse mesmo ano foi nomeado cónego capitular da Sé de Lamego e, após um ano, chefe de redação do jornal diocesano ‘Voz de Lamego’.

D. António Francisco “completamente na mão de Deus, ao dispor de Deus, ao sabor de Deus” – como o recorda o Bispo de Lamego, D. António Couto – deixou-se levar pelos planos de quem já o tinha predestinado para mais uma missão. Desta vez, o Papa João Paulo II, em 2004, nomeou-o Bispo Auxiliar de Braga e a 21 de setembro de 2006 recebeu, de Bento XVI, o mandato de governar a diocese de Aveiro, onde permaneceu durante 8 anos, até 2014 - ano em que o Papa Francisco lhe pediu para suceder a D. Manuel Clemente enquanto Bispo do Porto.

Da cidade de que dizia ser “alma, vida e gente" guardava o gosto por contactar e ouvir as pessoas, mas também uma paixão pelo Futebol Clube do Porto, de quem o atual presidente, Jorge Nuno Pinto da Costa, diz ter perdido “um grande amigo”, mas garante: “o mundo ganhou um Santo”.

 

“Mais ação e melhor ação”

Na Conferência Episcopal Portuguesa D. António era, atualmente, o presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana. A missão teve certamente o cunho da experiência acumulada da saída, ao encontro dos “mais frágeis”. Para o Bispo Auxiliar de Lisboa, D. José Traquina, a convivência com D. António, durante os últimos três anos, fruto das “diversas reuniões e atividades” da Conferência Episcopal, serviu para “confirmar tudo o que já conhecia” do Bispo do Porto, desde 1984, através dos encontros de formadores dos seminários. “Um Bispo próximo, atento, profundo, cheio de bondade e sabedoria, atento aos colegas e a toda a realidade da Igreja”, lembra o Bispo Auxiliar de Lisboa.

Numa entrevista à Rádio Renascença, o Bispo do Porto desafiou os cristãos a “exercitar, na experiência diária” da vida, aquilo em que acreditam. “Mais ação e sobretudo melhor ação”. O apelo encontrou forma na vida de D. António Francisco e dos fracos rezou toda a sua história, como foi demonstrado através do exemplo de convidar um sem-abrigo para passar a ceia de Natal ou, a cada Domingo, a demora para cumprimentar, abraçar, abençoar cada um dos fiéis no final da Missa.

No passado sábado, 9 de setembro, no Santuário de Fátima, durante a peregrinação jubilar da diocese do Porto, D. António dos Santos, garantiu, em entrevista à Angelus TV, ter “um coração exultante de alegria pela capacidade de mobilização que a Diocese teve”, ao rumarem àquele santuário mais de 50 mil diocesanos. Por entre a contagem do número de padres, paróquias, vigararias, lá estava a referência aos doentes e a 50 sem-abrigo que integraram a peregrinação. “Isso deve-se muito ao entusiasmo, ao dinamismo e alegria dos sacerdotes que conseguiram mobilizar as suas comunidades (...) desta grande, maravilhosa e amada diocese do Porto”, acrescentou. Segundo D. António Francisco dos Santos, aquele momento, com a consagração a Nossa Senhora de Fátima, pretendeu marcar “uma nova etapa de renovação pastoral” na sua diocese.

Na manhã do dia 11 de setembro de 2017, na Casa Episcopal do Porto, onde residia, o coração de quem “quis colocar-nos a todos no coração de Deus” – como escreveu o padre Américo Aguiar, presidente do Conselho de Gerência da Rádio Renascença – causou-lhe a partida inesperada. O seu lema episcopal In manus Tuas (Nas Tuas mãos) ganhou pleno cumprimento. D. António Francisco dos Santos está agora no coração de quem sempre desejou e com quem sempre viveu.

 

 

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"Uma grande perda para a Igreja,

que Deus colmatará na sua misericórdia"

 

O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. Manuel Clemente, encarou a morte de D. António Francisco dos Santos, "com uma imensa pena" e como "uma grande perda para a igreja em Portugal, que Deus colmatará na sua misericórdia". "Era um grande amigo, um grande sacerdote e um grande Bispo, que tanto serviu a Igreja em Portugal e a própria sociedade portuguesa, com a sua sabedoria, a sua inteligência, com a sua bondade - a sua imensa bondade - e com a sua proximidade a tudo e a todos", sublinhou o Cardeal-Patriarca de Lisboa, em declarações à Rádio Renascença.

No passado dia 11 de setembro, D. Manuel Clemente faz questão de deixar "uma grande saudação - fraterna, amiga, solidária - à diocese do Porto, aos diocesanos do D. António Francisco e a todos os que ficam, certamente, com muita pena, mas como uma visão de fé e, portanto, de esperança, de que Deus continua connosco, através destas vicissitudes, e que receberá no Céu o senhor D. António Francisco e que nos acompanhará na terra - à diocese do Porto e a todos nós, em Portugal".

 

 

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10 frases de D. António Francisco dos Santos

 

“Não compete à Igreja educar nem para o medo, nem para a proibição.” (2010)

 

“O diálogo entre a Igreja e a sociedade passa necessariamente pelos caminhos abertos da cultura, em que a Igreja soube tantas vezes ser pioneira.” (Abril de 2010)

 

"Sejamos ousados, criativos e decididos. Sobretudo onde estiverem em causa os frágeis, os pobres e os que sofrem. Os pobres não podem esperar.” (Primeira homilia como bispo do Porto, em abril de 2014)

 

 “O diálogo será timbre do meu viver e caminho do meu encontro com todos." (Primeira homilia como bispo do Porto, em abril de 2014)

 

“Não podemos ser uma Igreja que apenas recebe, que apenas diz ‘vem’. Temos de ser uma Igreja que sabe ir, que sabe estar e que sabe encontrar-se com todos.” (Fevereiro de 2015)

 

“É necessário que a Igreja saiba ir ao encontro de todos, sem medo de perder algo de si.” (Fevereiro de 2015)

 

“Se tivéssemos feito pela paz aquilo que temos feito pela guerra, se tivéssemos feito pelo diálogo aquilo que temos feito pela separação e pelos conflitos, isto não teria acontecido.” (Na sequência dos atentados de Paris, Novembro de 2015)

 

“Vai ser felizmente diferente para eles este Natal, mesmo que seja outra a sua fé, porque encontraram casa junto de nós, abrigo na cidade e acolhimento humano em terra de gente de paz e de bem.” (Referência ao primeiro Natal dos refugiados acabados de chegar a Portugal, em dezembro de 2015)

 

“[Apelo] à sociedade civil, às autarquias e ao próprio Estado, para encontrarem respostas estruturais e soluções definitivas que tirem estas pessoas das ruas.” (Mensagem no Jubileu dos Sem-Abrigo, em novembro de 2016)

 

“O Porto não é apenas um monumento erguido; é alma, é vida, é gente.” (Entrevista à Renascença, em julho de 2017)

 

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Reações

 

“Um homem aberto à justiça social, à liberdade, à fraternidade, à solidariedade, que deixou um traço muito marcante na diocese do Porto (...).”

Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República

 

 

"Era uma pessoa que estimava e respeitava pelas suas preocupações sociais e pelo perfil de homem bom e de bem.”

Eduardo Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República

 

"Era uma personalidade de palavras sábias e sensatas, de uma dimensão que vai além da igreja católica. Portugal perde um homem bom que eu apreciava escutar."

António Costa, Primeiro-ministro

 

“Era uma pessoa jovem e jovial, que tinha com as pessoas uma relação de enorme afetividade. Estava a desenvolver um trabalho extraordinário junto dos mais necessitados.”

Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto

 

“À dor e saudade por este pastor tão dedicado juntamos a imensa gratidão pela sua vida gasta até ao fim no cuidado daqueles que Deus lhe confiou”.

Corpo Nacional de Escutas

 

“Era um extraordinário mestre de humanidade, e essa ciência do amor fraterno constitui certamente um dos aspetos mais perenes e desafiadores do seu legado.”

Isabel Capeloa Gil, reitora da Universidade Católica Portuguesa

texto por Filipe Teixeira e fotos por Diocese de Porto
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