Lisboa |
Padre Raul Cassis Cardoso (1928-2019)
O pároco que ajudou a florescer a fé em Alverca e Cascais
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Foram 38 anos ao serviço da Paróquia de Cascais, depois de 11 em Alverca. Missões que deixaram saudades e estima entre os que o conheceram, que sublinham a sua dedicação à Igreja, a assertividade e também o sentido de humor. O padre Raul Cassis Cardoso faleceu a 14 de janeiro, no hospital de Leiria. Tinha 90 anos.

 

Raul Cassis Cardoso nasceu a 3 de dezembro de 1928, na Zibreira, ingressando no Seminário de Santarém com 11 anos. Depois de vários anos de formação, foi ordenado sacerdote em 1952, e nomeado pároco de três paróquias de Tomar: Carregueiros, Sabacheira e Pedreira. Em 1959, foi servir a comunidade paroquial de Alverca onde implementou uma forte dinâmica pastoral e deixou uma marca inesquecível. “O padre Raul, que chegou com 31 anos, foi um sacerdote importantíssimo para a Paróquia de Alverca, até porque foi o primeiro pároco residente após um longo interregno de 49 anos, provocado pela Implantação da República. Perante esta ‘grande messe e a escassez de operários’, foram admiráveis o empenhamento e dinamismo utilizados, em chamar ao serviço da paróquia quantos entendia serem necessários. A comunidade cristã cresceu e consolidou-se na fé, as obras da paróquia floresceram”, frisa Alfredo Marujo, ao Jornal VOZ DA VERDADE, um leigo nascido em 1952, que conheceu o padre Raul quando tinha 7 anos. “Ele acompanhou todo o meu tempo de catequese, profissão de fé, e acompanhou-nos pela vida fora, mesmo para além do limite temporal na paróquia. Foi uma amizade que o tempo não conseguiu dissipar”, partilha.

Em termos de apostolado do padre Raul, Alfredo Marujo destaca “a obra grandiosa da catequese e apoio a todos os grupos paroquiais”, a “criação do agrupamento de escuteiros”, a “fundação da Telescola” e dos “cinco lares para os rapazes trabalhadores das OGMA – Oficinas Gerais de Material Aeronáutico”.

 

Uma marca em Alverca

António Lourenço Luís, natural da Carvoeira, em Torres Vedras, é outro dos leigos que colaborou diretamente com o padre Raul em Alverca. “Quando era jovem, acabei o meu curso de Industrial e fui trabalhar para as Oficinas de Alverca. Isto foi em 1958-59, ano em que o padre Raul chega a Alverca e é também nomeado capelão das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico e do Depósito Geral de Material da Força Aérea”, começa por referir, ao Jornal VOZ DA VERDADE, sublinhando a missão do sacerdote em terras ribatejanas. “Deixou muitas marcas em Alverca. Mas há uma que me toca particularmente: a criação de lares. Naquele tempo, as Oficinas de Alverca tinham muitos garotos, com 18, 19, 20 anos, vindos dos mais diversos pontos do país, que chegavam como trabalhadores com possibilidade de progredir em tecnologia. Alverca não tinha capacidade para alojamento desta gente toda, pelo que alugávamos quartos, íamos comer às pensões, mas quase não convivíamos. O padre Raul criou então um lar – mais tarde fundou outros quatro –, que eu tive a satisfação de ser o primeiro diretor, e isto foi algo que de tal maneira marcou o nosso tempo que, ainda hoje, nós comemoramos o aniversário do lar”, conta. “Perdi talvez o meu maior amigo”, termina, emocionado, António Lourenço, hoje com 80 anos.

 

Entusiasmo que entusiasmava

Após 11 anos em Alverca, o padre Raul chegou a Cascais em 1970, onde encontrou uma paróquia com muitas dificuldades e desafios. Aqui empreendeu um vasto trabalho de evangelização, deu um forte impulso à catequese e formação, dinamizou obras de reparação de algumas igrejas e ergueu outras. Esteve profundamente ligado ao Movimento dos Cursos de Cristandade – tendo sido diretor espiritual desde 1977 a 2008 –, ao agrupamento de escuteiros, à Legião de Maria e às conferências de São Vicente de Paulo.

São Morais, do movimento dos Cursilhos, recorda a primeira Eucaristia que o padre Raul celebrou em Cascais, como viria a referir depois, “com grande sofrimento, numa altura muito problemática e difícil da paróquia”. E testemunha a dedicação com que participava nas reuniões, “sempre com a palavra certa, com um entusiasmo que entusiasmava todos, com uma entrega ilimitada durante muitos e muitos anos”.

 

“O mais importante é o Sacrário”

Foi também através do movimento dos Cursilhos, e pela mão do padre Raul, que Fernando Santos diz ter conhecido “Cristo vivo e presente no meio de nós”. O selecionador nacional de futebol foi um grande amigo do padre Raul e é com emoção que recorda a importância que este teve na sua vida. Há 22 anos, afirma, “comungámos quase em simultâneo o mesmo sentimento de perda, ele a sua irmã e eu o meu pai. A partir daí a nossa relação, posso dizer sem medo de errar, passou a ser ‘pai e filho’”.

Fernando Santos recorda alguns momentos que passaram juntos: a Peregrinação à Terra Santa, a descoberta do silêncio de Fátima e da capela do Santíssimo, as consoadas em sua casa, a última visita que o antigo pároco de Cascais lhe fez à Grécia, acompanhado do atual, padre Nuno Coelho. “Agradeço por todos eles”, recorda, sublinhando o ensinamento que recebeu do amigo: “Lembro-me bem de quando me dizias: ‘Todos os altares são importantes, mas o mais importante é o Sacrário quando a luzinha está acesa’”. Era “um grande homem”, sublinha, “um coração de manteiga que se escondia por detrás daquela capa. Um exemplo do ditado ‘quem vê caras não vê corações’”.

O selecionador evoca o último momento que passou com o padre Raul, há pouco mais de um mês, e lamenta não ter conseguido acompanhar o amigo nos últimos dias: “Desculpa por não te ter visitado no Hospital, foi a única vez que não cheguei a tempo”. O amigo relata ainda um pormenor curioso desta ligação ao ex-pároco de Cascais: “Sabes, que se hoje sei a data do meu batismo a ti o devo. E, sabes, ‘coincidência’: fez precisamente 64 anos no dia que o teu corpo desceu à terra”.

 

Verdade e coerência

O padre José Paulo Machado Freitas, da Congregação do Espírito Santo, que foi ordenado sacerdote em Cascais em 2017, recorda o seu pároco de infância e o papel importante no seu discernimento vocacional. Na homenagem pessoal que dirigiu ao padre Raul, no 60º aniversário da sua ordenação, em 2012, escreveu: “Enquanto criança, sempre participei na Eucaristia na Paróquia de Cascais. E eram raras as vezes que não via o Sr. Padre Raul a presidir à celebração da Eucaristia. Essa sua dedicação, este seu serviço, fez com que eu me sentisse interpelado: por que não eu?”.

Outra marca profunda do padre Raul em Cascais passa pelo escutismo, pois foi o repto que lançou a um grupo de jovens para que se juntassem com ele a ler um livro sobre o Escutismo, em 1981, que deu origem ao agrupamento 729 do Corpo Nacional de Escutas, fundado em 1984. Andreia Barata é dirigente deste agrupamento e uma das jovens desse tempo. Recorda a forma como o padre Raúl acompanhava o agrupamento: “Estava sempre connosco nos momentos mais importantes, nos momentos de festa, mas também nos momentos mais difíceis. Era exigente e procurava que fossemos sempre melhor do que somos”.

Aos jovens transmitia verdade e coerência, pedindo-lhes que procurassem ser úteis na sociedade e protagonistas da sua vida. “Já sabíamos, quando íamos falar com ele, que havia sempre uma palmadinha na cara ou um aperto de mão forte. A força era na medida em que gostava de nós, era a sua forma de o mostrar, já que não era de falar de lamechices”.

 

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Cardeal-Patriarca destaca “o anúncio da Ressurreição” que o padre Raul Cardoso testemunhou

“Ao longo de toda a sua vida, compartilhou um apelo e manifestou uma certeza: o Senhor está vivo”, destacou o Cardeal-Patriarca de Lisboa, na Missa exequial do padre Raul Cassis Cardoso, que decorreu no dia 16, na Zibreira, em Torres Novas, Diocese de Santarém. Na homilia da celebração, que reuniu muitos amigos, ex-paroquianos e sacerdotes, que se deslocaram à sua terra natal para lhe prestar uma última homenagem, D. Manuel Clemente lembrou a “tão boa e justificada recordação” que o padre Raul deixou nos locais por onde passou, mas também a “persistência” e “convicção” do sacerdote falecido a 14 de janeiro, aos 90 anos. “A última palavra já a temos na ressurreição de Jesus Cristo: o nosso redentor está vivo, o Senhor Ressuscitou. Foi isso que durante a sua dilatada existência, graças a Deus, o padre Raul fez em tanto lado: nos batismos que fez, no acompanhamento das vidas cristãs, no anúncio de Jesus Cristo nas suas comunidades e no movimento dos Cursilhos, em todas as circunstâncias”, salientou ainda D. Manuel Clemente.

 

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Perfil

O padre Raul Cassis Cardoso nasceu a 3 de dezembro de 1928 e era natural da Paróquia da Zibreira, na Diocese de Santarém. Fez a sua formação nos Seminários de Santarém, Almada e Olivais, entre 1940 e 1952, tendo sido ordenado sacerdote, pelo Cardeal-Patriarca D. Manuel Gonçalves Cerejeira, a 29 de junho de 1952. Exerceu o seu ministério como pároco de Carregueiros, Sabacheira e Pedreira, em Tomar, entre 1952 e 1959, tendo sido assistente da Ação Católica Operária, masculina e feminina, em Carregueiros e Pedreira, e professor de Religião e Moral na Escola Industrial e Comercial de Tomar, entre 1956 e outubro de 1959. Nesta data, tomou posse da Paróquia de Alverca do Ribatejo, acumulando, a partir de 1961, com o Calhandriz, tendo permanecido nestas paróquias até 1970. Entretanto, em 1967 é nomeado capelão titular da Força Aérea.

Foi assistente da Ação Católica Operária, masculina, JOC e LOC, em Alverca, criou o Ensino à Distância, Telescola, em Alverca, além de cinco lares para rapazes, trabalhadores das OGMA – Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, também em Alverca. O padre Raul lecionou Religião e Moral na Escola do Ciclo Preparatório e, em maio de 1970, fundou o Agrupamento de Escuteiros em Alverca. Nestes anos, entre 1959 e 1970, foi também capelão militar da Força Aérea. Em agosto de 1970, é nomeado pároco de Cascais, sendo assistente do Agrupamento de Escuteiros de Cascais, desde a sua fundação. De 1975 a 1977, foi professor de Religião e Moral do Ciclo Preparatório nas escolas João Lúcio de Azevedo, na Pampilheira, João de Deus, no Monte Estoril, Henrique Seixas, em Cascais, e Cidadela, também em Cascais. Este sacerdote foi ainda diretor espiritual dos Cursos de Cristandade, entre 1977 e 2008. Em 1981, tomou posso como capelão do Hospital Distrital de Cascais, onde ficou 20 anos, tendo sido também administrador paroquial de São Pedro e São João do Estoril, entre 1989 e 1990, e vigário da Vara de Cascais, de 1993 a 2001, além de pároco interino do Estoril, entre março e julho de 1995. O padre Raul Cassis Cardoso, que foi pároco de Cascais de 1970 a 2008, foi também assistente de duas Equipas de Casais de Nossa Senhora.

texto por Rita Carvalho e Diogo Paiva Brandão; fotos da Paróquia de Cascais
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