Lisboa |
Ordenação sacerdotal do diácono João Paulo Machado de Freitas, Espiritano
Uma “loucura missionária” de Cascais até Angola
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Foi em Cascais que deu os primeiros passos na sua vida cristã. Agora, aos 29 anos, o missionário da Congregação do Espírito Santo prepara-se para ser ordenado sacerdote na sua paróquia de origem e retornar, logo de seguida, para uma missão “radical”: ser padre em Malange, Angola, numa paróquia onde existem apenas dois padres para 140 comunidades.

Esta história tem um início comum a muitos relatos vocacionais. E, tal como muitas outras, começou cedo: aos cinco anos, João Paulo já olhava com admiração para o seu pároco, que não tinha mãos a medir no acompanhamento aos fiéis, e aos domingos celebrava Missas umas atrás das outras. Desde criança que assistiu, impressionado, à dedicação do então prior de Cascais e ao facto de este, já com alguma idade, ter tanto trabalho para fazer. Aqui cresceu a ver uma rotina agitada, num contexto de dedicação e entrega. Um padre para tanta gente.

“De forma silenciosa, isto foi mexendo comigo. Fui-me questionando: e eu, também posso ser assim?”, recorda. Quase 25 anos depois, e nas vésperas de ser ordenado sacerdote, João Paulo Machado de Freitas conhece, de forma ainda mais difícil, esta exigente realidade: está enviado para uma missão na Arquidiocese de Malange onde há apenas dois padres para 140 comunidades. Mas é nesta terra perdida em Angola, onde não há internet, e a eletricidade e a água não são bens disponíveis a toda a hora, que se sente chamado ao que diz ser uma “loucura missionária”.

Com 29 anos, o jovem diácono vai receber a ordenação sacerdotal no dia 15 de outubro, numa celebração presidida por D. Joaquim Mendes, Bispo Auxiliar de Lisboa, em Cascais, a terra onde deu os primeiros passos na vida espiritual. Mas como pertence à Congregação do Espírito Santo (Espiritanos), poucos dias depois regressará ao local onde tem desempenhado a sua vocação: a missão católica de Kalandula.

Voltemos ao início desta história. João Paulo nasceu a 29 de maio de 1988, na Baixa da Banheira, mas com apenas três meses foi viver para Cascais, ficando ao cuidado dos avós. Foram eles que o educaram na fé e o iniciaram na vivência cristã, pois eram pessoas crentes e muito empenhadas no serviço da comunidade. Baptizou-se na paróquia de Alcabideche mas foi em Cascais que frequentou a catequese e se tornou acólito.

 

Testemunhos missionários

Aos 10 anos, a vida familiar alterou-se com a morte do avô, a quem estava muito ligado e com quem se habituara a ir à missa do meio dia, todos os Domingos. Nessa altura, foi desafiado por uma amiga a conhecer um movimento missionário de leigos, ligado à Congregação do Espírito Santo. Quando viu o ambiente festivo em que conviviam, e escutou os apaixonantes testemunhos dos missionários que serviam Deus em terras longínquas, onde havia comunidades que estavam um ano sem Missa porque não havia padre, o jovem João Paulo ficou ainda mais sensibilizado. “Fiquei impressionado, a pensar, temos aqui um padre que celebra quatro missas ao Domingo e as pessoas podem ir e lá fora esperam um ano por uma Missa para viver a sua fé. Também quero ser como eles”, recorda.

Decidiu entrar para um grupo vocacional, onde foi crescendo e participando nos encontros de fim de semana que se realizavam no Seminário da Torre d’Águilha. Num acampamento, surgiu a questão, colocada por um animador do grupo: “Se quiseres, podes entrar no seminário”. João Paulo tinha apenas 14 anos mas nem hesitou. Se a pergunta foi-lhe dirigida em agosto, em setembro anunciou em casa que ia arrumar as malas e entrar para o seminário.

 

Mudança

A avó acolheu com alegria a notícia, embora o receio aumentasse com a aproximação da partida. Contudo, Rosalina foi a primeira a incentivar o neto a permanecer no seminário quando este, passados três meses, veio a casa passar férias e disse que não queria voltar. O Seminário era em Barcelos, e dos oito jovens que entraram no seu ano, apenas restou ele. Foram tempos difíceis, confessa. “Para quem estava habituado ao clima de Cascais, ir viver para uma aldeia isolada, no cimo do monte, era horrível. A rotina era austera: acordar cedo, rezar a toda a hora, horários para tudo”. Pensou que era “demasiado” para si, recorda, mas a perspectiva de ir para Braga estudar no ano seguinte fê-lo seguir caminho.

Aí foram tempos animados. Além do ambiente ser mais aberto e de os jovens estudarem no exterior, começaram a fazer trabalho pastoral nas paróquias. Dois anos mais tarde, veio estudar Teologia para perto de casa, na Universidade Católica, ao mesmo tempo que fazia trabalho pastoral num bairro em Talaíde, São Domingos de Rana, marcado pela presença africana, onde as missas eram animadas com música e o trabalho com os jovens era intenso. Foi uma espécie de estágio para a missão seguinte, uma experiência missionária em Cabo Verde, da qual guarda boas memórias, principalmente, a aproximação a uma nova cultura, mas que foi interrompida por motivos de saúde e dificuldades da própria missão.

 

Experiências

Uns tempos em casa da avó foram suficientes para recuperar forças e regressar à missão em terrenos complicados, agora numa paróquia no Porto, a par com os estudos universitários. “Era o que o Papa chamaria de periferia, uma paróquia no meio da cidade marcada pela prostituição e o tráfico de droga. Um trabalho desafiante mas bonito, gostei imenso”, conta. Dessa vivência sublinha o trabalho com os jovens e a visita às prisões, onde as teorias aprendidas na teologia foram substituídas pela escuta e pelo exercício do acolher sem julgar. Foi também uma oportunidade para perceber que a missão não tem de ser lá fora mas pode estar no centro da cidade.

Essa experiência no Porto ainda foi interrompida em 2012, para viajar até Paris, onde aprendeu francês, a língua materna do fundador dos Espiritanos, e entrou para o noviciado, rumo aos primeiros votos.

Outra experiência missionária marcante levou-o aos perigosos bairros do Rio de Janeiro, onde foi confrontado com a violência e a pobreza, chegando a questionar-se: “o que vamos conseguir fazer neste ambiente?” A resposta encontrou-a no Evangelho, na parábola do semeador: “É semear, sem sabermos onde vai cair.”

 

Desafio

Conheceu a paixão da sua vida, Angola, como gosta de sublinhar, em 2015. “É um mundo diferente e do qual já tenho saudades”, afirma, sublinhando que está em Portugal há dois meses mas o coração já anseia pelo regresso a Malange, no nordeste angolano. Quando lá chegou, João Paulo encontrou um ambiente difícil, pois dias antes um dos missionários que com ele ia partilhar a missão morreu num acidente de viação. Fiquei eu e o padre que já lá está há 50 anos numa missão do tamanho de uma diocese e com 140 comunidades para atender. “É desafiante porque somos pau para toda a colher”, diz, entusiasmado.

Ali trabalha com os jovens, dirige uma escola com 1700 alunos, e sente na pele o que é falar de Cristo e da Igreja numa sociedade profundamente marcada pela presença das seitas religiosas. "É uma provocação silenciosa, até porque muitos consideram que a Igreja Católica é para os velhos e a Igreja adventista é para os novos", afirma. Apesar de estar consciente desta dificuldade da missão, acredita que já se começam a ver alguns frutos, como a criação de um grupo de discernimento vocacional entre os jovens.

O carisma dos espiritanos é assistir os pobres e trabalhar onde ninguém quer estar. "Esta missão é isto mesmo. E ir para lá é sair de um sítio onde temos tudo para ir para onde não temos nada. O que faz da vida missionária uma loucura”, sublinha. "No mundo de hoje estamos à procura de aventura, experiências novas. Aqui na missão sentimos isso: é uma vida radical. É uma loucura de fé, por causa de Cristo e com Cristo. Faz-nos sermos criativos para transmitir o essencial"

 

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Entrevista ao padre Tony Neves, Provincial da Congregação do Espírito Santo

“É esgotante, mas enche de alegria e motivação quem ali dá a vida”

 

Assinalam-se 150 anos da presença dos espiritanos em Portugal. Isso reforça a alegria com que se vive esta ordenação?

Sem dúvida. Trata-se de fazer uma memória agradecida do passado, de celebrar com muita paixão o presente e de rasgar novos caminhos de futuro. Com este grande objetivo jubilar, uma ordenação (e é a segunda de 2017, pois o António Neves Mosso foi ordenado em julho na Agualva-Sintra) é sempre um acrescento à festa. E mais: é um estímulo missionário apontado ao futuro.

 

Qual a presença atual da congregação no nosso país?

Somos mais de uma centena de padres e irmãos. Cerca de 30 estão a trabalhar fora de Portugal e os restantes dividem-se pelas onze Comunidades Espiritanas espalhadas pelo país. E digo ‘espalhadas’, porque temos comunidades no norte, centro, sul, litoral e interior. Trabalhamos muito na animação missionária, na pastoral juvenil e vocacional, nas paróquias, com imigrantes e refugiados, com reclusos ou doentes hospitalizados. Tentamos estar nas periferias, como pede o Papa.

 

Quais os principais desafios da acção missionária em Angola, concretamente da missão onde está o João Paulo?

Kalandula é uma missão de sonho, pela paisagem de excelência e simpatia das pessoas. Mas é também uma Missão de desafios, pela pobreza generalizada de um povo que a guerra esmagou, destruindo muitos valores e queimando futuro. O trabalho do João Paulo tem, sobretudo, duas vertentes: a pastoral direta, numa Missão com muitas comunidades e muitos milhares de pessoas a acompanhar espiritualmente; a pastoral da educação, dirigindo uma escola com mais de mil alunos. É esgotante, mas enche de alegria e motivação quem ali dá a vida, mesmo sabendo que a saúde estará sempre em risco (muitas malárias…) e o cansaço fará parte do dia a dia do missionário. Mas a alegria de cumprir uma Missão que sentimos ser vontade de Deus ajuda a superar todas as dificuldades e dá uma enorme alegria de viver.

texto e fotos em colaboração com a Paróquia de Cascais
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