Lisboa |
Cónego Luís Manuel Pereira da Silva (1956-2020)
“Amor à liturgia vivida”
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O Cardeal-Patriarca de Lisboa recordou o cónego Luís Manuel Pereira da Silva, falecido no dia 12 de junho, como um dos grandes nomes associado à tradição litúrgica na diocese, e sublinhou o entusiasmo e a vivacidade com que o sacerdote partilhava o “cerne de toda a vida da Igreja”: o Mistério Pascal. Paroquianos e colegas destacam o “amor e a dedicação” com que o antigo pároco da Sé serviu a Igreja, mesmo nos últimos anos, com “os sucessivos golpes da doença que o levou”.

 

Um sacerdote que “representou muito” para a diocese e também fora dela. É desta forma que D. Manuel Clemente recorda o cónego Luís Manuel. “Acabou por se inscrever, de alma e coração, de pensamento e de ação pastoral, numa tradição [litúrgica] que, concretamente na nossa diocese, teve como fulcro o Seminário dos Olivais, na sua ligação a esta Catedral [Sé], com Patriarcas sucessivos, antes e depois da reforma conciliar. E com nomes grandes que todos nós recordamos, não só historicamente, mas também eclesialmente, como coisa viva”, tais como monsenhor Pereira dos Reis, padre José Ferreira, e dos quais também faz parte o cónego Luís Manuel, observou, na homilia da Missa exequial do sacerdote, no Domingo, 14 de junho.

Na Sé de Lisboa – a única igreja da qual o cónego Luís Manuel foi feito pároco, desde 1996 –, o Cardeal-Patriarca referiu que essa tradição litúrgica ainda hoje “se continua a manifestar”, e significa “aquilo que se redescobriu como cerne de toda a vida da Igreja”. “Chama-se – numa terminologia que o Concílio sublinhou – o Mistério Pascal. Um dos belos frutos da reforma conciliar foi ter-nos reconduzido à primeiríssima tradição, aos primeiros elos da tradição da Igreja, em que todos eles se resumem no anúncio de Jesus Cristo, morto e ressuscitado”, apontou D. Manuel Clemente, lembrando o entusiasmo com que o sacerdote falecido partilhava publicamente esta verdade e, em particular, na preparação e no decorrer do ano pastoral 2018-2019, que teve como tema ‘Viver a liturgia como lugar de encontro’ (CSL, n.º 47). “Foram dezenas e dezenas de palestras que estão no coração das pessoas. Com certeza, porque ele era um belíssimo conferencista, sabia muito bem pensar e sabia muito bem dizer... Mas também por aquilo mesmo que o galvanizava a ele e que o passava a todos: o Mistério Pascal do Senhor Jesus. Tenho a certeza que o seu percurso, o seu testemunho, o seu legado continuará vivo entre o Seminário dos Olivais e esta Catedral. E, a partir daqui, a oferecer-se à Igreja em geral. Estou certo disso porque é muito forte, é muito determinante, é muito longevo, é muito garantido… É certíssimo”, assegurou. “O Mistério Pascal, a Páscoa do Senhor Jesus: Não temos mais nada para nos salvar, não temos mais nada para afirmar, não temos mais nada, porque isto é Tudo”, prosseguiu o Cardeal-Patriarca, salientando que foi esta vivência a “grande lição” do cónego Luís Manuel, que muitos puderam testemunhar, sobretudo nos últimos quatro anos, em que o sacerdote viveu com “os sucessivos golpes da doença que o levou”.


 

“Aprendemos tanto”

Na Sé Patriarcal, por onde passaram, durante os dias 14 e 15 de junho, várias centenas de fiéis para se despedirem do cónego Luís Manuel, estiveram também muitos dos que privaram com o sacerdote ao longo de vários anos e que acompanharam os últimos tempos de “luta” contra um linfoma. Ao Jornal VOZ DA VERDADE, a paroquiana da Sé Teresa Carreira destaca a proximidade do “padre Luís”, que esta leiga conheceu quando tinha 20 anos. “Tinha começado a namorar nesse ano e o padre Luís fez parte de tudo na minha vida. Acompanhou o nosso namoro, o nosso casamento, o crescimento da nossa filha, faz parte da nossa família”, e “era um pai que me chamava, muitas vezes, à razão”, refere. Com o sacerdote, Teresa afirma que aprendeu “o que era a Missa”, através das inúmeras formações que organizou. “Ele incutiu-nos esse conhecimento sobre a liturgia: o saber estar, o saber vivê-la. Foi um crescimento imenso. Tudo o que sei, a nível litúrgico, deve-se muito a ele”, conta.

Teresa divide a sua ‘paroquialidade’ entre duas paróquias – a de origem, a Sé, e, onde reside, Olivais –, tendo acompanhado o processo de desertificação do centro da cidade, e, em particular, da Paróquia da Sé. Nos últimos anos, desde que soube da notícia da doença do padre Luís, o facto de serem “muito poucos” não desanimou o cuidado com a liturgia. “Quando ele nos contou [da doença], na Quaresma de há quatro anos, foi um ‘balde de água fria’. Durante esse tempo, faltava a presença dele em algumas celebrações. Tentámos fazer com que a Sé estivesse sempre como ele gostaria, sempre com a nossa assiduidade, sempre arranjada, com aqueles pormenores que ele tanto gostava, para que ele ficasse contente, mesmo não estando lá, fisicamente. Ia sabendo pelas fotos que tirávamos e mandávamos”, recorda Teresa Carreira, afirmando que o legado do cónego Luís Manuel vai perdurar. “Nós aprendemos tanto com ele que, agora, tentamos passar aos outros”, conclui.

 

“Deu tudo”

Durante o tempo em que lidou com a doença, o cónego Luís Manuel mostrou-se sempre dedicado ao trabalho que desenvolveu, desde 2001, como responsável pelo Departamento da Liturgia do Patriarcado de Lisboa. Ao Jornal VOZ DA VERDADE, o diretor-adjunto do departamento, padre Pedro Lourenço, destaca o “amor e dedicação” com que o sacerdote ajudou a organizar as iniciativas que decorreram no ano pastoral dedicado à liturgia (2018/2019). “Felizmente, naquele ano, ele teve uma melhoria significativa do seu estado de saúde e, por graça de Deus, pôde dedicar-se em pleno. Fez tantas ou mais formações como qualquer um dos outros membros. Sentiu-se um querer dar tudo da parte do padre Luís. O padre Luís deu tudo! Tudo com muito amor, com muita dedicação”, conta o padre Pedro Lourenço. A “vivacidade” e “empenho” do sacerdote que faleceu no dia 12 de junho, aos 63 anos, foram ainda significativos, mesmo durante este tempo de pandemia e da suspensão das celebrações comunitárias. “Foi pedido ao Departamento da Liturgia e, concretamente ao padre Luís, um contributo para ajudar as famílias a viverem a Páscoa em casa e ele fez um trabalho de recolha e de coordenação de elementos que foram muito úteis e percebeu-se, mais uma vez, que, enquanto pôde, deu-se”, revela.

 

Liturgia vivida

O padre Pedro Lourenço lembra do cónego Luís Manuel “o amor que ele tinha à liturgia vivida, ou seja, à vivência da liturgia como experiência de encontro com Cristo”. “Não era um teórico e, muito menos, um rubricista. Por vezes, tem-se aquela ideia de que um liturgista é aquele que tem que conhecer as rubricas todas. E não é isso. Por vezes, os liturgistas até desconhecem algumas rubricas, porque o que é central no estudo e na vivência da liturgia é conhecer a liturgia vivida. Isto, no padre Luís, era muito notório: o amor à liturgia viva, celebrada, com alma. Isso, ele vivia, celebrava assim e transmitia, contagiando no modo como comunicava nos encontros de formação e nas aulas”, recorda o padre Pedro, que, apesar de não ter sido seu aluno, testemunhou a partilha de inúmeros seminaristas – hoje, sacerdotes, que tiveram o cónego Luís Manuel como professor do curso de Teologia, na Universidade Católica Portuguesa.

Para este formador no Seminário dos Olivais, o legado do cónego Luís Manuel como uma das “figuras motoras e promotoras” da tradição litúrgica, ligada ao Seminário dos Olivais, “tem dado frutos e vai continuar a dar”. “Isto vive-se em comunidade. Portanto, mesmo quando desaparecem estas figuras, há alguma coisa que foi comunicado ao povo de Deus, à comunidade. O povo de Deus, quando percebe o valor e a riqueza do que recebe, continua a preservá-lo, vivendo. E essa vivência, creio que está ativa na nossa diocese e no nosso seminário”, assegura o padre Pedro Lourenço.

 

“Um sorriso que significa a certeza na vitória”

Na manhã do último dia das exéquias do cónego Luís Manuel, o Bispo Auxiliar de Lisboa D. Américo Aguiar homenageou o sacerdote e recordou o seu testemunho, sobretudo nos últimos anos, nos “momentos de maior fragilidade”, ao vê-lo, com “o tal sorriso, sempre com uma serenidade que desarmava qualquer um”.

Na Sé de Lisboa, o prelado que acompanha as paróquias da cidade afirmou que o cónego Luís Manuel Pereira da Silva “continua a ser, para nós, a presença de um homem de Deus”, e associou o momento da notícia do seu falecimento ao facto de estar a presidir à procissão das velas, no dia 12 de junho, durante a Peregrinação Aniversária Internacional das Aparições, no Santuário de Fátima. “Se nós somos homens de barro, também temos consciência de que o Senhor nos entregou Sua mãe, na circunstância de ser a Senhora das Dores. É este colo, este regaço materno, que queremos significar nesta entrega, devolução, do cónego Luís Manuel junto de Deus”, sublinhou, na Missa exequial e na encomendação do corpo.

A coincidência (ou não) no facto de o falecimento do cónego Luís Manuel ter ocorrido na véspera do dia de Santo António – quando, por tradição, se realizam os ‘Casamentos de Santo António’, habitualmente presididos pelo pároco da Sé –, não foi deixada ao acaso. “Tinha que ser! Quem tem fé, sabe que não são coincidências. Deus providencia sempre”, afirmou o Bispo Auxiliar de Lisboa, referindo a denominação ‘Cónego Luís Manuel, padre casamenteiro do Santo António’, dada pelos media. “Agora, o Santo António tem um ajudante, alguém muito especial junto dele, que partilha esta qualidade e o que isso significou e significa para tantos e tantas que, aqui, celebraram o seu Matrimónio, oficiado pelo coração, pela oração deste nosso irmão”, sublinhou D. Américo Aguiar, pedindo para que o sacerdote “continue a ser patrono, presença nos casais, famílias, de todos aqueles e aquelas que abraçam com coragem o desafio do Matrimónio, da constituição de família e de todos aqueles problemas e dificuldades maiores que as nossas famílias vão atravessando e vivendo, na certeza da vitória, na certeza de que aquele sorriso de sempre é um sorriso que significa a certeza na vitória, a certeza de que aqueles que palmilham os caminhos de Deus saem obrigatoriamente vitoriosos”.

A concluir a homilia, D. Américo Aguiar pediu ainda a intercessão do cónego Luís Manuel pelas “vocações para esta amada Diocese de Lisboa e para todas as Igrejas por este mundo inteiro, para que possamos ter pastores desta qualidade, que sorriem perante a adversidade, porque não temem, sabem e têm a certeza de que Deus está com eles”, e assim possam viver a mensagem, tantas vezes transmitida pela voz do cónego Luís Manuel: “De Páscoa em Páscoa, até à Páscoa eterna, junto de Deus”.

 

 

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O cónego Luís Manuel Pereira da Silva era pároco de Santa Maria Maior da Sé Patriarcal, desde 1996. Nascido a 2 de setembro de 1956, na freguesia de São José, na cidade de Lisboa, foi ordenado sacerdote a 28 de novembro de 1993, no Mosteiro dos Jerónimos, pelo então Cardeal-Patriarca, D. António Ribeiro. Era mestre das Cerimónias Patriarcais, desde 1998, e responsável pelo Departamento de Liturgia do Patriarcado, desde 2001. Foi criado cónego do Cabido da Sé em 22 de janeiro de 2004. O sacerdote foi também professor na Universidade Católica Portuguesa e assistente da Associação de Professores Católicos. A nível nacional, o cónego Luís Manuel foi também membro do Secretariado Nacional de Liturgia.

texto por Filipe Teixeira; fotos por Arlindo Homem e Arquivo
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