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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
A manjedoura
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Entre os muitos sinais que acompanharam o nascimento do Filho de Deus em Belém, há um que se destaca, sobretudo pelas vezes que é referido, não obstante a sua aparente irrelevância: a manjedoura que serviu de berço a Jesus recém-nascido.

É curiosa a insistência do evangelista Lucas em relação a este pormenor. Quando relata o nascimento do filho de Maria, diz que sua Mãe o “envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria” (Lc 2, 7). Seguramente, era normal que as mães enfaixassem os filhos depois de lhes terem dado à luz, pelo que Maria, ao fazê-lo, terá procedido de acordo com o que era então habitual naquela terra. Já não seria tão comum a utilização de uma manjedoura como improvisado berço de um recém-nascido: aconteceu com Jesus, porque veio ao mundo num lugar que servira para guardar gado, onde era natural a presença desse objecto.

Quando o anjo do Senhor aparece aos pastores que havia nas imediações, dá-lhes a boa nova: “Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor!” (Lc 2, 11). Para facilitar a sua identificação, o anjo diz-lhes: “Isto vos servirá de sinal: encontrareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura” (Lc 2, 12). Não seriam de estranhar as faixas em que estava envolvido e, portanto, o “sinal” seria mais propriamente a manjedoura, que era algo exclusivo daquele insólito nascimento.

Dóceis ao apelo do anjo, os pastores “foram apressadamente e encontraram Maria, José e o menino deitado na manjedoura” (Lc 2, 16). Pela terceira vez, o evangelista Lucas refere a manjedoura, como se pretendesse, com essa sua insistência, não apenas chamar a atenção para o facto histórico que descreve com tanto pormenor, mas também para o seu significado simbólico. Não em vão, já antes se tinha dito que aquela manjedoura não era insignificante, mas um “sinal” decisivo para a identificação do “Salvador, que é o Messias Senhor” (Lc 2, 11).

Se se tiver em conta que o nascimento de Jesus Cristo ocorre em Belém, “a cidade de David”, não é difícil descobrir o sentido desse misterioso sinal. Com efeito, Belém, tanto em árabe (Bayt Lahm), como em hebraico (Beit Lehem), tem o mesmo significado literal: ‘casa do pão’. É significativo que neste vocábulo coincidam as duas principais culturas da região, antagonistas em tudo o mais, e que a sua tradução esteja tão intimamente relacionada com o sinal dado aos pastores: a manjedoura.

A outros pastores foi dado também esse mesmo pão: em 1916, os pastorinhos de Fátima receberam das mãos do anjo que, pela terceira e última vez lhes apareceu, “o Corpo e Sangue de Jesus Cristo”.

Um menino foi dado a contemplar aos pastores que acorreram ao presépio de Belém. Encontraram-no numa manjedoura, porque Ele é “o pão vivo, o que desceu do Céu: se alguém comer deste pão, viverá eternamente; e o pão que Eu hei-de dar é a minha carne, pela vida do mundo” (Jo 6, 51). Eles viram uma criança recém-nascida e acreditaram que era “verdadeira comida” (Jo 6, 55), como também os cristãos que se aproximam da mesa eucarística, crêm verdadeiramente que aquele pão é Cristo Nosso Senhor, com o seu Corpo e Sangue, Alma e Divindade. Jesus de Nazaré não está verdadeiramente presente nas imagens que piedosamente colocamos sobre as palhinhas dos nossos presépios, mas está real, verdadeira e substancialmente presente na sagrada hóstia. Por isso, os pastorinhos de Fátima viram “o anjo tendo na mão esquerda um cálice sobre o qual está suspensa uma hóstia, da qual caem umas gotas de sangue dentro do cálice”.

Não é possível viver o Natal senão na adoração ao Deus Menino, representado nas imagens de Jesus no presépio, mas realmente presente na Eucaristia. Que bom seria que, neste Natal do centenário das aparições marianas em Fátima, soasse em todo o nosso país, milhões de vezes, aquela mesma prece que o anjo não só ensinou aos três pastorinhos como com eles rezou, por três vezes, ajoelhado na terra e curvada a fronte até ao chão: “Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-Vos. Peço-Vos perdão para os que não crêm, não adoram, não esperam e não Vos amam”.

Por cada oração, dita com fé e amor, Jesus se alegrará no Céu, como em Belém sorria a Maria e José. Que cada oração seja também uma prece por alguma outra criança que agora, como Ele há dois mil anos, sofre as agruras do exílio, da perseguição e da pobreza. Que todos os recém-nascidos experimentem o amor de Deus, na ternura de seu pai e no carinho de sua mãe!         

Santo Natal!