Lisboa |
Unidade Pastoral de Nova Oeiras e São Julião da Barra celebra 2 anos com a família Aloush
Novos laços
<<
1/
>>
Imagem

“Ter uma vida normal. Só isso”. É este o sonho que comanda a vida da família Aloush. Naturais da Síria, a mãe, Shiraz, a filha, Rohaf, e o filho, Khoshnaf, foram acolhidos, a 23 de setembro de 2016, pela Unidade Pastoral de Nova Oeiras e São Julião da Barra. Dois anos depois, as paróquias celebraram a presença desta família síria na comunidade, e procuram agora trazer para Portugal o pai, Hussin, que está na Síria.

 

Encontraram o seu lugar a mais de cinco mil quilómetros de casa. A Síria ficou para trás e a nova vida é agora em Oeiras. E também em Lisboa, para onde vão diariamente. Shiraz, Rohaf e Khoshnaf são três membros da família Aloush que, em Portugal, encontraram a paz e a segurança que procuravam. Após dois anos no nosso país, garantem que a vida, afinal, não mudou assim tanto. “Antes da guerra, a nossa vida na Síria não era muito diferente da vida que temos atualmente em Portugal: escola, casa, amigos”, salienta ao Jornal VOZ DA VERDADE Khoshnaf Aloush, o filho mais novo, de 17 anos, que ainda este ano vai atingir a maioridade. A irmã, Rohaf, de 21 anos, acrescenta que se sente marcada pelas pessoas. “O que mais gosto em Portugal é das pessoas. São muito simpáticas, abertas, querem ajudar os outros… hoje, temos muitos amigos”, salienta, de brilho nos olhos, esta jovem.

 

Tempos difíceis

A família Aloush é natural de Afrîn, que fica a pouco mais de uma hora a norte de Alepo, a maior cidade síria e onde a família residia aquando do início da guerra, em 2011. “Primeiro, fugimos para a nossa aldeia. Mas era muito perigoso, porque somos curdos e havia muitos raptos”, recorda a filha Rohaf, ao Jornal VOZ DA VERDADE. A solução passou por tornarem-se refugiados e fugirem para solo turco. Mas, “a vida na Turquia é muito difícil” e só lá ficaram “três meses”, conta. “Queríamos tentar ir para a Alemanha, ainda fomos até à Grécia, mas as fronteiras foram fechadas”, acrescenta.

Estávamos em 2015 e a família Aloush encontrava-se num campo de refugiados, em Lesbos. O filho Khoshnaf tinha então 14 anos. “Lembro-me bem desse tempo… o que mais recordo foi o caminho da Turquia para a Grécia. Foi o mais difícil. Íamos num barco, muito pequeno, e éramos 75 pessoas. Foi muito difícil, até porque nós não sabemos nadar”, lembra este jovem. Foram três meses em Lesbos e, depois, mais quatro em Atenas. Na capital grega, os três membros da família Aloush ficaram instalados num hotel, com o apoio da Cáritas local. “Foi aí que conhecemos o PAR – Plataforma de Apoio aos Refugiados, de Portugal”, conta a filha, Rohaf. Do nosso país, assumem, conheciam apenas… Cristiano Ronaldo. “Nunca tínhamos ouvido nada sobre Portugal, só conhecíamos Cristiano Ronaldo”, referem, entre sorrisos, os irmãos Aloush.

A chegada ao nosso país aconteceu a 23 de setembro de 2016. “Os primeiros dois meses foram muito difíceis. Não tínhamos amigos, a comida e a cultura eram muitos diferentes”, recorda a filha. Para o irmão, “o que mais custou foi a língua”. “Qualquer língua, quando é nova, é difícil”, considera este jovem, falando, hoje, num Português praticamente perfeito. “Falamos com muitas pessoas e isso tem sido uma grande ajuda para nós”, completa.

 

Felizes

Esta família muçulmana está instalada, desde o primeiro dia em Portugal, numa casa situada a cerca de 100 metros da igreja de São Julião da Barra, em Oeiras. Naquela noite, ao chegar à nova morada de família, o sentimento era de recomeço de vida. “Senti que estava a começar uma vida nova. Sentia que tinha de fazer muita força para continuar esta vida. Era uma vida nova. Tudo era novo”, responde Khoshnaf. A irmã, Rohaf, assume ter “tido medo”. “Não sabíamos como ia ser, o que íamos fazer…”, lembra.

Hoje, após dois anos da chegada a Portugal, a mãe Shiraz Sheiko, de 56 anos, trabalha na cozinha do restaurante Mezze, de sabores orientais, situado em Arroios, Lisboa, para onde se desloca diariamente “de comboio e de metro”. “Foi uma oportunidade muito boa”, aponta, em tom agradecido, ao Jornal VOZ DA VERDADE. Os dois filhos estudam: Rohaf está, há um ano, a tirar o curso de Ciências Biomédicas Laboratoriais e Khoshnaf está a estudar Informática.

À pergunta: ‘São felizes em Portugal?’, o filho Khoshnaf quase não deixa chegar ao fim a questão e responde, desde logo, com um grande sorriso: “Sim!”. A irmã, Rohaf, completa referindo que, afinal, a vida em Portugal não é assim tão diferente da que tinham na Síria de antigamente. “Na Síria, nós morávamos num lugar cristão, por isso, não há muita diferença”, explica.

Além dos estudos e do trabalho, a vida em Portugal é passada “junto dos amigos”. “Passamos muito tempo em Lisboa”, diz o jovem da família. “Adoramos Lisboa!”, acrescenta a irmã. “Todos os dias damos uma volta pelo rio”, frisa.

 

Resposta paroquial ao desafio papal

Foi no dia 6 de setembro de 2015, um Domingo, que o Papa Francisco desafiou “todas as paróquias, comunidades religiosas, mosteiros ou santuários” na Europa a acolher uma família de refugiados. “Perante a tragédia de dezenas de milhares de refugiados que fogem da morte, vítimas da guerra e da fome, o Evangelho chama-nos e pede para estarmos mais próximos dos mais fracos e abandonados, dando-lhes esperança”, declarou o Papa, na Praça de São Pedro, no Vaticano. Este pedido fez eco em Rita Sacramento Monteiro, da Paróquia de São Julião da Barra, que, quase de imediato, enviou um mail ao pároco a colocar-se à disposição. “Disse ao padre Nuno Westwood que tinha estado, há três anos, na Sicília, em Itália, numa missão de voluntariado num campo de refugiados, e, um ano depois, em Lesbos, na Grécia, e sentia que o próximo passo era tirar estas pessoas destes locais, que têm de ser temporários, e acolhê-las em Portugal”, conta Rita, ao Jornal VOZ DA VERDADE. Foi também por mail que José Pedro Câncio Reis, da Paróquia de Nova Oeiras, contactou igualmente o sacerdote, colocando-se ao serviço. “Quando vi os apelos do Papa, e também do nosso Bispo, mandei um mail ao padre Nuno a disponibilizar-me para colaborar. No mail, referi desde logo que se a Unidade Pastoral de Nova Oeiras e São Julião da Barra quisesse organizar algo, havia uns certos aspetos que deviam ser tidos em conta”, recorda este leigo, ao Jornal VOZ DA VERDADE.

O padre Nuno Westwood marca uma reunião com estes e outros leigos, e estavam, então, dados os primeiros passos para a criação da UPAR – Unidade Pastoral de Apoio aos Refugiados, uma equipa de voluntários da Unidade Pastoral de Nova Oeiras e São Julião da Barra, que se associou ao PAR – Plataforma de Apoio aos Refugiados de Portugal, e cujo núcleo-duro integra cinco membros das duas paróquias. “Há três anos que começou esta aventura”, frisa Rita. “Estávamos no pico da crise de refugiados, com uma cobertura mediática bastante intensa, que, entretanto, se foi esbatendo, mas, para nós, a intensidade do projeto foi aumentando”, acrescenta esta jovem.

 

Sem laços não há integração

O primeiro ano da UPAR, entre setembro de 2015 e setembro de 2016, foi de preparação para receber uma família de refugiados. “Nós não sabíamos o que era acolher uma família do outro lado do mundo, sabíamos pouco sobre a Síria, pouco ou nada sobre os costumes, sobre como integrá-los cá e, portanto, tivemos de pensar tudo, desde habitação, saúde, educação, trabalho, acesso à língua portuguesa, integração na comunidade”, refere Rita Sacramento Monteiro. Ao mesmo tempo, sublinha, “haveria que envolver a comunidade”. José Pedro lembra também “os contactos com as autarquias e com a própria Câmara Municipal de Oeiras”.

A UPAR disponibilizou-se para “acolher uma família numerosa, com muitas crianças”, porque consideravam ter “recursos para isso”, refere Rita. “Quando eu estava em Lesbos, a JRS – Serviço Jesuíta aos Refugiados comunicou-nos que estava para sair de Atenas a família que iriamos acolher”.

Rita Sacramento Monteiro não esquece o dia 23 de setembro de 2016. Foi nesta data que a família Aloush aterrou no aeroporto de Lisboa. “Fui ao aeroporto buscá-los, juntamente com outra voluntária, a Inês, e a restante equipa ficou na casa da família Aloush à nossa espera. Lembro-me que na noite anterior estava muito nervosa, muito ansiosa, mas ao mesmo tempo parecia que ia buscar familiares. Nunca tinha tido esta sensação, porque ia buscar pessoas que não conhecia, mas que já gostava deles”, recorda, lembrando que a comunicação foi feita “em inglês e com gestos”. “Foi um dia muito bonito, marcante”, assegura.

Hoje, a família Aloush tem “mais possibilidades financeiras do que quando chegou”, mas o apoio é para continuar. “Eles ainda precisam da nossa ajuda e temos um acordo de colaboração para o próximo ano”, garante Rita. “Uma das coisas que aprendemos com este projeto é que a integração de pessoas de outro país vai muito além de formalismos, burocracias, regras e tempos definidos. As pessoas precisam de criar laços. Sem laços, não há integração e para isso é preciso investir tempo e conhecer o outro”, sublinha Rita Sacramento Monteiro, destacando a “responsabilidade cristã e moral” que as comunidades sentem para “continuar a ajudar a família Aloush no que for preciso”. José Pedro garante que “enquanto eles não forem autónomos, nós estamos cá”.

 

Reunir a família

Além de Shiraz, Rohaf e Khoshnaf, a família Aloush é ainda composta pelo pai, Hussin Aloush, que está na Síria, tal como a filha mais velha, Rijaf Aloush, de 25 anos, que era professora de Francês. Em Istambul, na Turquia, ficou Zanaf Aloush, de 23 anos, o segundo filho mais velho, que terminou o Ensino Secundário na Síria, mas que, com a guerra, não continuou os estudos.

Nos últimos tempos, a UPAR tem lutado para trazer para o nosso país o pai da família Aloush, Hussin, que tem o curso de Química Aplicada e trabalhava numa empresa onde fazia medicamentos. “Há um ano que meu pai não trabalha”, lamenta Rohaf. Há já três anos que os Aloush não veem o pai. “Agora é difícil manter contacto. As chamadas-vídeo duram três segundos e vão abaixo”, revela Khoshnaf.

José Pedro Câncio Reis salienta que tudo está a ser feito para juntar a família Aloush. “Entrámos num processo de reagrupamento familiar, que está a decorrer. Sai fora deste projeto de acolhimento à família, mas estamos a desencadear todos os possíveis para trazer o pai desta família para Portugal. E, em princípio, será possível”, refere, em tom esperançado, este leigo.

 

Sonhos

O sentimento da família Aloush para com as comunidades cristãs de São Julião da Barra e Nova Oeiras é de agradecimento. “Agradecemos muito! Eles ajudaram-nos muito, muito, muito”, responde Rohaf, procurando não deixar sair a lágrima que teimava cair pelo rosto. O futuro? “Desejo que vá correr bem”, aponta a jovem. “O meu plano é acabar o meu curso e abrir uma clínica”, completa. “Em Portugal?”, perguntamos. “Sim, claro!”, responde, confiante. Os projetos do irmão não são muito diferentes. “Quero acabar a escola, arranjar o meu trabalho. Uma vida normal. Só. Só isso”, deseja Khoshnaf, de olhar confiante no rosto. À mãe da família Aloush perguntamos se pensa abrir um restaurante. Shiraz, a mais tímida dos três, garante: “Um dia…”. “Mas o meu sonho é ter cá o meu marido”, sublinha.

texto e fotos por Diogo Paiva Brandão
A OPINIÃO DE
Guilherme d'Oliveira Martins
Quando Jean Lacroix fala da força e das fraquezas da família alerta-nos para a necessidade de não considerar...
ver [+]

Tony Neves
É um título para encher os olhos e provocar apetite de leitura! Mas é verdade. Depois de ver do ar parte do Congo verde, aterrei em Brazzaville.
ver [+]

Tony Neves
O Gabão acolheu-me de braços e coração abertos, numa visita que foi estreia absoluta neste país da África central.
ver [+]

Pedro Vaz Patto
Impressiona como foi festejada a aprovação, por larga e transversal maioria de deputados e senadores,...
ver [+]

Visite a página online
do Patriarcado de Lisboa
EDIÇÕES ANTERIORES