Lisboa |
‘Visita guiada’ ao Mosteiro de São Vicente de Fora
O tesouro ‘escondido’ de Lisboa
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É o mosteiro onde Santo António professou. É também o local onde estão sepultados praticamente todos os reis da quarta dinastia e os Patriarcas de Lisboa, e é considerado um dos miradouros secretos da cidade. Falamos do Mosteiro de São Vicente de Fora, “um mosteiro que tem muito para conhecer”, segundo a coordenadora do Museu do Patriarcado de Lisboa.

 

Estamos no Largo de São Vicente, em Lisboa. Em frente, temos a Igreja de São Vicente de Fora. Mais à direita, um portão de ferro, como que ‘adornado’ com buganvílias, chama a atenção de turistas e visitantes. É esta a porta de entrada no Mosteiro de São Vicente de Fora. “Este mosteiro é uma referência de arquitetura maneirista no país”, alerta-nos, desde logo, a nossa guia, Joana Santos, que é, desde há cerca de um ano, coordenadora do Museu do Patriarcado de Lisboa. “Depois da sua construção, houve vários templos religiosos que seguiram a sua traça”, acrescenta a responsável. A entrada no mosteiro faz-se pelo Pátio das Laranjeiras. Chegamos então à receção, onde são adquiridos os bilhetes – com um custo de 5 euros para adultos e 2,5 euros para estudantes e seniores –, que dão acesso “a todos os espaços no mosteiro”, incluindo “o terraço”, que “é um dos pontos que os visitantes mais gostam de ver”.

 

Cisterna, Portaria e Exposição

Começamos a ‘visita guiada’ pela Cisterna Medieval. “É o único pormenor que sobra do mosteiro medieval, do tempo de D. Afonso Henriques. Curiosamente, ainda funciona e a água da chuva que cai nos telhados e nos claustros vai toda ali parar. Por isso, visitar o mosteiro num dia de chuva também é interessante!”, garante Joana Santos, que é licenciada em História da Arte e mestrada em Museologia.

Subindo as escadas, vamos dar à Portaria. “Este é um dos espaços mais ricamente decorados do mosteiro. Era a entrada principal de quem visitava o mosteiro – D. João V, por exemplo, visitava-o, pelo menos, duas vezes por ano, no dia de São Vicente, a 22 de janeiro, e também no dia de Santa Engrácia”. Esta zona do mosteiro está “ricamente decorada com azulejos, representando três grandes temas”. “As reconquistas cristãs, os reis relacionados com a história do mosteiro – curiosamente, os Filipes foram omitidos desta história, porque quem a conta são os Bragança – e os monges regrantes de Santo Agostinho, que habitaram o mosteiro, em preces e orações para auxiliar D. Afonso Henriques na reconquista cristã”, explica a nossa guia, sublinhando igualmente os “trabalhos em mármores embutidos da Portaria, do reinado de D. Pedro II, que funcionam como um puzzle, com mármores de várias cores que formam desenhos” e a “pintura no teto, que é muito especial por ser a única que sobrou de Vincenzo Baccarelli, italiano especialista em pintar tetos em Lisboa, antes do terramoto”. “Ele pintava arquitetura em perspetiva. A Portaria tem uma abóboda relativamente baixa e a forma como está pintada dá-nos a ilusão de verticalidade e temos a sensação de que o teto é muito maior do que na verdade é”, revela.

Logo de seguida, o visitante é convidado a conhecer a exposição permanente ‘A Igreja Lisbonense e os Patriarcas’. “Contamos a história do Patriarcado de Lisboa, com muitas peças que pertenceram ao legado dos próprios Patriarcas. Ali percebemos a importância do Patriarcado na história não só de Lisboa, mas também do país, e podemos ver pálios, mitras, insígnias, anéis, mas também pinturas de Josefa de Óbidos ou Gregório Lopes”, refere Joana, manifestando a intenção dos responsáveis do Museu em “reformular, este ano, a exposição”.

 

Claustros, Sacristia, Capelas e Panteões

O Mosteiro de São Vicente de Fora tem dois claustros, “simétricos”, sendo que o claustro sul tem um poço, num dos cantos. Ambos estão revestidos com azulejos. “Este é um dos monumentos do mundo com mais azulejos do local original, ou seja, azulejos in situ. São azulejos pintados nos anos 30 do século XVIII, em pleno período barroco, onde vemos que a cercadura ganha destaque e protagonismo. Como estamos no claustro, as cenas que encontramos representadas são exclusivamente cenas do quotidiano, nunca cenas religiosas”, salienta.

Entre os dois claustros, fica situada a sacristia, que “foi quase toda feita no reinado de D. Pedro II, mas que tem o retrato de D. João V, que foi quem ‘deu’ os últimos retoques”. “Quando o visitante chega à sacristia, enche logo a vista porque não há espaço em branco. Temos as paredes totalmente revestidas com mármores embutidos. No entanto, o teto não é original, porque foi das poucas coisas que ruiu com o terramoto”, conta Joana, garantido que este é “dos locais que as pessoas mais gostam de ver”. “Tem um grande impacto, pelo horror ao vazio, por estar muito preenchida. Contudo, em relação ao século XVIII, está demasiado simples, faltando muita pintura e escultura”, acrescenta.

Junto ao claustro norte, sobre o lado direito, fica a Capela dos Meninos de Palhavã. “Temos lá dois filhos legitimados de D. João V. No chão desta capela encontramos várias pedras com frases escritas em latim, que começam sempre da mesma forma: ‘cor et viscera regi’ – e depois muda o nome do rei –, que significa ‘coração e vísceras do rei’. Porque os corpos dos reis eram mumificados no Panteão Real e, nesse processo, era preciso retirar as entranhas”, explica. Ao lado desta capela, fica o Panteão dos Patriarcas, “que era a sala do capítulo, onde os monges se reuniam” e que, desde 1959, por decisão do Cardeal Cerejeira, “tem sepultados os Patriarcas de Lisboa”.

Sobre o lado esquerdo do claustro norte, “onde antes estava o refeitório dos monges”, fica situado o Panteão Real dos Bragança. “Temos lá praticamente todos os reis da quarta dinastia, até D. Manuel II. Falta D. Pedro IV, que escolheu ir para o Brasil, Dona Maria I, que está na Basílica da Estrela – mandada erguer por ela própria –, e Dona Maria Pia de Saboia, que está em Turim”, frisa Joana, assegurando igualmente que este “é também um dos locais mais apreciados pelos visitantes e turistas, sobretudo pela sobriedade do espaço”.

Finalmente, antes de subirmos para as restantes exposições permanentes do mosteiro, somos convidados a ver a Capela de Santo António, “que é muito especial”. “Quando Santo António decide tornar-se monge, o primeiro mosteiro onde ele ingressa é este. Portanto, ele foi monge regrante de Santo Agostinho. Aqui ele foi noviço, aqui ele professou. Acredita-se que o local da cela dele era onde está hoje esta capela”, refere a guia.

 

Exposições e Terraço

Subindo as escadas, no segundo piso, temos quatro exposições permanentes. A primeira, é a Galeria dos Patriarcas, “onde se encontram os retratos de todos os Patriarcas, com os seus brasões, desde D. Tomás de Almeida, que foi o primeiro Patriarca”. Outra exposição “é a dos Artefactos Arqueológicos, resultado de uma escavação, entre os anos 70 e 90, que foi feita tanto no mosteiro como nas redondezas”. Segue-se a mostra das Conchas, “que era uma exposição particular que foi oferecida ao Patriarcado”, e, por último, a exposição das Fábulas de La Fontaine, “muito procurada sobretudo por turistas franceses”, com 38 painéis, em que cada um “conta uma fábula diferente”. “As fábulas foram encomendadas no final do século XVIII, para serem aplicadas nas 40 arcadas dos claustros do mosteiro. Era muito comum, no período barroco, os claustros serem tapados, mas nos anos 90 abriram-se novamente as arcadas e os painéis foram mudados para o segundo piso”, diz Joana.

A visita ao Mosteiro de São Vicente de Fora termina nos dois terraços. “Subimos e o visitante é surpreendido por uma das mais bonitas vistas sobre Lisboa. É mesmo considerado um dos miradouros secretos da cidade. Na verdade, temos dois terraços: um primeiro, virado para o Castelo, e o segundo, subindo precisamente ao telhado da igreja, junto às torres, onde temos uma vista panorâmica, de 360 graus, sobre Lisboa”, refere a coordenadora do Museu do Patriarcado de Lisboa.

 

Aumentar as visitas

Aberto ao público desde 1998, o Mosteiro de São Vicente de Fora pode ser visitado de terça-feira a Domingo, das 10h00 às 18h00. No último ano, tal como em 2018, o mosteiro teve 57 mil visitantes pagantes. “Em 2017, tivemos 62 mil, e a ambição é chegar aos 100 mil visitantes anuais”, deseja.

Em janeiro deste ano, o Museu do Patriarcado de Lisboa iniciou o 1º Ciclo de Visitas Guiadas a este mosteiro. “O objetivo é dar a conhecer, de forma aprofundada, o mosteiro, e trazer mais portugueses. São várias sessões, porque uma hora e meia não é suficiente para mostrar tudo o que queremos, porque o mosteiro, de facto, é muito complexo e tem muito para conhecer”, garante a coordenadora, Joana Santos.

 

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Um mosteiro, três ‘construções’

O Mosteiro de São Vicente de Fora original não é o que vemos hoje. “O mosteiro foi construído em 1147, resultado de uma promessa de D. Afonso Henriques, que, caso conseguisse expulsar os mouros da cidade de Lisboa, mandaria construir um mosteiro dedicado a São Vicente”, explica ao Jornal VOZ DA VERDADE Joana Santos, coordenadora do Museu do Patriarcado. D. Afonso Henriques “contou com o auxílio de cruzados”, nesta batalha, e “um dos acampamentos dos cruzados era precisamente no local onde se encontra o Mosteiro de São Vicente de Fora”. “O local do mosteiro, nessa época, ainda não era Lisboa. Esta zona era fora de Lisboa e ficava fora dos muros da cidade”, acrescenta.

Em 1580, entra no poder a terceira dinastia, a Dinastia Filipina, “que tem muita necessidade de afirmar o seu poder e a sua legitimidade ao trono”. “Uma das formas que encontrou de o fazer foi precisamente repetir a ação de D. Afonso Henriques, mandando reconstruir o mosteiro. Não podemos interpretar como destruir o que já estava feito, mas sim fazer um novo, e muito maior, mosteiro”, observa a responsável. A Igreja de São Vicente de Fora “data também desta reconstrução”, tendo sido lançada a primeira pedra em 1582. “A construção durou largos anos, até à quarta dinastia”, aponta.

Finalmente, há a fase da decoração, por parte da Dinastia de Bragança, que, “quando chega ao poder, em 1640, quer também afirmar o seu poder, com azulejos, com pinturas, com esculturas”. “Foram, sobretudo, os três dos primeiros quatro reis da dinastia, D. João IV, D. Pedro II e D. João V, que mais investiram na ornamentação do mosteiro e o escolheram para ser Panteão da Dinastia de Bragança”, conta Joana.

texto e fotos por Diogo Paiva Brandão
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