Lisboa |
160 anos da Associação Promotora da Criança, em Rio de Mouro
“Se não fosse obra de Deus, já se tinha extinguido”
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A presidente da Associação Promotora da Criança, irmã Celina Laranjeiro, considera que o “segredo” da existência da instituição – que completou 160 anos – é ser uma “obra de Deus”. Na celebração que assinalou a efeméride, em Rio de Mouro, o Cardeal-Patriarca recordou a vida da fundadora, Madre Teresa de Saldanha, para destacar a “humildade” como “única garantia de que as coisas têm futuro”.

 

A história da Associação Promotora da Criança, que atualmente se encontra a servir a população de Rio de Mouro, começa bem no centro de Lisboa, em 1859, então com o nome de Associação Protetora das Meninas Pobres. À sua frente estava Teresa de Saldanha, que era “uma senhora da alta sociedade de Lisboa, que estava muito desperta para as necessidades da população, sobretudo da infância e juventude do seu país”, conta, ao Jornal VOZ DA VERDADE, a irmã Celina Laranjeiro, especificando a razão de ser desta instituição de solidariedade. “Em Lisboa, a associação tinha como finalidade a educação da infância e juventude e também o ensino da religião católica. Tinha ainda como objetivo importante ir em socorro das crianças com dificuldades de alimentação, dificuldades financeiras e que trabalhavam nas fábricas, nomeadamente na Fábrica dos Botões, em Alfama”, conta.

 

Adaptação às mudanças

Nestes 160 anos de existência, “sem interrupções”, os momentos mais turbulentos da instituição foram, sobretudo, motivados pelas mudanças sociais e políticas na sociedade portuguesa. Após a criação da instituição de cariz católico, que recebeu uma bula de aprovação do Papa Pio IX, em 1863, Madre Teresa de Saldanha começou por “pedir licença às religiosas de alguns conventos, que estavam em vias de extinção por força da lei de 1834, para que aí se pudessem lecionar aulas para meninas pobres”. Recrutou, entre as suas amigas, sócias para a associação e “Mestras” para ensinarem as crianças. As aulas espalham-se a outros concelhos e cidades, já com a presença das religiosas Dominicanas de Santa Catarina de Sena, fundadas, em 1866, pela mesma Teresa de Saldanha. “Era uma comunidade religiosa de vida ativa e contemplativa. Foi uma novidade, a primeira no país! Ela serviu-se das escolas da associação para aí introduzir as irmãs. De uma forma clandestina, as irmãs começaram a trabalhar em Portugal”, salienta a irmã Celina.

 

Obra de Deus

Após 1910, durante a expulsão das ordens religiosas, as aulas foram quase todas encerradas, mas “sobreviveu” a escola de Rio de Mouro. “Aí, não estavam irmãs e essa foi a razão de se manter a escola aberta. Acho que se não fosse obra de Deus, já se tinha extinguido. Só dessa maneira se explica”, confidencia esta religiosa. Atualmente, com “poucos benfeitores”, a associação tem “bastantes sócios”, mas “alguns muito idosos, doentes e já nem podem comparecer nas atividades”. A instituição vive, por isso, da solidariedade de benfeitores e de algumas ajudas mais pontuais que têm servido para melhorar e alargar a oferta educativa atual que apresenta berçário, creche e jardim-de-infância. “Os nossos benfeitores contínuos são o Banco Alimentar e a Entrajuda. São instituições que nos ajudam semanalmente, mensalmente e que nos ajudam muitíssimo. Esporadicamente, temos ajudas, alguns donativos de instituições, como da Fundação Dom Pedro V. Quando foi preciso construir o pavilhão do jardim-de-infância, tivemos também uma ajuda importante. No ano passado, tivemos uma ajuda muito generosa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que nos deu 30 mil euros. Mas são completas exceções, porque não costumamos ter donativos desse montante”, garante a presidente da Associação Promotora da Criança.

 

Testemunho dos pais

Com 78 anos, e no segundo mandato enquanto presidente da Associação Promotora da Criança, a irmã Celina Laranjeiro explica como é possível, todos os meses, superar os encargos financeiros desta instituição que tem 90 crianças a seu encargo. “Os órgãos de gestão têm o máximo cuidado na utilização dos parcos recursos que temos. Todos os nossos funcionários estão muito formados no sentido da economia, da poupança, do não ir além das nossas possibilidades. Por outro lado, os membros da direção angariam um ou outro donativo, com amizades que tenham, com instituições que conheçam. Eu própria faço muito esforço nesse sentido”, revela.

A única ‘publicidade’ garantida é “o testemunho dos pais”. “As famílias passam o testemunho umas às outras e nós – sem saber bem como –, quando abrem as inscrições, até temos dificuldade em responder a todos os pedidos da população. É fruto da ação de Deus”, assegura esta religiosa Dominicana, lembrando que, ao longo da existência da associação, esta tem “sabido adaptar-se às necessidades da população”, que passou até por disponibilizar o ensino primário e até um posto médico, sempre contando com a dedicação dos leigos. Dessa colaboração, a irmã Celina destaca a presença de Maria do Carmo de Carvalho Duffner que, durante mais de 70 anos, trabalhou, gratuitamente, como enfermeira, na associação. “Isso também concorreu para que a associação permaneça hoje, criando comunidade”, lembra.

 

A caridade por princípio

Para a irmã Celina Laranjeiro, o futuro da Associação Promotora da Criança é olhado com confiança. “Este é um trabalho de uma atenção constante, de uma grande delicadeza, de um grande respeito pela criança e de uma grande sensibilidade. Nós incutimos isso nas nossas mestras, em todos os colaboradores e temos conseguido que transmitam, também, uns aos outros, essa forma de educar. Pensamos que estes princípios vão permanecer enquanto Deus quiser e Deus vai permitir, com certeza, que permaneçam durante os anos em que a população precisar. Quando a população tiver muitos outros meios ao seu alcance, talvez aí a associação já não tenha razão de existir”, frisa esta religiosa, que faz parte dos órgãos sociais da instituição, cujos estatutos preveem que não sejam remunerados. “Fazemos tudo por amor à instituição e por caridade, porque é esse o princípio da associação: a caridade. Madre Teresa de Saldanha tinha como princípio fazer o bem, praticar a caridade, pelo amor de Deus. Não era uma pura filantropia. Isto era muito importante para Madre Teresa de Saldanha e também é importante para nós”, aponta.

 

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“Foi Deus que abriu os caminhos”

A irmã Celina Laranjeiro conheceu as Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena no Hospital de Sant’Ana, na Parede, então com 14, 15 anos. “Tinha já o desejo de me consagrar a Deus, mas não sabia qual a congregação. Como tinha, no hospital da Parede, uma prima que era religiosa e enfermeira, encaminhei-me para lá para a contactar e depois logo se veria...”, recorda. Para além dessa intenção, houve dois fatores que sempre a atraíram nesta congregação dominicana. O primeiro, “o facto de terem hábito religioso”; o segundo, “a recitação coral diária da Liturgia das Horas – na altura, chamava-se de Ofício Divino”, lembra a irmã Celina.

Agora com 78 anos, esta religiosa recorda a comunidade “muito numerosa, muito alegre, muito dinâmica, dedicada aos doentes” que encontrou quando começou a visitar a comunidade. “Foi uma congregação que me atraiu porque, para além de ter muitas obras que não eram só o hospital, tinha escolas, asilos (próprio dos anos 50), e tinham missões que estavam a iniciar no Ultramar”, recorda.

Apesar de a fundadora, Teresa de Saldanha, ter-se dedicado “especialmente ao seu povo, no seu país”, a irmã Celina Laranjeiro chegou a partir em missão, para Angola. “As obras de Deus são assim. A obra nasceu com muita generosidade, amor, da parte da fundadora e, depois, foi Deus que abriu os caminhos”, conta esta religiosa que, com 24 anos, foi lecionar ‘Religião e Moral’, no Liceu feminino Dona Guiomar de Lencastre, em Luanda. “A madre superiora disse-me: ‘Vais para Angola, não tens assim uma grande saúde para aquele clima, mas logo que eu possa mando outra substituir-te. Por agora, vais por dois anos.’ Achei aquilo uma capacidade de programação extraordinária, porque ela ainda nem sabia como é que eu me ia dar por lá, mas, ao final de dois anos, regressei”, recorda.

Já em Portugal, na casa da congregação, no Ramalhão, esta religiosa fez um “tempo de formação intensivo”, com vista à profissão perpétua, que realizou com 26 anos, e logo antes de ser destinada à casa de São José, em Lisboa, para ser mestra – “veja lá!” – das raparigas vocacionadas. “Estávamos no pós-Concílio Vaticano II e, nas congregações, havia uma grande mudança, sobretudo no campo da formação. Então, as superioras entendiam que as jovens candidatas tinham que ter uma formação mais alargada. Foi assim que tive que ensinar Ciências Naturais, Português, Desenho e, até, Francês. Foi um período muito bom”, lembra.

Depois de quatro anos como formadora, a irmã Celina recebeu ordem para fazer o curso de Enfermagem. Logo após a conclusão, a madre geral assinou-a à comunidade da Parede, para trabalhar no Hospital de Sant’Ana, onde ainda se encontra atualmente a residir e a dividir o tempo com a direção da Associação Promotora da Criança, nomeadamente à segunda-feira, com as reuniões da direção, e todas as quartas-feiras, com a ida ao Banco Alimentar, onde conta com a ajuda de voluntários “recrutados entre os amigos da comunidade do hospital”.

 

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“As coisas feitas à maneira de Deus têm o futuro garantido”

Para o Cardeal-Patriarca de Lisboa, “humildade” é a “palavra-chave” que explica os 160 anos de existência da Associação Promotora da Criança. Na homilia da Missa que decorreu no passado dia 31 de maio, festa da Visitação de Nossa Senhora, D. Manuel Clemente desafiou os funcionários, utentes e amigos da instituição a “atuar na maneira de Deus atuar: na humildade”. “É a única garantia de que as coisas têm futuro”, apontou.

Na data que assinalou os 160 anos da instituição, o Cardeal-Patriarca recordou a história da fundadora, Teresa de Saldanha, para referir que a persistência da associação se deve ao facto de ter sido “feita à maneira de Deus”, sem “parangonas e grandes reclames”. “O que aconteceu aqui e que estamos a comemorar? Uma jovem estava atenta ao que se passava à sua volta, tinha bom coração. Mas reparou no que fazia falta. E o que fazia falta era que alguém tomasse conta daquelas meninas que não tinham instrução nenhuma. Quem deu por isso, em Lisboa, na altura? Não deu nada nas vistas, nada. Muitas coisas que encheram os jornais apareceram e desapareceram... E, no entanto, estamos aqui porque algo, feito na humildade, foi feito à maneira de Deus. Por isso mesmo, persistiu. Como diz Maria no Magnificat, ‘o Senhor pôs os olhos na humildade da sua serva’”, referiu D. Manuel Clemente, certificando que “as coisas feitas à maneira de Deus, têm o futuro garantido”.

texto e fotos por Filipe Teixeira
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