Lisboa |
Jovem de Lisboa participou na reunião pré-sinodal, em Roma
“É preciso que a Igreja não tenha medo de ser o que é”
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Tomás Virtuoso esteve em Roma no encontro de preparação do Sínodo dos Bispos sobre ‘Os jovens, a fé e o discernimento vocacional’ e destaca a “unidade na diversidade” vivida em Igreja. Sobre o documento final da reunião pré-sinodal, que foi entregue ao Papa, este jovem de Lisboa destaca as palavras “autenticidade” e “comunidade”.

 

Foram 305 os jovens de todo o mundo, incluindo três portugueses, que estiveram uma semana em Roma, na reunião pré-sinodal, tendo elaborado um documento que foi entregue ao Papa e que vai ser analisado no Sínodo dos Bispos sobre os jovens, a decorrer em outubro próximo. Tomás Virtuoso é paroquiano de Carcavelos, em Lisboa, e participou no encontro, de 19 a 24 de março, como representante do Secretariado Internacional das Equipas de Jovens de Nossa Senhora (EJNS). “O que urge mudar na Igreja, nos dias de hoje, é muito mais a forma como chegamos às pessoas do que o conteúdo”, salienta, desde logo, este jovem de 24 anos, ao Jornal VOZ DA VERDADE. “Em relação à forma, o documento final é verdadeiramente uma coisa extraordinária. É impressionante como foi possível, numa dúzia de páginas, resumir a quantidade imensa de partilhas dos jovens de todo mundo, e que são preocupações muito diversas: os jovens da América Latina a quererem que se desse destaque a questões como o narcotráfico, e às questões sociais; os jovens dos Estados Unidos, e alguns jovens da Europa, muito preocupados com as questões do relativismo moral, da moral sexual; o jovens da Ásia preocupadíssimos com o facto de não terem espaço para a expressão pública da fé; os jovens de África com grandes preocupações nomeadamente em relação às questões culturais e de fé, com as raparigas que são obrigadas a casar cedo, sem ser pela Igreja, o que depois as impede que comunguem e se aproximem da Igreja; os jovens do Médio Oriente a darem testemunhos inacreditáveis, alguns deles horríveis, de perseguição concreta. Foi uma diversidade brutal de situações e foi impressionante ter-se conseguido colocar tudo num documento que, a meu ver, é muito consistente, tem uma coerência interna muito grande”, refere.

 

Um documento em seis pontos

Sobre os pontos relevantes do documento, Tomás Virtuoso salienta, desde logo, a palavra autenticidade. “O que é mais transversal, sem que tenhamos feito muito por isso, é que a palavra autenticidade aparece sete vezes no documento. É preciso que a Igreja não tenha medo de ser o que é. Isso não é assim tão claro, no mundo de hoje, em que muitas instituições são pressionadas a não serem aquilo que são, e a terem vergonha daquilo que são e estarem permanentemente a esconder-se. A Igreja precisa de ser autêntica”, acredita este jovem, sublinhando igualmente a “rejeição clara do individualismo” expressa no texto final. “Comunidade também há de ser das palavras mais ditas em todo documento. Nós, hoje, precisamos muito de comunidades, comunidades que sejam verdadeiros veículos de formação para os jovens e, por isso, a rejeição total e completa de uma sociedade individualista, que nos ponha a girar à volta de nós próprios, dos nossos interesses...”, manifesta.

Este jovem das EJNS frisa também a “vontade muito grande de fugir do anti-clericalismo”. “Outro ponto muito interessante é que se há uma vontade muito grande de fugir do clericalismo, ao mesmo tempo o documento diz que há uma vontade muito grande de fugir do anti-clericalismo. É interessante, porque isto não é nada óbvio no mundo de hoje. A Igreja sem os ordenados, sem os padres, sem os bispos, sem os cardeais e sem o Papa não é nada, mas tem de haver vida para além disto e os jovens e os leigos têm um papel importantíssimo. Uns sem os outros, não funciona”, assegura, destacando igualmente a necessidade de “olhar para os diferentes carismas da Igreja como graça”. “O documento ressalva a vontade de ter espaço para todos, para os mais tradicionalistas, para os mais carismáticos, para os mais abertos, para os mais conservadores… ter espaço para todos. Perceber que a Igreja foi sempre, e será sempre, uma conversação entre esta gente toda e que há espaço para todos”, observa Tomás Virtuoso, colocando acento igualmente na relação das paróquias com os movimentos: “Tem que haver capacidade para deixar os movimentos trabalhar, abrir espaço aos movimentos. Mas depois os movimentos também têm que ter, cada vez mais, uma melhor colaboração com as paróquias. Apesar de não vir lá referido, considero que isto é uma mensagem muito boa para Portugal. É importante que as paróquias, as dioceses e os movimentos trabalhem bem uns com os outros, e se coordenem bem, neste sentido de que cada um chega a pessoas diferentes e isso é bom, não tem de ser uma coisa má”.

Finalmente, Tomás destaca a necessidade de focar a pastoral juvenil na dimensão da transição. “Passar de uma pastoral juvenil que, muitas vezes, tende a ser uma pastoral unicamente sacramental, quase como uma ‘corrida aos sacramentos’, para passarmos a uma pastoral juvenil que esteja focada nas fases de transição da vida do jovem, como da escola para universidade e depois da universidade para o mundo do trabalho e para a vida em família. Sentimos que os jovens, muitas vezes, deixam de ter acompanhamento e acabam por se perder. A Igreja, por vezes, não é capaz de acompanhar essa mudança e o jovem vai buscar referências a outro lado”, lamenta este responsável das Equipas de Jovens de Nossa Senhora.

 

A semana

A reunião pré-sinodal dos jovens teve início na manhã de segunda-feira, dia 19 de março, com uma sessão com o Papa Francisco. “Mais interessante do que o discurso do Papa – que foi muito bom —, foi o que aconteceu a seguir, que foi absolutamente extraordinário: as respostas que o Papa deu a dez jovens, dois de cada um dos cinco continentes. Os primeiros cinco levaram os discursos escritos, com a apresentação de cada um dos continentes, e da fé em cada lugar, em testemunhos muito bons; depois, os restantes cinco fizeram perguntas diretas ao Papa, todas elas muito diferentes. As respostas do Papa deram o tom para a semana”. Na segunda-feira da parte da tarde e durante todo dia de terça-feira, os jovens estiveram nos chamados grupos linguísticos. Cada grupo era composto por 20 jovens presenciais e mais seis através do Facebook. “O que fizemos foi partilhar as nossas reflexões sobre cada um dos subtemas do Sínodo: a primeira parte era sobre os desafios e as oportunidades dos jovens no mundo de hoje; a segunda parte relativa à questão da fé, da vocação, discernimento e acompanhamento; e a terceira parte era sobre a ação pastoral educativa da Igreja. Eu fiquei num grupo espanhol, com jovens da América Latina e também duas espanholas, e foi muito interessante essa partilha de experiências, de uma Igreja muito viva, muito jovem, a crescer e cada vez maior, e foi quase como um despertar de consciência e um grande testemunho de uma Igreja viva numa Europa cada vez mais descristianizada”, aponta Tomás.

Na quarta-feira de manhã, os jovens foram convidados a “resumir tudo, a fazer, no fundo, um documento, por grupo linguístico”, onde colocaram “todas as preocupações” relativamente aos três subtemas. A tarde de quarta-feira foi livre, “exceto para um comité que ficou encarregue de, a partir de todas as respostas dos grupos linguísticos, fazer um primeiro draft do documento”. Quinta e sexta-feira, dias 22 e 23 de março, houve votações. “Na quinta fizemos as primeiras considerações e reunimos no grupo linguístico para apreciar o documento e propor alterações e emendas. Na sexta-feira foi apresentada uma segunda versão do documento, já com alterações de todos os grupos, e aí só tivemos oportunidade de apresentar alterações e emendas de forma individual – e tinham de ser coisas muito específicas, muito concretas”, explica este jovem de Lisboa, lembrando-se ainda, neste dia, da Via-Sacra com os cardeais, na Basílica de São João de Latrão. No sábado – “dia de visita a Castelgandolfo” –, foi apresentado o documento final, “que foi depois aprovado” pelos 300 jovens e entregue, no Domingo de Ramos, ao Papa Francisco, durante a celebração na Praça de São Pedro onde Tomás já não pôde participar, por ter tido de regressar a Lisboa.

 

Unidade

Tomás Virtuoso considera que foi “uma experiência extraordinária”, os seis dias que esteve em Roma, que “superou muito” as suas “expectativas, que já eram muito elevadas”. “Foi uma semana com um sentimento fortíssimo de Igreja, onde encontrei muita diversidade, mas uma grande unidade à volta do Papa. A ideia de diversidade foi ainda mais longe do que aquilo que estava à espera. É impressionante o grande pluralismo da Igreja, a diferença de culturas e até formas de estar, sobretudo em termos sociais e culturais, havendo contudo grandes linhas de continuidade entre todos os jovens, em que as coisas fundamentais são iguais para todos, assim como as preocupações, os sonhos e as ambições. Isso achei muito interessante”, assume, destacando igualmente a palavra alegria: “A alegria de saber que pertencemos a uma coisa que é muito maior do que nós. A certa altura, todos os jantares eram como uma cimeira das Nações Unidas. Estávamos permanentemente com gente de todo lado, completamente diferentes uns dos outros, mas percebemos que, independentemente das circunstâncias de cada um, há qualquer coisa — que nós sabemos o que é —, há uma alegria profundíssima que nos faz andar todos para o mesmo lado, mesmo que depois as circunstâncias sejam muito diferentes. Essa unidade na diversidade foi claramente uma coisa que me marcou profundamente. Eu já tinha essa conceção teórica de que era essa a Igreja que eu acreditava e, nesta semana, tive uma confirmação prática, real, de que esse é o caminho, isso é que faz sentido”. 

 

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“Foi realmente um momento de grande graça, onde – apesar das diferenças – havia uma grande comunhão, uma grande sintonia, uma grande unidade entre todos os participantes, um desejo de colaborar também, uma grande alegria por sentir e perceber que a Igreja os escuta. Posso dizer que o documento final, que foi produzido pelos jovens, é um documento que procura expressar a variedade das posições que ali existiam e que existem também na sociedade. Não é um documento de doutrina, mas que procura expressar muito da realidade dos jovens de hoje, algumas pistas que podem ser lançadas para novos caminhos que o Espírito pode estar a suscitar na vida dos jovens. E muito mais do que um documento, do que um texto, aquilo que é mais importante são os processos que se vão iniciando, que se vão criando, os processos que vão envolvendo a vida de muitas pessoas. De certeza que estes jovens saíram deste encontro muito inflamados e vão levar essa chama para os seus países, para todos os ambientes onde eles vivem e atuam.”

Padre João Chagas, responsável pelo Sector Juventude no Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, da Santa Sé, em entrevista ao Vatican News

 

“O desejo geral de todos os jovens dos diversos continentes foi que a Igreja seja próxima, acolhedora, transparente, que não tenha problema em assumir os erros que existem e de pedir perdão, o que nos ajuda a nós, jovens, a nos identificarmos com ela e sentirmo-nos acolhidos. Os jovens vão pedindo muito este sentido à Igreja de os deixar participar e serem protagonistas. A presença de Francisco foi muito entusiasmante e deixou-nos com muita vontade de trabalhar.”

Joana Serôdio, de 30 anos, participante da Conferência Episcopal Portuguesa, através da Comissão Episcopal do Laicado e Família e do Departamento Nacional da Pastoral Juvenil, à Renascença

 

“Quase todas as realidades falaram muito da descontinuidade que existe após o acompanhamento dos jovens até ao Crisma. Falou-se do Crisma como uma ‘graduation’, havendo falta de respostas a nível diocesano para a juventude. Seria bom que, daqui por um tempo, voltássemos a nos encontrar para debater outros tópicos, porque a Igreja caminha desta forma sinodal, o Papa quer bastante isso, e é preciso que os jovens se mantenham num diálogo autêntico e aberto entre eles.”

Rui Teixeira, de 30 anos, que participou na reunião pré-sinodal dos jovens como representante da Conferência Internacional Católica do Escutismo, em entrevista à Família Cristã

texto por Diogo Paiva Brandão; fotos por Ricardo Perna/Família Cristã
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