Artigos |
P. Duarte da Cunha
Sim à vida. Não à indiferença, não à eutanásia
<<
1/
>>
Imagem

O Papa João Paulo II, em 1995, ou seja, há 25 anos, alertou para o mal que a cultura a que chamou de morte estava a difundir. Quando matar um ser humano aparece na lei como uma coisa não condenável, temos, claramente, leis injustas, ou mesmo, iníquas.

Ninguém nega que “as opções contra a vida nascem, às vezes, de situações difíceis ou mesmo dramáticas de profundo sofrimento, de solidão, de carência total de perspectivas económicas, de depressão e de angústia pelo futuro.” (EV 18) Contudo, há algo de não natural, algo de errado, quando, no aborto ou na eutanásia, alguém decide sobre si ou sobre outro e considera que determinada vida não é digna de continuar. Nenhum ser humano pode decidir se outro ou ele mesmo tem dignidade. A dignidade pertence à pessoa, não lhe é atribuída nem pelo próprio nem pela sociedade e muito menos pelo Estado.

A confusão é grande. Há poucos anos, dois ministros holandeses numa carta conjunta ao seu parlamento diziam que “a autonomia está em risco de se tornar um conceito oco se um indivíduo que considera que a sua vida está completa não puder acabar com a sua vida com a ajuda de outras pessoas”. Se esta frase para quem tem fé é inadmissível, ela, infelizmente, reflete hoje o pensar de muita gente. De onde vem esta soberba humana que pretende colocar a autonomia acima da dignidade e se julga capaz de decidir que uma vida está completa? Vem, creio eu, do que São João Paulo II chamou “eclipse de Deus”. Como disse o Santo Papa polaco, “quando declina o sentido de Deus, também o sentido do homem fica ameaçado e adulterado” (EV 22).

Nesse sentido, como não voltar a estar triste diante de novas investidas de políticos que pretendem piorar as coisas e querem de novo legalizar a eutanásia? Este facto denota uma fragilidade social enorme. Como é possível que num mundo tão desenvolvido como o nosso, que não se compara, em termos de recursos, com o que se passava há 100 anos, se considere impossível tomar conta de um idoso ou de um doente? O que nos falta não são recursos materiais, mas algo de outra ordem, da ordem do amor e do sentido da vida. “Chega-se assim a uma viragem de trágicas consequências, um longo processo histórico, o qual, depois de ter descoberto o conceito de «direitos humanos» — como direitos inerentes a cada pessoa e anteriores a qualquer Constituição e legislação dos Estados —, incorre hoje numa estranha contradição: precisamente numa época em que se proclamam solenemente os direitos invioláveis da pessoa e se afirma publicamente o valor da vida, o próprio direito à vida é praticamente negado e espezinhado, particularmente nos momentos mais emblemáticos da existência, como são o nascer e o morrer.” (EV 18)

Mas não tem de ser assim.

Em primeiro lugar, devemos desenvolver em nós e em todos os que pudermos (penso em pais, professores, jornalistas, pessoas públicas, etc.) uma sensibilidade tal que recorde que um idoso ou doente é antes de mais nada uma pessoa.

O Papa Francisco, que tem alertado para o perigo da globalização da indiferença, na sua mensagem para o Dia Mundial do Doente, que se celebrará no próximo dia 11 de fevereiro, diz: “qualquer intervenção diagnóstica, preventiva, terapêutica, de pesquisa, tratamento e reabilitação há de ter por objetivo a pessoa doente, onde o substantivo «pessoa» venha sempre antes do adjetivo «doente». Por isso, a vossa ação tenha em vista constantemente a dignidade e a vida da pessoa, sem qualquer cedência a atos de natureza eutanásica, de suicídio assistido ou supressão da vida, nem mesmo se for irreversível o estado da doença” (Mensagem para o Dia do Doente 2020).

Mas também devemos levantar a voz e fazer ver a injustiça das leis que desprotegem a vida e agir para que os projetos de lei que vão nessa direção não passem e que as leis que já são sinais da cultura da morte sejam substituídas por leis justas.

Será que os cristãos também sucumbiram à cultura da morte? Se ainda não estamos completamente adormecidos, levantemos a voz, mostremos o nosso compromisso com Deus e com a vida humana. Saiamos da nossa zona de conforto e façamos tudo o que pudermos para salvar vidas, para acompanhar os que sofrem, para dizer aos senhores deputados que não têm o direito de declarar legítimo matar uma vida humana, seja em que condições for: nem aborto, nem eutanásia, nem pena de morte.

Procuremos não ficar inertes. O Papa Francisco, que tantos, mesmo não crentes, ouvem, ainda há poucos meses, dizia num tweet: “A eutanásia e o suicídio assistido são uma derrota para todos. A resposta a que somos chamados é nunca abandonar aqueles que sofrem, não desistir, mas cuidar e amar para restaurar a esperança” (2 de Junho 2019).