Lisboa |
Cónego Alfredo Cerca (1942-2018)
Um sacerdote que gostava de falar da Palavra de Deus
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Era um padre próximo, cujo nome fica ligado ao Externato de Penafirme e ao nascimento do escutismo no Oeste. O cónego Alfredo Cerca faleceu no passado dia 3 de julho, aos 75 anos, com o Cardeal-Patriarca a destacar o “cuidado pastoral” do sacerdote.

 

O Cardeal-Patriarca de Lisboa recordou as “atitudes verdadeiramente pastorais de cuidado” do cónego Alfredo Manuel Cerca, sacerdote do Patriarcado de Lisboa falecido a 3 de julho, aos 75 anos. Amigo de longa data do cónego Cerca, D. Manuel Clemente destacou, na Missa exequial, na igreja da Silveira, no dia seguinte ao falecimento, “a vida e o exemplo” do “nosso caríssimo padre Alfredo Cerca”. “Tive a graça de o conhecer, desde o princípio do seu ministério, quando ele, recém-ordenado, veio para aqui, para Penafirme – eu era um jovem aqui da paróquia vizinha de Torres Vedras –, e rapidamente contactámos, e ainda mais, depois, a partir de meados dos anos 60, quando nos dedicámos, de alma e coração, a esta aventura magnífica que foi o escutismo no Oeste, que hoje tem quase meia centena de agrupamentos. Com que alma e com que coração eu vi o padre Cerca dedicar-se a esta ‘empresa’ de que ele foi o primeiro assistente”, lembrou.

Na sua homilia, o Cardeal-Patriarca recordou depois o percurso eclesial do cónego Cerca. “Depois de Penafirme para o Bombarral, do Bombarral outra vez para Penafirme, para o Externato, e finalmente esta paróquia, da Silveira, com essas atitudes verdadeiramente pastorais de cuidado – bastava ouvi-lo falar deste ou daquela pessoa, daquele acontecimento. Era com envolvimento pessoal, com cuidado, para que as coisas andassem bem”, destacou.

D. Manuel Clemente partilhou ainda a última conversa que manteve com o sacerdote agora falecido, aquando do início do internamento hospital: “Ele disse-me: ‘Eu ainda queria voltar, porque eu gosto das pessoas e de lhes falar da Palavra de Deus’. Que testamento magnífico. Este é o ponto pastoral perfeito: cuidar e alimentar”.

 

Pelo exemplo

O cónego Alfredo Cerca, ou simplesmente padre Cerca, como gostava de ser tratado, era, desde 2012, pároco ‘in solidum’ da Paróquia da Silveira e celebrou 50 anos de sacerdócio há dois anos. Nessa ocasião, em entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE, salientava que “a Igreja, todos nós, temos de trabalhar bastante no sentido de criar comunidades”. Defendeu que a criação de “comunidades vivas, a começar pela comunidade da família”, é “o mais difícil”, mas também “o mais necessário”. “É tão importante a comunidade familiar, para que as novas gerações surjam de uma forma sadia e com esperança no futuro”, acrescentava o padre Cerca, um sacerdote que gostava de desafiar a Igreja a ser exemplo. “Uma das formas que a Igreja tem de mostrar um verdadeiro serviço à sociedade é ser um exemplo, de comunidades vivas, empenhadas, em que não se descanse no ministério do padre, mas que o padre esteja efetivamente ao serviço da animação das pessoas, em ordem a uma vivência. É por aqui que deve passar tudo”, apontava, há cerca de dois anos, aquando dos 50 anos da ordenação.

Natural do Arneiro, na Merceana, concelho de Alenquer, onde nasceu a 1 de outubro de 1942, o padre Cerca recordava-se, na entrevista ao nosso jornal, de ser criança e “ter gosto em ir a procissões e à Missa”. “Tinha já uma certa orientação para ser padre”, brincava. “A minha vocação para padre foi despertando no seminário, assim como o meu gosto de poder vir a ser padre”, contava, então. A ordenação foi a 15 de agosto de 1966, uma segunda-feira, pelo cardeal Cerejeira, na Sé de Lisboa. “Dou graças a Deus por ser padre e por Deus me ter dado o dom da fidelidade durante estes anos todos, apesar das minhas limitações e das tribulações por que fui passando”, destacava.

 

Missão pelo ensino

Após a ordenação, a primeira missão do recém-ordenado sacerdote foi o ensino. Foi prefeito e professor de Latim, e depois também de Português, no Seminário de Penafirme. Foram cinco anos, entre 1966 e 1971. Entretanto, foi para o colégio do Bombarral, que pertencia ao Patriarcado de Lisboa, dar aulas de Religião e Moral, Português e História, e foi igualmente coadjutor em três paróquias: Bombarral, Vale Côvo e Pero Moniz. Foram cinco anos com o padre Alberto Teixeira Dias, e depois, a partir de 1976, mais cinco com o padre Fernando Guerra Ferreira.

Hoje, perante a notícia do falecimento do padre Cerca, o padre Guerra recorda, ao Jornal VOZ DA VERDADE, o “ambiente familiar” que então viveu com o seu colega sacerdote. “O primeiro ponto que gostaria de salientar é a vida familiar que fizemos nesse tempo. Ele era mais novo do que eu dez anos, tínhamos feitios e temperamentos diferentes, mas demo-nos sempre muito bem, com um grande respeito um pelo outro”, começa por referir, sublinhando que “os almoços” eram “o grande ponto de reunião”. “Foi à mesa que combinámos muita coisa, pastoralmente”, assegura o padre Guerra.

Este sacerdote, de 87 anos, destaca depois “a seriedade do padre Cerca” e conta um episódio a justificar: “Ele preparava as homilias e as aulas com uma seriedade espantosa. Um dia aconteceu que não teve tempo de preparar uma homilia. Chegou à Missa e, na altura de fazer a homilia, disse às pessoas: ‘Eu não tive oportunidade de preparar esta homilia. Vamos fazer silêncio’. E, depois da Palavra, fez uns minutos bons de silêncio. Isto só significa seriedade. Não esteve a dizer ‘balelas’ na homilia, como por vezes ouvimos. Isto marca a seriedade do Cerca”, salienta.

O padre Fernando Guerra lembra que, naquele tempo, não havia escutismo no Bombarral, algo que só aconteceu em 1978, com a fundação do Agrupamento 516 Bombarral do CNE – Corpo Nacional de Escutas, pela sua mão e do padre Cerca, que foi, inclusive, o primeiro chefe no novo agrupamento. “Com a criação dos escuteiros, queríamos sobretudo entrar em contacto com a juventude”, lembra o padre Guerra, assumindo que foi “bastante exigente” com este projeto, mas mostrando-se feliz por “ter dado resultado”.

 

Um homem de dedicação

1978 foi também o ano em que o padre Alfredo Cerca terminou a licenciatura em História, na Faculdade de Letras de Lisboa. A partir de 1980, lecionou na Escola Secundária de Caldas da Rainha e no Externato de Penafirme, onde viria a ser diretor pedagógico, a partir de 1986, durante 26 anos, até 2012.

O padre Samuel Pulickal, indiano, conheceu o padre Cerca no verão de 2008, quando chegou a Portugal. Foi o sacerdote agora falecido que lhe arranjou trabalho no Externato de Penafirme, durante o tempo de férias do Seminário dos Olivais. “O padre Cerca arranjava-me sempre trabalho! Era uma maneira de eu conseguir uma casa onde ficar, e também de me ajudar. No verão, era preciso fazer a manutenção do externato, como pinturas, limpezas, e devido à ausência de funcionários fazia vigilância noturna, mas também diurna”, recorda, ao Jornal VOZ DA VERDADE, o sacerdote indiano, de 34 anos.

No primeiro ano que foi para o externato, o padre Samuel começou por pernoitar no Seminário de Penafirme, mas nos anos seguintes ficou instalado numa casa do padre Cerca, junto à capela do externato. Hoje, recorda com saudade as palavras do padre Cerca logo na primeira estadia em Penafirme: ‘Sempre que quiseres, podes vir para cá… tens casa, tens comida, tens roupa lavada’. A verdade é que, em todas as férias, fossem de Natal, Páscoa ou de verão, este seminarista indiano ia passar uma temporada com o padre Cerca. “Recordo sobretudo que era um homem de dedicação. Lembro-me que até aos Domingos, após a celebração das Missas, dedicava-se ao trabalho no externato. Ia para lá, para o seu gabinete, e eu até brincava com ele e perguntava-lhe se tinha ido para a Sibéria. Era um homem de dedicação, que não fugia da responsabilidade e do trabalho”, assegura o padre indiano, que hoje é pároco de Tornada e Salir do Porto.

Ordenado sacerdote na Índia, em 2014, o padre Samuel Pulickal não esquece que o padre Cerca o acompanhou à sua terra natal, para esse dia. “Pessoalmente, o padre Cerca era como se fosse um pai. Recordo com profunda gratidão a sua amizade. Sempre foi um grande amigo, sempre foi benfeitor, sempre me ajudou neste sentido de descobrir o que é ser humano, ser sacerdote, ser cristão”, garante.

 

Gestos simples

A partir de 1990, quando estava no Externato de Penafirme, o padre Cerca desempenhou também as funções de vice-reitor do Seminário de Penafirme e, em 2001, foi nomeado prefeito do mesmo seminário. Foi também nesse ano que o cónego Eduardo Coelho foi nomeado diretor espiritual do Seminário Nossa Senhora da Graça de Penafirme, passando a conviver diariamente com o padre Cerca. “Recordo sobretudo a camaradagem, a amizade, o estar sempre atento e o ser uma pessoa positiva, empenhada e preocupada com os rapazes, mas também com pequenos gestos simples, de simpatia, como o facto de nos servir o café todos os dias”, partilha, ao Jornal VOZ DA VERDADE.

O padre Cerca, que em 2011 foi criado cónego do Cabido da Sé Metropolitana de Lisboa, colaborou também com o cónego Eduardo Coelho, entre 2010 e 2012, nas paróquias de A-dos-Cunhados, Vimeiro e Silveira. “Mesmo nas paróquias, o padre Cerca mantinha muito a dimensão do ensino e procurava ensinar, como um professor. Procurava, de facto, esclarecer as situações e vinha sempre preparado para poder responder às questões”, frisa o sacerdote. “Era um colega muito próximo”, termina o cónego Eduardo Coelho, lembrando o padre Cerca.

 

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Um sacerdote que sonhou mais longe

O padre Carlos Silva sucedeu, em 2012, ao cónego Alfredo Cerca como diretor do Externato de Penafirme. “O padre Cerca soube perceber que uma escola pequena – como era o Externato de Penafirme em 1986, quando ele começou a ser diretor –, podia ser uma escola grande, num sítio onde muita gente vivesse e onde as pessoas gostassem de viver. Os 26 anos de direção que ele aqui teve foram exatamente disso: ‘puxar’ a instituição e as pessoas – os educadores, os professores – que cá estavam para mais, para quererem mais. Não apenas para ir fazendo coisas, mas para o bom, para a qualidade, para sonhar mais longe”, refere o sacerdote, ao Jornal VOZ DA VERDADE.

O padre Carlos, que conheceu o seu antecessor em 2003, quando foi animador do Pré-Seminário, em Penafirme, destaca que “foi no tempo do padre Cerca que a escola foi crescendo, em tamanho, de espaço e de pessoas”, e que deixou uma “marca de qualidade e exigência”. “Se é possível fazer bem, então não vamos ficar contentes em fazer ‘assim-assim’. Esta exigência do padre Cerca era dirigida não só aos funcionários, mas também aos alunos”, garante o atual diretor do Externato de Penafirme, uma instituição com cerca de dois mil alunos, do 5º ao 12º ano e nos cursos profissionais, que celebrou 40 anos, em 2016.

texto por Diogo Paiva Brandão; fotos por Diogo Paiva Brandão e Filipe Teixeira
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