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Pe. Alexandre Palma
Zombieismo
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Não aprecio o género. Não só por isso, mas também por isso, nem sequer sou conhecedor da matéria. Mas, confesso, surpreende-me que, sobretudo nos últimos tempos, a cultura pop se tenha apaixonado por zombies, mortos-vivos e figuras quejandas. São livros, filmes, séries, jogos de consola e o que mais houver. Parte dessa minha estranheza estará no facto de não ter sido iniciado neste tipo de imaginário e narrativa. Talvez esta seja uma mais lacuna na minha formação. Talvez seja, apenas, ignorância ou, simplesmente, falta de memória. Não me lembro de isto ser tão relevante quando eu era mais novo. Todavia, também por me sentir fora desta comunidade peculiar, o fascínio por este submundo interroga-me.

Parto do seguinte princípio: a cultura pop é bastante mais séria do que aparenta. Somos, com frequência, tentados a desvalorizá-la, reduzindo-a a simples apetite do momento ou a exploração comercial. Ela é isso, mas não pode ser só isso. Caso contrário, não se daria razão suficiente aos interesses que ela desperta ou interpreta. Porque a interrogação que (me) interessa mora precisamente aqui: não no produto em si, mas no impacto que ele tem nos públicos aficionados. No caso do «zombieismo», por que motivo ele se tornou significativo? Por que razão um universo de gente se sente estimulado por este tipo de narrativa?

Tudo levaria a crer que tais histórias estariam destinadas à extinção, pois vivemos em sociedades já depuradas pelo conhecimento científico. Toda a gente sabe que não existe nada que se assemelhe a zombies ou mortos-vivos. E, ainda assim, é precisamente esta cultura esclarecida que mantém vivas tais figuras e narrativas. Talvez o faça por isto: é que os zombies, afinal, somos nós. Então, o caso muda de figura e, de mera bizarria pop, tudo isto se torna em expressão dramática de algumas das nossas maiores lutas. Nesse imaginário mora, então, uma reacção inconsciente ao entorpecimento da vitalidade que há em nós. Estilização do sentimento de nos acharmos enleados numa teia que nos vai prendendo num sonambulismo arrastado. Contágio de um sistema que, quando nos morde e agarra, nos ganha para si e nos transforma em mais um espécimen de um torpor que tudo adormece: a capacidade de sonhar; a vontade de viver; a ousadia de pensar; a largueza do gesto; a atenção do olhar; a inocência de acreditar; a possibilidade da esperança. Assim, afinal somos nós os vivos que estão mortos. Talvez, por isso, inconscientemente irmãos dos mortos-vivos dessa literatura e imaginário pop.

O problema, afinal, é antigo. Tão antigo quanto o próprio Homem. E, como sucede com tudo o que é verdadeiramente humano, também assumido pelo Evangelho de Jesus. Ou não será mesmo a todos os zombies que se dirige a forte interpelação de Paulo, com que se inicia mais um tempo de Advento: «Chegou a hora de nos levantarmos do sono» (Rm 13, 11)?