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Pe. Alexandre Palma
O tempo em cada dia
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Desde sempre a humanidade se fascina com o tempo e procura resposta para o que ele seja. Dele se ocupam as ciências e os saberes, porque ele é, simultaneamente, uma grandeza física e um fenómeno humano. Por isso, o tempo é tanto matéria para o cientista quanto assunto para o filósofo; é tanto ilusão do senso humano quanto realidade do nosso universo. Como súmula dos debates e reflexões em torno do que seja o tempo, talvez permaneça ainda válida a antiga e muito citada observação de Santo Agostinho: «Que é, pois, o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; mas se quiser explicar a quem o pergunta, não sei» (Confissões XI, 14, 17). Mas para lá da interessante questão acerca da sua essência, sobra ainda o perene desafio de saber viver o tempo. Desafio seguramente diferente, mas não menos recorrente, actual ou decisivo.

Acabámos, há bem pouco, de celebrar o tempo. Por certo nem sempre teremos disso plena consciência. Mas será, também isso, que celebramos neste período do Natal: uma história de salvação que se revisita. Foi isso que celebrámos, quando nos despedimos do ano que passou e festejámos o novo ano que se iniciou. Isso o faremos ainda, ao longo do ano, em sucessivas comemorações e aniversários. É bom que pautemos assim o tempo que passa. A memória dá vida ao tempo. Mas resta ainda o desafio silencioso de cada dia.

Aqui se joga muito do mistério do tempo: viver cada dia como se de um absoluto se tratasse. A fé na eternidade em nada diminui o definitivo de cada dia. Pelo contrário, torna-o maior que ele próprio. Porque a eternidade não é uma série infinita de dias, mas a possibilidade de tudo condensar num mesmo momento. Consciente ou inconscientemente tendemos a resistir à seriedade de cada dia. Vivemos demasiadas vezes em fuga para um passado que já não é ou em função de um futuro que por certo nunca será. Desatendemos assim ao facto de em cada dia se jogar todo o mistério do tempo. Desatendemos, desde logo, ao grande milagre da vida, que de tão quotidiano, nos passa desapercebido: nasceu um novo dia. Que graça eterna, desgraçadamente só percebida como tal quando o tempo se nos parece encurtar. Que oportunidade para podermos colher da vida e semear nela a bondade, a gratidão e a alegria. Todo o tempo se joga no fragmento de cada dia. Eis a celebração do tempo que, talvez, nos falte ainda cumprir.