Passou (quase) desapercebido entre nós. E se alguns ecos dele a nós chegaram, não foi por causa da substância do que aí efectivamente se disse. Foi antes pela polémica mediática que ao seu redor se quis iniciar. Falo do recente discurso de Emmanuel Macron, presidente da República Francesa, perante o episcopado desse país (Collège des Bernardins, Paris – 9/4/2018). É certo que o jovem presidente francês surgiu na cena política com velocidade meteórica, não sendo, portanto, de excluir que dela venha sair como estrela cadente. Só o tempo o dirá. É igualmente certo que ele vem preenchendo um espaço que outros, pelos mais variados motivos, vão deixando desocupado. Como se costuma dizer, por inspiração aristotélica: o poder tem horror ao vazio. Mas a forma frontal, informada e reflectida como aborda o tema melindroso das relações entre Estado e Igreja, por si só, já seria digna de nota. Sendo isso levado a cabo por quem preside aos destinos da pátria da laïcité, então este seu discurso torna-se um contributo particularmente estimulante para revisitar esta questão nunca resolvida.
A sua reflexão parte da verificação de um problema: a deterioração das relações entre Igreja e Estado, um presente «repleto de incompreensões e desconfianças mútuas». Procura-se «reparar» estas mesmas relações. Elege-se um método fundamental: um «diálogo em verdade». Desta sua longa intervenção, retenho, em especial, duas observações.
Por um lado, destaco o reconhecimento da dupla força que anima o cidadão crente: religiosa e civil; espiritual e humanista. Dupla força essa que, não podendo ser confundida, não pode também ser separada. Mais: dupla força que, em momentos decisivos, pode soprar no mesmo sentido. Na boca de um actor político, o reconhecimento de que assim é servirá, seguramente, de incentivo para uma compreensão mais positiva do mérito público e político do religioso. Mas também, por coerência, de alerta para a importância de as Igrejas saberem escutar as inquietações desse mesmo espaço público.
Por outro lado, anoto o diagnóstico que Macron faz da forma como as comunidades católicas vêm alterando a sua forma de contribuição à «coisa pública». Essa transformação decorre, segundo ele, também de um «desapontamento» dos católicos para com o jogo político. A incompreensão desta metamorfose fez com que os actores políticos tratassem o «eleitorado católico» como se de uma unidade homogénea se tratasse, ignorando «diversidade e a vitalidade» internas à comunidade eclesial. A distracção a respeito do universo crente tornou desapercebida a muitos como os católicos «se voltaram massivamente para a acção associativa», porventura, como escape de um terreno político que sentem cada vez mais estrangeiro. Se esta verificação serve de alerta para que os actores políticos reencontrem os católicos onde eles hoje se encontram, serve igualmente de apelo a que estes não desertem por completo do terreno, sujo mas inevitável, da política. Enriquecendo-a com o que Macron assim sintetiza: «o dom da vossa sabedoria; o dom do vosso compromisso; e o dom da vossa liberdade». Eis, pois, uma resposta possível a essa pergunta incontornável: afinal, que contributo espera o Estado da parte dos crentes?