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Cimeira ‘A Proteção dos Menores na Igreja’, no Vaticano
“Erradicar tal brutalidade do corpo da nossa humanidade”
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Foi uma cimeira inédita onde se refletiu sobre a “monstruosidade dentro da Igreja” – como classificou o Papa Francisco – e se deram importantes passos para enfrentar, numa “luta total”, os casos de abusos sexuais de menores na Igreja. No Vaticano, trabalhou-se por “transformar este mal numa oportunidade de consciencialização e purificação”.

 

“Chegou a hora de colaborarmos, juntos, para erradicar tal brutalidade do corpo da nossa humanidade”. Estas palavras do Papa Francisco, no discurso de conclusão da “inédita” cimeira sobre a proteção de menores na Igreja, apontaram a firmeza e o compromisso que a Igreja quer implementar na erradicação dos abusos sexuais de menores. O trabalho de quatro dias, entre 21 e 24 de fevereiro, envolveu 190 participantes – entre patriarcas, cardeais, arcebispos, bispos, superiores de institutos religiosos e outros responsáveis –, reconheceu a “gravidade” deste flagelo em várias “culturas e sociedades” e procurou apontar, pediu o Papa, para “medidas concretas e eficazes a aplicar” pela Igreja, em todo o mundo. “O santo povo de Deus olha para nós e espera de nós não apenas condenações simples e óbvias”, observou Francisco, no início dos trabalhos.

 

Devolver a credibilidade

Neste encontro no Vaticano, no final do mês de fevereiro, foram várias as intervenções que revelaram algumas falhas da própria Igreja ao lidar com o assunto dos abusos sexuais de menores, sobretudo ao não oferecer o acompanhamento devido às vítimas. Durante as intervenções do primeiro dia, o Arcebispo de Manila, nas Filipinas, cardeal Luis Antonio Tagle, referiu que a “falta de resposta ao sofrimento das vítimas, sim, ao ponto de rejeitar e encobrir o escândalo para proteger os seus autores e a instituição, feriu o nosso povo, deixando uma ferida profunda no nosso relacionamento com aqueles a quem fomos enviados para servir”. “O nosso povo precisa que nos aproximemos das suas feridas, que reconheçamos os nossos pecados se quisermos dar um testemunho autêntico e credível da nossa fé na ressurreição”, exortou o cardeal filipino, no primeiro dia, dedicado ao tema ‘Responsabilidade’, onde também foram escutados alguns testemunhos de vítimas que criticaram o encobrimento, mas também sublinharam o desejo de “devolver a credibilidade à Igreja”. “Aqueles que não querem ouvir o Espírito Santo e que querem continuar a encobrir, deixem a Igreja para dar lugar àqueles que, em vez disso, querem criar uma nova Igreja”, pediu uma vítima, num vídeo divulgado durante o encontro.

 

“Denunciar sempre”

No segundo dia da cimeira ‘A Proteção dos Menores na Igreja’, sobre a ‘Responsabilização’, o auditório escutou a intervenção da subsecretária do Dicastério para os Leigos, Vida e Família, Linda Ghisoni, criticando quem considera excessiva a atenção dedicada a estes casos e pedindo prioridade para as vítimas. “Como poderemos falar de proteção de menores na Igreja, de responsabilidade, de prestação de contas e transparência sem ter presentes as vítimas e as suas famílias, os abusadores, os cúmplices, os que foram injustamente acusados, os negligentes?”, questionou, antes de escutar o Papa Francisco elogiar o seu discurso. “Ouvi a Igreja falar de si mesma. Não é apenas uma questão de estilo: é o génio feminino que se reflete na Igreja, que é uma mulher”, referiu o Papa.

Neste mesmo dia, o Arcebispo de Boston, cardeal Seán Patrick O’Malley, enalteceu a importância da colaboração com as autoridades para “enfrentar e lidar com a traição cometida contra crianças e adultos vulneráveis”. Por isso, o presidente da Comissão para a Proteção dos Menores defende o comprometimento em “denunciar sempre” os casos de abuso. “A transparência representa o nosso futuro, devemos enfrentar os nossos pecados, não procurar fazê-los desaparecer”, considerou o cardeal norte-americano, num briefing com os jornalistas.

 

“Unir forças”

No penúltimo dia de trabalhos, dedicado à ‘Transparência’, a vaticanista mexicana Valentina Alazraki criticou os prelados na gestão mediática dos casos de abusos sexuais. A jornalista, correspondente no Vaticano há 45 anos, convidou os presentes a “unir forças” com os profissionais dos media, contra os “verdadeiros lobos”, os abusadores. A intervenção deixou aos presentes três conselhos para a sua comunicação nestes casos: colocar as vítimas em primeiro lugar; deixar-se aconselhar por especialistas; e profissionalizar os serviços de comunicação. A jornalista sublinhou que, perante eventuais casos polémicos, a reação nunca pode ser a de não comentar, dado que isso abre portas a que a informação seja dominada por “terceiros”, alimentando a “sensação” de que existe algum tipo de culpa, e lamentou que alguns membros da hierarquia católica considerem que a crise dos abusos sexuais é “culpa da imprensa” ou um “complô”. “Se não se decidirem, de forma radical, a estar do lado das crianças, das mães, das famílias, da sociedade civil, têm razões para ter medo de nós, porque os jornalistas, que queremos o bem comum, seremos os vossos piores inimigos”, apontou Valentina Alazraki.

O terceiro dia da cimeira ficou ainda marcado pelas declarações do cardeal alemão Reinhard Marx lamentando o “abuso de poder” que levou a Igreja a fazer o contrário do que devia. “O abuso sexual de crianças e jovens deve-se, em larga medida, aos abusos de poder na área da administração. A este respeito, a administração não tem contribuído para o cumprimento da missão da Igreja, mas, pelo contrário, tem-na obscurecido, desacreditado e impossibilitado”, afirmou D. Reinhard Marx, revelando que foram “destruídos ou nem sequer criados” documentos que poderiam ter identificado os responsáveis. “Em vez dos culpados, as vítimas é que foram reguladas e obrigadas ao silêncio. Os direitos das vítimas foram espezinhados e deixados ao critério de indivíduos”, acrescentou.

 

“Chegou a hora”

Numa celebração penitencial que reuniu todos os participantes nesta cimeira sobre a proteção de menores na Igreja, o Papa Francisco comentou a passagem do Evangelho que foi lida na sala régia do Palácio Apostólico, a Parábola do ‘Pai Misericordioso’, a qual mostra que “Deus dá esperança para o futuro”. “Para poder entrar no futuro com coragem renovada, temos de dizer como o filho pródigo: Pai, pequei. Temos necessidade de examinar, onde for necessário, ações concretas para as Igrejas locais, para os membros das conferências episcopais, para nós mesmos. Isso exige que olhemos sinceramente à situação que se criou nos nossos países e pelas nossas próprias ações”, apelou o Papa, na celebração onde foi presenciado mais um testemunho de uma das vítimas que, de viva voz, comparou os abusos a “um fantasma que os outros não podem ver”, mas que o acompanha durante toda a vida. “O que dói mais é a certeza de que ninguém te compreenderá”, declarou o jovem chileno, a viver no Kuwait, que se emocionou, durante a leitura do seu depoimento, antes de dizer: “Se me rendesse agora, ou parasse, deixaria que esta injustiça interferisse na minha vida”.

 

Oferecer todo o apoio necessário

No último dia de cimeira, no final da Missa, o Papa Francisco começou por lembrar que os abusos são um problema “global”, presentes em vários sectores da sociedade, para sublinhar a importância da resposta da Igreja. O Papa citou ainda as ‘Boas Práticas’ formuladas, sob orientação da Organização Mundial da Saúde, para acabar com a violência contra as crianças e afirmou que é necessário colaborar com a justiça e promover o “caminho da purificação na Igreja Católica, sem ‘álibis’”, destacando a exigência na “seleção e formação dos candidatos ao sacerdócio”, englobando a “virtude da castidade”, a aplicação de protocolos com “valor de normas e não de orientações”, com preocupação na prevenção dos abusos e no acompanhamento das vítimas, “oferecendo-lhes todo o apoio necessário”.

Foi com o propósito firme de suprimir os abusos sobre menores, que considerou uma “brutalidade” e “monstruosidade”, que o Papa Francisco concluiu a cimeira sobre a proteção de menores na Igreja. “Chegou a hora de encontrar o justo equilíbrio de todos os valores em jogo e dar diretrizes uniformes para a Igreja, evitando os dois extremos: nem judicialismo, provocado pelo sentimento de culpa face aos erros passados e pela pressão do mundo mediático, nem autodefesa que não enfrenta as causas e as consequências destes graves delitos”, declarou o Papa, no discurso conclusivo da inédita cimeira onde também foram apresentados 8 passos (ver caixa) para orientar o propósito de “erradicar” os abusos sexuais.

 

A reportagem em Roma no Encontro sobre Proteção de Menores na Igreja foi realizada em parceria para a Agência Ecclesia, Família Cristã, Flor de Lis, Rádio Renascença, SIC e Voz da Verdade.

 

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“Tudo” será feito para assegurar transparência

O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) marcou presença na cimeira no Vaticano e garantiu que o organismo vai ter novas medidas no combate e prevenção aos abusos sexuais. “Todos temos de trabalhar a sério, porque isto é um problema global e tem de ter uma solução global”, sustentou D. Manuel Clemente, em declarações aos jornalistas portugueses, na conclusão da cimeira sobre a proteção de menores na Igreja.

O Vaticano vai oferecer a todas as Conferências Episcopais um “vade-mécum”, documento orientador que recolhe, entre outros, os resultados da discussão levada a cabo por 190 participantes no encontro, que decorreu entre 21 e 24 de fevereiro. Para D. Manuel Clemente, Cardeal-Patriarca de Lisboa, o novo documento orientador, “mais preciso, mais articulado, mais operativo”, ajuda a “concertar” esforços e oferece “ideias mais concretas”, para desenvolver as diretrizes que a CEP implementou desde 2012 e deve ser analisado “ainda antes” da Assembleia Plenária do episcopado católico português, em abril.

Nos termos dessas diretrizes, lembrou D. Manuel Clemente, sempre que há uma denúncia, há uma investigação, quer com o Direito Canónico, quer com o Direito Civil, “envolvendo sempre, com certeza, as famílias e o próprio que acusa”. “Não vamos ultrapassar essas instâncias. Depois, segue o processo normal, quer na via da Igreja, quer na via do Estado. É assim que tem de ser”, explicou.

Questionado sobre a proposta deixada nos trabalhos de divulgar publicamente estatísticas sobre números de casos e sobre a eventualidade de um estudo aprofundado em Portugal, o presidente da CEP admitiu que isso “é possível”. “Tudo aquilo que for necessário fazer para que as coisas se esclareçam, para que se avance, há de ser feito”, apontou.

O presidente da CEP elogiou ainda o discurso final do Papa, pronunciado na manhã de Domingo, com “uma análise exaustiva da problemática dos abusos de menores, na sociedade, na Igreja, nas culturas, nas comunidades religiosas”. “É também um grande serviço que o Papa acaba por prestar a todos nós, porque somos membros da Igreja, no nosso caso, e membros da sociedade, e em todos estes âmbitos devemos ser responsáveis e corresponsáveis”, declarou.

No final do encontro no Vaticano, o Cardeal-Patriarca destacou a “originalidade” desta cimeira e o modelo escolhido pelo Papa Francisco “para resolver um problema grave”, num debate aberto a vários participantes e que decorreu com “toda a franqueza”. “Isto é um exercício de Igreja no seu melhor. Por isso, estou muito grato, estamos todos, ao Papa Francisco, por ter feito algo assim, que eu creio que também é um exemplo para todos nós”, sustentou.

 

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As 8 orientações do Papa Francisco

No discurso de encerramento da cimeira ‘A Proteção dos Menores na Igreja’, o Papa Francisco apresentou um ‘roteiro’, em oito passos, para orientar o combate aos abusos sexuais na Igreja Católica. Desde a purificação pessoal dos fiéis, à formação dos seminaristas e ainda o combate à pornografia infantil e o turismo sexual, Francisco deu indicações aos bispos – e ao mundo – para combater o abuso sexual de menores.

1. A tutela das crianças; 2. Seriedade impecável; 3. Uma verdadeira purificação; 4. A formação; 5. Reforçar e verificar as diretrizes das Conferências Episcopais; 6. Acompanhar as pessoas abusadas; 7. O mundo digital; 8. O turismo sexual

texto por Filipe Teixeira; fotos por D.R.
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