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António Bagão Félix
Onde estamos nós perante o ataque à família?
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Começo por referir, com tristeza, três situações insólitas recentes. A primeira referente a um professor de uma universidade pública, dito “dinamizador do poliamor (!) em Portugal”, que num programa televisivo disse que “quando a avozinha ou o avozinho vai lá a casa e a criança é obrigada a dar o beijinho à avozinha ou ao avozinho, estamos a educar para a violência sobre o corpo do outro ou da outra, desde crianças”. A segunda situação tem a ver com um inquérito numa escola pública em que alunos do 5.º ano (9/10 anos de idade) foram questionados sobre se se sentem “atraídos por homens, mulher ou ambos” e sobre o seu sexo (masculino, feminino ou … outro!), tudo no âmbito da disciplina de Cidadania (!). A terceira, a de um novo reality show numa tv generalista chamado “Casados à Primeira Vista”, no qual os participantes vão casar com alguém que nunca viram antes e que só conhecem no próprio dia do casamento.

Estes três exemplos ilustram algumas das faces moral e eticamente sórdidas e tóxicas com que se ataca a família enquanto primeira e mais decisiva instituição moral e referencial na conjugação de valores e de saberes e enquanto útero social que melhor conjuga o ter e o ser, a vida e o trabalho, a liberdade e a responsabilidade, o dar, o amar e o transmitir.

A família é a única forma de conjugação natural. Nasceu com o Homem e existe antes do Estado. É o mais intemporal património da humanidade, um bem para todos e não um mal para alguns. Não foi inventada cientificamente, não resulta de qualquer legado jurídico, não foi imposta por qualquer acto administrativo, não germinou fruto de uma qualquer ideologia, não é o resultado de meras circunstâncias ou contingências históricas, nem é moldável por ideologias do género que subjuguem o seu fundamento antropológico.  

Na família – essa unidade feita da diversidade – todos dependemos de todos. Não somos invulneráveis, nem perfeitos, mas imperfeitos e dependentes. Na família ninguém é mais pessoa, mas todos podem ser melhores pessoas. A família é a instituição que melhor conjuga a diversidade e integridade das aspirações materiais dos seus membros (o ter) com as aspirações cognitivas (o saber), as atitudes cívicas e os códigos de convivialidade (o estar) e as necessidades afectivas (o amar) e o sentido de entreajuda (o dar).

Acontece que, cada vez mais, o que parece estar na “moda” não é falar do casamento, mas da sua dissolução e do “divórcio na hora”; não é defender a exigência, mas espraiar a lógica divorcista de um mero contrato que corre o risco de se tornar o mais fácil de romper; não é cuidar dos velhos quando a cura já não é possível, mas do seu direito à eutanásia; não é promover o exemplo da exigência, mas do facilitismo permissivo; não é investir na maturidade afectiva mas estimular a precocidade sexual; não é ser pela defesa incondicional da vida, mas deixar-se fascinar por certa biotecnologia desumanizada.

Assim se fala biologicamente do feto e não afectivamente do filho por nascer. Assim se fala, neste caso, da mulher e não da mãe e se ignora, ou pior, se desresponsabiliza o pai. Assim se desconsideram os anciãos como uma espécie de fardo pesado e inútil e não portadores de vida e de sabedoria.

É preciso lutar. Não para sustentar visões arcaicas de família. Não para isolar a família como uma entidade fechada sobre si mesma e à margem das transformações profundas que se vão verificando. Mas para defender e promover uma concepção dinâmica, moderna, arejada, actuante e responsável da família que reforce e potencie os seus traços essenciais de partilha, solidariedade, entreajuda e amor.

Esta luta tem adversários poderosos, umas vezes mais à luz do dia, outras vezes mais larvares, mas nem por isso menos dissolventes. Adversários que se servem no plano ético, do relativismo; no plano comportamental, da indiferença e da licenciosidade; no plano da vida, da propagação da cultura da morte; no plano espiritual, do positivismo hedonista e da cultura da satisfação; no plano geracional, do egoísmo; no plano social, do individualismo predador; no plano económico, do utilitarismo puro e duro; no plano religioso, do fanatismo religioso ou ateu.

Fora da família, todas as soluções são falsas, circunstanciais e efémeras. Mas perante o que se passa, onde estamos nós? Como nos podemos demitir vencidos pela pressa, pela angústia, pela indiferença, pela acomodação, pela resignação, pela rotina? Como nos deixamos cobardemente subjugar pelo tsunami fracturante que ameaça a família? E a Igreja onde está, por vezes mais virada para si mesma e menos assertiva e corajosa na defesa dos valores humanistas da família?

 

(Por vontade expressa, escrevo com a grafia anterior ao AO)