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Pedro Vaz Patto
(Des)Equilíbrio do terror
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O prémio Nobel da Paz foi este ano atribuído a uma plataforma internacional de organizações que pugna pela abolição universal das armas nucleares (a I.C.A.N.). Entretanto, um tratado internacional que obriga à destruição desse tipo de armas recolheu já a adesão de 53 países (mas de nenhuma das potências nucleares – é certo). O observador permanente da Santa Sé junto das Nações Unidas qualificou esse tratado como “profético”. Uma declaração conjunta dos presidentes da conferência das comissões justiça e paz europeias e da comissão justiça e paz da conferência episcopal dos Estados Unidos, de julho passado, também saudou o objetivo desse tratado. E assim também o Papa Francisco, em várias ocasiões, tem pugnado por essa abolição.

Na verdade, as armas nucleares têm uma potência de destruição indiscriminada e incontrolável que está para além de qualquer exigência de contenção segundo critérios de legítima defesa ou de distinção entre combatentes agressores e não combatentes inocentes, o que torna o seu uso sempre moralmente condenável.

Há, porém, quem justifique a sua posse, e a simples ameaça do seu uso, como uma forma de dissuasão que evita guerras convencionais. A dissuasão mútua, o medo de consequências catastróficas que a ninguém beneficiariam e que representariam um suicídio coletivo, o “equilíbrio do terror”, evitaram uma terceira guerra mundial durante o período da guerra fria. E a O.T.A.N. (de que fazem parte potências nucleares) continua a basear a sua política numa estratégia dissuasora desse tipo. Há, por isso, quem considere a abolição das armas nucleares uma utopia. E há quem recorde o velho adágio: se queres a paz, prepara a guerra.

Mas não é esta a verdadeira paz, sólida e duradoura, que não pode basear-se no medo e no terror, mas na confiança mútua. Há que dizer antes: se queres a paz, prepara a paz. Ainda antes da queda do comunismo, e quando a dissuasão nuclear evitava que este se expandisse, São João Paulo II declarou que essa dissuasão poderia ser moralmente aceitável apenas transitoriamente, que a ela não podíamos resignar-nos e que ela deveria dar lugar a um desarmamento multilateral.

Que a verdadeira paz e segurança não podem basear-se na dissuasão, revelam-no episódios recentes.

Quando, há alguns meses, a primeira-ministra britânica declarou que estava pronta a usar armas nucleares, porque se assim não fosse, o inimigo não levaria a sério a ameaça que elas representam, muitos ficaram chocados com essa sua afirmação. E outros consideraram que ela, uma pessoa com formação cristã, não estaria verdadeiramente a falar a sério. É em terríveis paradoxos deste tipo que assenta a dissuasão nuclear.

As recentes atitudes provocatórias do governo norte-coreano, que pretende demonstrar a sua capacidade de usar armas nucleares, e as reações do presidente norte-americano a essas atitudes, também nos fazem pensar no risco, sempre presente, de que políticos a quem falte alguma sensatez possam mesmo usar essas armas. A qualquer momento, o “equilíbrio do terror” pode tornar-se “desequilíbrio do terror”.

Depois do fim da guerra fria, seria de esperar, ao menos, uma redução global do armamento nuclear. Mas não é isso que se tem verificado. O prémio Nobel da paz deste ano e o tratado de abolição das armas nucleares são, na verdade, sinais “proféticos” que apontam o caminho da paz autêntica, baseada no respeito e na confiança mútuos, na fraternidade e na justiça. É certo que não é de esperar que alguma das potências nucleares dê um primeiro passo sem outras fazerem o mesmo (o desarmamento só será expectável se for multilateral). E a abolição das armas nucleares deve ser inserida numa redução global de outro tipo de armas. Mas estas iniciativas servem para reforçar na opinião pública internacional a ideia de que deve ser esse o rumo a seguir, o da paz autêntica. E esta força, da sociedade civil internacional, há de chegar, mais tarde ou mais cedo, aos governos.