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Pedro Vaz Patto
Entre nacionalismo e globalismo
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Ao ouvir o discurso de posse (http://bit.ly/discursoernesto) do novo ministro dos negócios estrangeiros do Brasil, do governo de Bolsonaro, Ernesto Araújo, fiquei impressionado pelo brilho da retórica e pelo seu conteúdo, bem diferente da mentalidade secularista e relativista hoje dominante.

O discurso começa com a citação da frase de São João «A Verdade vos libertará». Nele se afirma que «a Verdade está nos que seguiram a bandeira dos seus reis e dos seus santos». E que a «luta pela nação é a mesma luta pela família, a vida e a humanidade na sua dignidade infinita de criatura». Ao enunciar as linhas que guiarão a política externa brasileira, faz-se alusão ao direito a nascer como o primeiro dos direitos humanos (na verdade, o mais agredido e que hoje é esquecido em quase todas as instâncias nacionais e internacionais).

O tom do discurso é, pois, marcadamente nacionalista e contrário aquilo a que nele se designa como “globalismo”, tido por uma ameaça às tradições culturais e religiosas das várias nações. Por isso, são exaltadas as políticas dos atuais governos dos Estados Unidos, de Israel, da Hungria, da Polónia e da Itália.

O perigo grave que vejo é o de associar, como fazem estes governos, essas tradições à hostilidade para com o “outro” e o estrangeiro. Tal significa passar de um são patriotismo ao chamado «nacionalismo de exclusão». Dessa tendência são reflexo as atitudes desses governos quando recusam o acolhimento de refugiados que fogem da guerra ou de náufragos em perigo de vida; quando, em suma, colocam os supostos interesses nacionais («America first») acima do valor supremo da fraternidade universal, valor que, como poucos, caracteriza a “novidade” cristã. A tradição cristã é, assim, reduzida a um formalismo inautêntico.

Em sentido contrário a este, os últimos Papas têm enaltecido o papel das organizações internacionais ao serviço de um bem comum universal. Num seu célebre discurso à assembleia geral da O.N.U., de 5 de outubro de 1995, São João Paulo II afirmou que esta organização deverá ser um «centro moral no qual todas as nações do mundo se sintam em casa, desenvolvendo a comum consciência de ser uma espécie de família de nações».

O Papa Francisco, no seu mais recente discurso ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé, de 7 de janeiro, salientou a importância do multilateralismo e das organizações internacionais (sem esquecer os seus defeitos) e os perigos do ressurgimento do nacionalismo (que não confundiu com a valorização das identidades nacionais). Relembrou o período entre as duas guerras mundiais, onde as tendências nacionalistas minaram as primeiras organizações internacionais, com trágicas consequências. De entre os males da globalização que poderão explicar o ressurgimento do nacionalismo hoje, salientou a «maior preponderância nas organizações internacionais de poderes e grupos de interesses que impõem as suas perspetivas e ideias, desencadeando novas formas de colonização ideológica, não raro desrespeitadoras da identidade, dignidade e sensibilidade dos povos». E aludiu também à «reação em determinadas áreas do mundo a uma globalização que se desenvolveu, sob certos aspetos, de maneira demasiado rápida e desordenada, de modo que entre globalização e situação local se gera tensão». Para superar essa tensão, afirma que é necessário «prestar atenção à dimensão global sem perder de vista o que é local». A uma globalização “esférica”, «em que se nivelam as diferenças e as particularidades parecem desaparecer», há que contrapor uma globalização “poliédrica”, que favoreça «uma tensão positiva entre a identidade de cada povo e país e a própria globalização, de acordo com o princípio que o todo é superior à parte».