Artigos |
P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Dieta, greve da fome ou jejum?
<<
1/
>>
Imagem

Na sua mensagem quaresmal, o Papa Francisco convida “os membros da Igreja, a empreender com ardor o caminho da Quaresma, apoiados na esmola, no jejum e na oração”. De forma algo surpreendente, o Santo Padre alargou este convite a toda a família humana: “Gostaria que a minha voz ultrapassasse as fronteiras da Igreja Católica, alcançando a todos vós, homens e mulheres de boa vontade, abertos à escuta de Deus. Se vos aflige, como a nós, a difusão da iniquidade no mundo, se vos preocupa o gelo que paralisa os corações e a acção, se vedes esmorecer o sentido da humanidade comum, uni-vos a nós para invocar juntos a Deus, jejuar juntos e, juntamente connosco, dar o que puderdes para ajudar os irmãos!”

 

O ministério petrino tem, sobretudo, uma dimensão eclesial, mas a missão do bispo de Roma vai mais além das fronteiras da Igreja católica e, até, do próprio Cristianismo. Enquanto servo dos servos de Deus, compete ao Papa recordar aos fiéis as exigências da fé: “A Igreja, nossa mãe e mestra, nos oferece, neste tempo da Quaresma, o remédio doce da oração, da esmola e do jejum”. Como representante de Cristo sobre a terra, todas as almas, sem excepção, são objecto da sua solicitude pastoral e, por isso, não estranha que o Papa Francisco tenha querido estender este convite penitencial a todos os “homens e mulheres de boa vontade”.

 

Mas, em pleno século XXI, ainda faz sentido apelar ao jejum? Não é esta uma prática incompreensível para o homem contemporâneo? A verdade é que, tanto o jejum como a abstinência, são práticas universais. Com efeito, muitos dos que, por motivos médicos, desportivos ou meramente estéticos, observam rigorosas dietas, praticam um jejum bem mais exigente do que o recomendado pela Igreja. Mesmo a abstinência, que é obrigatória para os católicos todas as sextas-feiras do ano que não coincidam com nenhuma solenidade, é mais ligeira do que as dietas que, por motivos fúteis, muitos se impõem a si mesmos durante longas temporadas.

 

A bem dizer, o jejum não só é praticado por motivos religiosos, como também por razões de ordem política, laboral ou económica. Com efeito, a greve da fome que é senão um jejum laico?! Quem recorre a esse meio procura, por essa via, chamar a atenção para alguma causa, pessoal ou social, através de uma linguagem que não é exclusivamente religiosa, mas verdadeiramente universal.

 

Não obstante a universalidade do jejum, para muitos não é clara a sua relação com a salvação da alma. Que sentido faz que a Igreja aconselhe a voluntária privação de alimentos?! A fé tem alguma coisa a ver com a quantidade ou a qualidade do que se come e bebe?!

 

É verdade que à fé interessa sobretudo a salvação da alma, mas Jesus Cristo, Deus encarnado, veio oferecer a salvação do homem todo a todos os homens. Por isso, Ele curou nos seus corpos muitos doentes, ressuscitou mortos, alimentou as multidões famintas e saciou a sede dos convidados às bodas de Caná. E, quando nos ensinou a rezar, incluiu uma petição pelo “pão nosso de cada dia”.

 

Jesus de Nazaré não só recomendou a prática do jejum, que já era comum entre os judeus, como ele próprio jejuou durante os quarenta dias da sua estadia no deserto. O debilitamento físico que um tal sacrifício, pela certa, causou ao seu corpo, foi inversamente proporcional à força assim adquirida pela sua alma, na rejeição liminar das tentações a que então foi submetido.

 

Como escreveu o Papa Francisco na sua mensagem quaresmal, “o jejum tira força à nossa violência, desarma-nos, constituindo uma importante ocasião de crescimento”. Embora o jejum só seja obrigatório para os fiéis maiores de idade na quarta-feira de cinzas e na sexta-feira santa, nada impede que se recorra a esta prática penitencial com mais frequência, não só porque “permite-nos experimentar o que sentem quantos não possuem sequer o mínimo necessário, provando dia a dia as mordeduras da fome”, mas também porque o jejum, segundo o Papa Francisco, “desperta-nos, torna-nos mais atentos a Deus e ao próximo, reanima a vontade de obedecer a Deus, o único que sacia a nossa fome.”