Lisboa |
Visita guiada à Igreja de São Leonardo, em Atouguia da Baleia
“Mais 800 anos pela frente”
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É a única igreja em Portugal dedicada a São Leonardo e está classificada como Monumento Nacional desde 1949. A Igreja de São Leonardo, em Atouguia da Baleia, é datada do século XIII, de “estilo gótico paroquial” e que “valoriza a simplicidade”, segundo Ana Batalha, professora de História que conduziu uma visita guiada pelo templo.

 

Data de 1288 o documento mais antigo da Igreja de São Leonardo. “É uma petição do prior de São Leonardo, e de outros clérigos portugueses, ao Papa Nicolau IV a solicitar a instalação de uns Estudos Gerais em Portugal, portanto uma Universidade”, explicou Ana Batalha, professora de História no Agrupamento de Escolas de Atouguia da Baleia, que conduziu a visita guiada à Igreja Matriz de São Leonardo, na tarde no passado dia 6 de julho, na comemoração do 70.º aniversário da classificação de Monumento Nacional.

Esta iniciativa, intitulada ‘A Igreja de São Leonardo’, teve início junto à escadaria, já dentro do templo. “A igreja tem uma planta mendicante, é uma igreja de três naves: a nave central, a lateral esquerda e a lateral direita. O teto é de madeira e a cabeceira com abóbodas em pedra, de ogivas cruzadas, típicas do estilo gótico”, explicou a docente. Outro ponto salientado, desde logo, por Ana Batalha foram os capitéis, nas colunas da igreja. “Os capitéis servem de suporte aos arcos. Os da esquerda representam monstros e demónios – portanto, representavam pestes e obsessões e a necessidade de força religiosa, que era encontrada na igreja; e os da direita são de temática naturalista, representando a natureza”, frisou.

Dedicada a São Leonardo de Noblac, santo francês do século V, a igreja matriz de Atouguia da Baleia conheceu “desenvolvimento no reinado de D. Dinis”. Nessa época, “a Igreja era um suporte para as pessoas, e estava muito presente nas suas vidas”.

 

Simplicidade

A Igreja de São Leonardo está construída “de nascente para poente”, estando o altar-mor a nascente, “na direção de onde vem a luz, a presença de Deus”. No século XIII, “as pessoas eram analfabetas e só o clero e a nobreza escreviam e liam”, lembrou Ana Batalha. “A Missa era em latim e, por isso, tudo o que era decoração da igreja – fosse os capitéis ou os frescos – transmitiam cenas do Antigo Testamento e do Novo Testamento”, explicou, apontando para o único fresco que ainda sobrevive neste templo. “O fresco é uma técnica de pintar diretamente na parede quando o estuque não estava seco e, ao secar, ficava impregnado. Aqui, nesta igreja, há somente um fresco, do lado direito, que esteve protegido por um altar”, referiu.

Ana Batalha reforçou que a Igreja de São Leonardo “é uma igreja do século XIII”, de “estilo gótico paroquial”, com “características da época, muito simples, era despojada e valorizava a simplicidade”. “Esta simplicidade foi recuperada no restauro dos anos 70 do século passado, que devolveu à igreja o traço original”, apontou a professora de História, sublinhando que “o património é a face visível da nossa história”.

Nesta visita guiada, Ana Batalha recordou que “os cemitérios públicos só surgem em meados do século XIX” e que, até lá, “as pessoas eram sepultadas na igreja”. “A Igreja de São Leonardo tem muitos vestígios disso, com várias tampas de sepultura – muitas com brasão e descrição da pessoa. A nobreza e o clero eram privilegiados e podiam ser sepultados no interior, sendo que quanto mais próximo do altar, mais benesses teriam”, indicou a docente, referindo que Atouguia da Baleia, na Idade Média, “foi um concelho e uma vila muito importante em termos da alta nobreza”.

 

Peça ‘lendária’

A visita guiada à igreja matriz de Atouguia da Baleia prosseguiu com a observação de “uma peça única em Portugal”, em “baixo relevo”, representando a Natividade de Jesus. A informação junto à peça informa que a obra é de “autor desconhecido (julgamos de origem francesa)”, que foi “oferecida à Rainha Santa Isabel (então donatária desta vila), nos princípios do século XIV”. Para Ana Batalha, esta peça colocada à esquerda do altar-mor é “de grande valor, de grande qualidade para a época medieval”, e tem associada uma lenda. “A lenda diz que a Rainha Santa Isabel (ainda Isabel de Aragão) estava na região e veio à igreja rezar por um neto (que será depois D. Pedro I) que caiu do cavalo e não andava, por ter ficado com uma hérnia. Quando a Rainha Santa Isabel estava na igreja a rezar, a pedra rachou e passou pelas mãos de Nossa Senhora. Quando chegou a casa, o neto estava bom. Portanto, a quebradura saiu do neto e foi para Nossa Senhora”, contou a historiadora.

A igreja tem também muitas pedras. “As pedras têm marcas de canteiro, porque cada oficina tinha o seu mestre e a sua marca, o que facilitava os pagamentos da empreitada”, explicou, apontando que o século XVI é uma época de “muito investimento na igreja”. “Os elementos decorativos do século XVI são de estilo manuelino, como as pias de água benta. Sempre que há reformas ou melhoramentos, há investimento e, assim, era dada importância às pessoas e ao templo”, elucidou.

 

Retábulos do ‘Da Vinci’ português

A “importância” da Igreja de São Leonardo “vê-se também pela qualidade das pinturas, dos retábulos”. “Destaca-se o valiosíssimo quadro de São Leonardo, do nosso ‘Da Vinci’, Diogo de Contreiras, um pintor de grande excelência que reflete os conhecimentos que bebeu do renascimento italiano”, referiu Ana Batalha, salientando as “gradações de cor” da obra. “Esta pintura está associada ao padroeiro e conta a história do próprio santo”, acrescentou a professora de História.

Sobre o lado esquerdo da igreja, entre o baixo relevo de Nossa Senhora e o quadro de São Leonardo da autoria de Diogo de Contreiras, está situada uma capela lateral, de “estilo maneirista”, do século XVII, “como comprovam os azulejos amarelos, azuis e brancos”, com “brasão”. “Era uma capela privada, mandada construir por uma família da nobreza local, a família Delgado Carvalho Figueira. Era uma parede e foi mandada construir por Joana Delgada, para transladar corpos do marido e irmãos (ela própria também ficou aqui)”, esclareceu a docente.

A partir do século XVII, e “com os eventos do século XVIII”, nomeadamente a “condenação dos Ataídes” e o “empobrecimento da Atouguia, dada a transferência da população para Peniche”, há também uma “fuga das famílias”. “Foi negativo, Atouguia perdeu importância e não houve alterações nem reformas na Igreja de São Leonardo”. Contudo, “o recheio da igreja é tão rico”, sendo “uma igreja que continua a ter impacto, onde ainda há celebrações, porque é uma paróquia”. “O que desejamos é que a Igreja de São Leonardo tenha mais 800 anos pela frente. As gerações futuras têm esse direito. E isso só acontece se todos defendermos, valorizarmos e não deixarmos esquecer o património. O importante é manter para as próximas gerações”, terminou Ana Batalha, professora de História que conduziu a visita guiada à igreja matriz de Atouguia da Baleia, na comemoração do 70.º aniversário da classificação de Monumento Nacional da Igreja de São Leonardo, a única no país dedicada ao santo francês.

 

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Igreja Matriz

Na grande porta de madeira da Igreja de São Leonardo, na Atouguia da Baleia, uma nota informa acerca da igreja em que se vai entrar: “Templo Românico-Gótico, dedicado a São Leonardo, Padroeiro desta Vila de Atouguia da Baleia. A sua construção data do séc. XIII, julga-se que foi construída pelos Francos, então donatários desta Vila, doada por D. Afonso Henriques aos Cruzados Gauleses, irmãos Guilherme e Roberto de Licorne, como recompensa pela ajuda prestada na conquista de Lisboa aos Mouros, em 1147. Conta a tradição, que quando esta Igreja foi construída possuía o travejamento do telhado feito com osso de Baleia, vindo posteriormente a ser substituído por madeira. Aqui se celebraram cortes gerais, em 1373, no reinado de D. Fernando.”

 

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Padres saletinos em Atouguia da Baleia

Além de ter a única igreja em Portugal dedicada a São Leonardo, a Paróquia de Atouguia da Baleia tem ainda a particularidade de ser a única do Patriarcado de Lisboa onde estão presentes os padres da Congregação de Nossa Senhora de La Salette, uma congregação que tem como fonte a aparição de Maria em La Salette, França, em 1846. O padre angolano Faustino Tchitetele é, desde setembro passado, o pároco ‘in solidum’ (moderador) de Atouguia da Baleia, juntamente com o padre Lino Uhengue, e têm como colaborador o padre Francisco Candeje. “Somos uma comunidade de três padres saletinos, na Atouguia da Baleia e Serra d’El Rei. A minha congregação tem missionários espalhados pelo mundo inteiro e, à partida, a minha transferência seria para os Estados Unidos da América, mas por causa da documentação não foi possível e o nosso provincial achou por bem que eu viesse para Portugal”, conta este sacerdote ao Jornal VOZ DA VERDADE. A congregação está presente há 12 anos na Diocese do Porto – levada pelo Bispo de então… D. Manuel Clemente – e agora está também no Patriarcado de Lisboa, novamente pela mão de D. Manuel. “Recebeu-nos no Porto e agora em Lisboa. É o nosso ‘pai’, portanto”, refere, entre sorrisos.

Natural de Benguela, onde fez “os estudos primários, médios, filosóficos e teológicos”, o padre Faustino, de 44 anos, diz que “não conhecia Portugal”. “Tem sido uma experiência boa. Temos a língua, que nos liga, e foi um processo de adaptação muito fácil. Fomos bem recebidos, o povo é muito acolhedor”, garante o sacerdote, que no próximo mês de agosto celebra 10 anos de ordenação.

A Paróquia de São Leonardo de Atouguia da Baleia, segundo o pároco, é “uma paróquia de terras dispersas”, com “16 comunidades e 16 capelas”. “É uma paróquia que tem vida, com tradição e cultura religiosa, que percebe bem o que é a Igreja”, frisa, referindo que, neste ano, tem procurado “animar os movimentos, para os manter firmes”, “cuidar da catequese, que é o centro da pastoral”, “acompanhar a comunidade, com as Missas”, e “visitar os doentes”. O padre Faustino Tchitetele considera a Igreja de São Leonardo “uma grande referência” para a comunidade. “Todos têm orgulho da sua igreja”, garante o padre saletino.

texto e fotos por Diogo Paiva Brandão
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