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P. Duarte da Cunha
A cruz: felicidade e amor
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Que todos os homens querem ser felizes não parece ser objecto de discussão entre pessoas sãs. Todos queremos, de facto, ser felizes. Mas não estamos todos de acordo sobre o que seja a felicidade.

É claro que sobreviver é essencial para se ser feliz. Apesar de alguns poderem renunciar a bens justos, e apesar de a felicidade não poder ser só a satisfação dos desejos mais imediatos, como, por exemplo, a comida, a roupa ou uma casa, vivendo neste mundo precisamos de tantas coisas como bens essenciais. Contudo, se queremos ser felizes devemos não só sobreviver, mas realizar a nossa humanidade no que de mais excelente ela tem.

Todos os anos um departamento das Nações Unidas faz um relatório sobre a felicidade no mundo onde invariavelmente conclui que os países ricos são onde há mais gente a dizer que é feliz. Confesso que fico com a impressão de que os critérios dessa avaliação, que estão limitados ao ter e às comodidades, não são capazes de captar a verdade da experiência de felicidade e por isso não conseguem captar a alegria que há nos países menos ricos.

Será então a felicidade conseguida quando satisfazemos outros desejos, tais como o prazer ou o sucesso nalguma coisa feita? Independentemente da moralidade do prazer ou dos actos, que até podem ser perfeitamente justos, julgo que a felicidade que desejamos é de outra ordem. Está associada a algo que é específico do ser humano, e que, por isso, não se limita às necessidades básicas, à performance ou ao ter de certas coisas ou prazeres. O desejo do coração humano é, se o virmos com atenção, de algo que o ultrapassa. Desejamos a vida eterna, conhecer a Verdade, um Amor pleno e fiel, etc.. Nós desejamos o Bem – com letra maiúscula –, que é também a Verdade, a Beleza, o Infinito e o eterno. A distração desse desejo com pequenos desejos não resolve a sede do homem!

Temos de constatar que esta felicidade completa não é coisa fácil nem coisa pouca. Quando se pretende uma felicidade a bom preço ou imediata, e se reduz a ideia de felicidade a algo que se tem, se faz ou se sente, além da impossibilidade de uma satisfação completa, e, portanto, além de se manter a angústia, temos ainda, frequentemente, a sensação de que a nossa felicidade é, de certo modo concorrente da do outro.

Gera-se assim uma espécie de conflito marcado por sentimentos não muito puros, como a inveja, o ciúme ou a ganância. Quase como se para algumas pessoas serem felizes outras terão de ser infelizes.

Ora, nada disto tem consistência para quem acredita em Jesus Cristo, no que Ele disse e no que Ele fez. Podemos dizer que Jesus veio ao mundo para todos sermos felizes, para nos salvar a todos. Ora, um Deus que é Pai e não faz acepção de pessoas, porque nos ama a todos por igual, não nos quer em guerra. A felicidade, por isso, requer um ambiente de amor para se aguentar. Requer o empenho pelo bem do outro, o perdão, o abraçar sacrifícios para poder ajudar o outro. Há mais felicidade em dar do que em receber (Act 20,35). Não se torna feliz a pessoa que para cuidar de si tem de descuidar do outro, ou tem de fazer mal ou outro, ou tem de se vingar do outro, ou tem de exigir do outro algo que tenha como objectivo a satisfação de um seu desejo ou mesmo capricho. Mesmo a justiça, que é sem dúvida necessária para a experiência de felicidade, pode ser muito melhor conseguida, como Jesus mostrou ao ser crucificado, perdoando do que por pagamentos ou vinganças.

A felicidade, podemos dizer agora e à luz da fé, é a verdadeira realização da pessoa como imagem e semelhança de Deus. É por isso que, como diz o Concílio Vaticano II, a realização do ser humano requer que cada um descubra ser amado por Deus e se dê sinceramente aos outros (cf. Gaudium et spes 24).

Percebemos, assim, que Jesus Cristo é mesmo o caminho, quando diz para pegarmos a cruz e O seguirmos. Ele indica assim a estrada da salvação que é a da felicidade: amai os outros como Eu vos amei. Esta relação entre a cruz e a felicidade não significa, como poderá por vezes ser dito de uma forma ligeira, que quem pega a cruz depois receberá a felicidade como prémio! Muito mais do que um prémio futuro, quem, seguindo Jesus, e, por isso, estando com Ele, pega a cruz começa a realizar-se plenamente já.