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Na Síria, no Vale dos Cristãos, sobreviver é um tormento
Aldeia fantasma
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Em Qalat’al Hons, uma aldeia que nasceu na sombra de um castelo medieval, não há nenhum cristão. Os que viviam por lá, cerca de três centenas, fugiram quando os jihadistas ocuparam a região. Agora estão algures no chamado Vale dos Cristãos. Mas o Padre Maamary não desiste e sonha com o dia em que se vai voltar a rezar o Pai Nosso na Igreja de Nossa Senhora da Assunção…


A aldeia de Qalat’al Hons ocupa apenas um minúsculo ponto no mapa. Mas ao lado, junto às suas poucas casas, ergue-se desde os tempos medievais o imponente Crack dos Cavaleiros, um castelo que pertenceu à ordem dos Hospitaleiros e que parece, ainda hoje, querer zelar pela segurança de toda a região. Foi por causa do castelo que a região foi atormentada, em 2012, por grupos jihadistas que ocuparam a aldeia de Qalat’al Hons e todas as aldeias em redor. A igreja local foi um dos primeiros alvos dos jihadistas. O Padre George Maamary nunca mais conseguiu esquecer esses dias em que esteve prisioneiro dos terroristas. “Mal chegaram, dirigiram-se para a igreja, onde vivia, derrubaram a porta e prenderam-me. Agrediram-me de tal forma que, mais tarde, tive de ser operado ao ombro”, diz o sacerdote à equipa da Fundação AIS que agora esteve na sua aldeia. “Graças a Deus, o sequestro durou pouco tempo, pois trocaram-me por um jihadista que tinha sido capturado pelo exército governamental.”

 

300 cristãos

A aldeia não tinha mais de 25 mil habitantes. Só 300 eram cristãos. Quase todos viviam nas imediações da Igreja de Nossa Senhora da Assunção. A notícia do sequestro do Padre correu veloz e ampliou ainda mais o medo que já todos sentiam pela presença na região dos homens de negro, armados até aos dentes, e da fama de horror que os acompanhava. A prisão do Padre foi entendida por todos como um aviso. Todos já conheciam as histórias de cristãos presos, agredidos, crucificados e mortos nas aldeias e cidades ocupadas então pelos jihadistas. Ali, em Qalat’al Hons, por certo não iria ser diferente. E, de um dia para o outro, a aldeia esvaziou-se de cristãos. De todos os cristãos. “Desde então – diz o Padre George Maamary – nenhuma família cristã voltou a viver aqui. Já lá vão seis anos…” Os jihadistas quando conquistaram a região tinham como objectivo destruir o castelo, símbolo da presença dos cruzados, símbolo da presença histórica dos Cristãos na Síria. Tal como em Palmyra, também ali o património da humanidade esteve em risco. A zona foi palco de ferozes combates tendo as forças governamentais conseguido expulsar os jihadistas dois anos mais tarde, em 2014.

 

Guardião do templo

Foram dois anos de uma violência que ficou impressa nas paredes das casas, nas marcas do tiroteio, nas bombas que deflagraram. E também nas casas dos cristãos que foram arrombadas e saqueadas, tal como a igreja e tudo o que pertencia à comunidade cristã. Por ali, junto à igreja local, havia uma casa de hóspedes que acolhia turistas que visitavam o castelo, assim como um restaurante e algumas lojas. Havia… Apesar de tudo, o Padre George nunca abandonou verdadeiramente a zona. Ficou como se fosse o guardião do templo e de um tempo em que todos tinham sido felizes. Uma das suas preocupações, logo após a reconquista da região pelas forças governamentais, foi pintar uma cruz na porta das casas dos Cristãos para as proteger. As casas lá estão, esventradas de tudo o que tinham, mas aguardando a chegada dos seus donos, das suas famílias, aguardando o regresso aos risos, às conversas do dia-a-dia. O regresso à vida. As casas estão lá, mas os cristãos mostram-se ainda receosos. “A impotência destas famílias é muito grande”, diz o Padre George. Eles continuam desenraizados, vivendo em aldeias por ali, no Vale dos Cristãos, como em Marmarita e Kafra, a apenas 10 km de distância, mas, mesmo assim, sentem que não podem regressar.

 

Fazer os impossíveis

Não podem regressar, pois estão sem trabalho. Viviam quase todos do turismo que, entretanto, desapareceu. O que tinham foi roubado. As casas estão agora vazias e precisam de obras, e a aldeia continua sem água nem electricidade. Recuperar a aldeia é, apesar de tudo, relativamente simples. As casas podem sempre ser consertadas. Mas que dizer das pessoas? Como é que se reconstrói a alegria, como é que se recupera o tempo perdido? O Padre George sabe que vai ser difícil o regresso à aldeia feliz de outros tempos. Mas não desiste e continua em contacto com todos os seus paroquianos. “Estamos a fazer os impossíveis para ajudar as famílias a sobreviverem no dia-a-dia, de maneira a que elas possam regressar um dia destes.” Para já, Qalat’al Hons continua a parecer uma aldeia fantasma. Mas o Padre Maamary não desiste e sonha com o dia em que se vai voltar a rezar o Pai Nosso na Igreja de Nossa Senhora da Assunção… E, para isso, ele conta com a nossa ajuda. Com a sua ajuda.

 

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Quer ajudar o Padre George na reconstrução da aldeia cristã de Qalat’al Hons? Contacte a Fundação AIS em fundacao-ais.pt, ou pelo telefone 217 544 000. Obrigado!

texto por Paulo Aido, Fundação Ajuda à Igreja que Sofre
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