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José Luís Nunes Martins
Perdoar é amar e esquecer
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Amar alguém é detestar tudo o que nela é mau, cada um dos erros que a estragam. Todos somos imperfeitos. Por isso, mais do que quem nos aponte os erros, precisamos de quem nos ame e nos ensine a amar. De quem nos perdoe, nos ajude e se esqueça do nosso mal. Esquecendo-se também de que nos perdoou!

Quando alguém prefere não esquecer um mal que lhe fizeram, acaba por carregar o peso de uma culpa que não era sua. Passa a ser também culpado, de não perdoar, de não amar... por não esquecer.

Mas, para alguns, perdoar não é esquecer. Perdoam, com a condição de deixar bem evidente no outro o sinal da imperfeição. Contabilizando, para si próprios, mais um perdão.

O amor só se concebe de uma forma: ou é inteiro ou não é. O amor exige que quem ama não faça contas, que entregue o seu coração, por inteiro e sem condições.

Ser justo com alguém que amamos também é duro para nós, pois implica apontar-lhe os erros que são da sua responsabilidade sem nunca o excluir, por um momento que seja, do nosso coração.

Será sempre mais fácil e cómodo apontar o dedo e condenar. Até mesmo a quem não é culpado. Não se distingue a falta (que é sempre censurável) do faltoso (que deve sempre ser escutado e compreendido), até porque esse processo deixa a ilusão de que esse juiz é superior àqueles que rebaixa. Ser justo implica ser capaz de aceitar o que o outro tem a dizer-nos a respeito das nossas faltas. Devemos sempre escutá-lo. Mesmo quando não nos perdoe, não nos ajude e se recorde muito bem do mal em nós.

A verdade é que as palavras duras de um amigo são sinal de lealdade e cuidado, o beijo do inimigo não.

Cuidado com as generalizações. Uma pessoa que falta à verdade não é um mentiroso, nem é ladrão quem alguma vez deixou de acertar as contas. É frequente que, depois de descobrimos algo de errado em alguém, essa pessoa pareça perder todo o seu valor. Ou que, diante de uma desilusão de alguém em particular, julguemos que todos as outras pessoas são assim, e que, por isso, o melhor é fecharmo-nos na nossa perfeição. Ora, não só nós estamos longe de ser perfeitos, como também a solidão egoísta é um gesto grave de orgulho e desamor. Todos erramos. É nisso que somos todos iguais.

Muitos queixam-se tanto dos outros que se torna evidente que não têm ideia do que neles próprios existe de venenoso. Sob as capas da ingenuidade e da vitimização escondem punhais bem afiados, à espera apenas da melhor oportunidade para se… vingarem, segundo acreditam e dizem. Porque, na sua ideia, esse seu futuro mal é sempre justificado pelo que sofreram antes. Julgam-se no direito (e dever!) de ser maus com os outros. Chamam-se justos, mas são apenas... culpados da sua infelicidade.

Não devemos julgar o outro, mas isso não significa admirar-lhe os defeitos que o degradam. Nem tão-pouco censurar-lhe as virtudes, porque também há quem pense que toda virtude alheia é defeito e, claro, que todo defeito próprio, é virtude… Amar alguém é ser capaz de o ajudar, antes de tudo através do exemplo de luta contra os nossos próprios vícios.

Devemos desejar sempre o bem, mais ainda quando estamos perante o mal. Num primeiro momento, perdoando. Acreditando que tal não se deve a uma intenção pura da bondade do seu coração. Depois, ajudando com a nossa presença, força e confiança o que é possível para uma luta que será sempre pessoal. Por fim, esquecendo. Sim, quem ama esquece. Quem não esquece o mal, não ama. Amar é suprir as faltas do outro. Anulando-as. Em todo o lado, até na memória. Para sempre.

A diligência é a pressa própria de quem ama. É também sem demoras que devemos perdoar e esquecer. Afinal, também nós só devemos ser perdoados na exata medida em que tivermos sido capazes de perdoar.

Amar, por vezes, exige que o amor se eleve acima da razão.

Amar é esquecermo-nos das faltas do outro. É ajudá-lo, esquecendo-nos de nós. É perdoá-lo, perdoando-nos a nós mesmos pela má vontade de não querer esquecer.

Que os nossos braços sejam um lugar (e um tempo) onde o outro possa chorar… sem que nunca nos julguemos, por isso, no direito de saber o porquê de nenhuma dessas lágrimas.