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Guilherme d’Oliveira Martins
As migrações como oportunidades de Paz…
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«Quem, dentre vós, querendo construir uma torre, não se senta primeiro a calcular a despesa para ver se tem com que acabá-la? Não suceda que, depois de assentar os alicerces, não podendo acabar, todos os que viram, comecem a troçar dele, dizendo: Este homem principiou a construir e não pôde acabar» (Lc. 14, 28-30). O Papa Francisco, na Mensagem do Dia Mundial da Paz, recorda-nos esta passagem, para nos alertar para a necessidade de trabalharmos arduamente para a construção da Paz – em especial relativamente a migrantes e refugiados, em busca do entendimento e do respeito mútuo. Sem uma corajosa prevenção não alcançaremos resultados palpáveis, que correspondam à realização da justiça. Há 250 milhões de migrantes, dos quais 22,5 milhões são refugiados, em busca de um lugar onde possam viver em paz. As migrações caracterizam o mundo global contemporâneo – mas não são ameaça, antes oportunidade para construir a paz. No entanto, falamos de vítimas de discriminações, de perseguições, de pobreza e de degradação ambiental. Afinal, acolher o outro que nos demanda exige compromissos concretos em nome da dignidade – que pressupõem uma atenção vigilante e abrangente contra guerras, genocídios e limpezas étnicas. Daí a necessidade de lembrar o exemplo do construtor insensato que fez mal os cálculos e que não pode acabar o que começou a construir. E não devemos esquecer que quem fomenta o medo contra os migrantes, talvez com fins políticos, em vez de construir a paz, semeia a violência, a discriminação racial e a xenofobia, que são fonte de grande preocupação para todos quantos procuram o desenvolvimento humano. Infelizmente, deparamo-nos um pouco por toda a parte com ameaças que contêm riscos imprevisíveis de violência e injustiça.

O Papa Francisco lembra ainda que os migrantes trazem na bagagem coragem, capacidades, energias e aspirações – para além dos tesouros das suas culturas nativas que enriquecem a vida das nações que os acolhem. E esse facto permite-nos dizer que a mobilidade é natural, num mundo caracterizado pela abertura e pela interdependência, o que nos obriga a entender a compreensão dos outros e a abertura à diferença como fatores de enriquecimento mútuo. De facto, as sociedades que se fecham sobre si orientam-se para a decadência e para o empobrecimento. Daí que as políticas de acolhimento devam ser concretizadas até ao máximo dos limites consentidos pelo bem da própria comunidade retamente entendido. É nesse sentido que o Sumo Pontífice defende a compaixão, a clarividência e a coragem contra o cinismo e a globalização da indiferença. E assim as pedras miliárias propostas neste início de ano têm expressão social e cultural. Acolher, proteger, promover e integrar – eis o que tem se ser garantido e preservado como orientação de vida. Acolher significa estar disponível para a diversidade e para a partilha, recusando o medo… Proteger tem a ver com a justiça e a equidade entre gerações numa noção exigente de luta contra o abandono e a indiferença. Promover relaciona-se com a cidadania ativa e inclusiva – liberdade e igualdade, igualdade e diferença são faces da mesma moeda e a aprendizagem é a melhor marca do desenvolvimento humano. Integrar obriga a cuidar de uma coesão capaz de fazer da diferenciação positiva um modo de assegurar que o outro é a outra metade de nós mesmos. E é neste contexto que a educação, a ciência e a cultura têm de se constituir em fatores efetivos de dignificação humana. Através destas quatro ações é possível dar resposta a uma exigência de compreensão, de justiça e de humanismo.

A referência do Papa a Santa Francisca Xavier Cabrini, MSC (1850- 1917), cujo centenário da morte ocorreu há pouco, primeira norte-americana a ser canonizada, merece atenção uma vez que se trata de lembrar alguém que fez da sua vida uma entrega permanente a migrantes ou perseguidos. E no início deste Ano Europeu do Património Cultural - 2018 não podemos esquecer ainda, perante a grande riqueza do nosso património religioso, o compromisso de todos na defesa preservação e proteção de uma herança comum, que abrange o riquíssimo património construído, o inesgotável acervo imaterial da língua, das tradições e costumes, bem como a necessária importância da ligação à criação contemporânea, em nome do equilíbrio, da coerência e da capacidade inovadora – mas sobretudo a compreensão das pessoas com as suas diferenças… A decisão da União Europeia de considerar o ano de 2018 como consagrado ao Património Cultural constitui assim um marco emblemático no momento em que há tantas incertezas e ameaças para um projeto europeu de paz, de hospitalidade, de entreajuda, de desenvolvimento sustentável e de defesa da diversidade cultural.