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Memórias de um missionário italiano numa aldeia cristã no Camboja
No umbigo do mundo
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Um padre italiano foi enviado em missão para o Camboja, para uma aldeia muito especial. Em Kdol Leu, a população tem-se mantido cristã desde há cerca de 100 anos. É quase uma ilha de fé no meio de um país budista. É uma ilha de fé que resistiu até à perseguição brutal que se viveu nos tempos do regime Khmer Vermelho. O Pe. Luca viveu 12 anos no Camboja. Regressou agora a Roma, mas não tem dúvidas: “Deixei lá o meu coração…”

 

Luca Bolelli foi padre numa aldeia cristã nas margens do rio Mekong. Quando chegou ao Camboja, o ar pesado, húmido, deixou-o desconfortável. Custava-lhe respirar. O corpo transpirava quase em protesto. Foi há 12 anos. Parece-lhe agora quase uma eternidade. Quando chegou a Kdol Leu, perguntou a si mesmo: “Como vou conseguir viver aqui neste lugar?” O lugar era a aldeia cristã para onde tinha sido enviado como missionário. Estava ali colocado como num contrato sem termo. “Quando cheguei, parecia o fim do mundo.” Era um fim do mundo exuberante de verde, onde tudo lhe parecia exótico. Era longe. “Realmente, senti-me um ‘verdadeiro missionário’, sobrevivendo em condições extremas”, disse, anos mais tarde, quando abriu as portas da missão a uma equipa da Fundação AIS. “Era uma percepção muito narcisista de um missionário”, admite.

 

Uma ilha cristã

Os Cristãos são uma minoria no Camboja. Apenas 2,7%. Ser católico, então, é quase uma curiosidade. No total, não devem ultrapassar os 0,15%. Os Católicos são uma minoria absoluta. Por isso, a aldeia de Kdol Leu é importante. Como recorda o Pe. Luca Bolelli, “a aldeia é cristã há mais de 100 anos”. É uma quase improbabilidade. A aldeia resistiu aos tempos duros que atingiram o Camboja durante o regime comunista do Khmer Vermelho e da guerra com o Vietname. Nesses tempos, a comunidade católica quase foi dizimada. A aldeia manteve-se cristã mesmo quando as religiões foram proibidas, entre 1975 e o final da década de 90. Manteve-se cristã na fidelidade das pessoas, pois praticamente todos os sinais exteriores de fé, os templos, as igrejas, as cruzes, foram derrubados ou ocupados. Entre 1975 até ao final da década de 90, as religiões foram proibidas e rezar em público tornou-se uma ousadia muito perigosa.

 

Entre mundos

De Itália ao Camboja a viagem é longa, de milhares de quilómetros, mas só quando se aterra mesmo num lugar concreto é que se notam as diferenças. É outro mundo. “A primeira coisa que percebi, acima de tudo, foi sobre estar aqui fisicamente. Estar aqui, ‘personificado’, de corpo. Estou aqui com o meu corpo. O meu corpo levou bastante tempo até se adaptar…” Luca é alto e ainda jovem. A sua presença contrasta bem com a da maioria da população local. A aldeia cristã está situada numa região onde existe uma forte presença muçulmana. Mas no Camboja a religião oficial é o Budismo. Para o Pe. Luca, essa é uma feliz coincidência. “De forma simplista – diz – temos a comunidade muçulmana por um lado e a comunidade budista por outro, enquanto nós, Cristãos, estamos no meio.”

 

Gratidão e saudade

Doze anos depois de ter feito as malas rumo ao Camboja, o Pe. Luca foi chamado de regresso a Itália. Outro projecto, outra missão no horizonte. Em Janeiro deste ano, escreveu uma carta em que recordou a sua experiência na aldeia cristã no rio Mekong. Escreveu essa carta junto ao rio Tibre, em Roma, e usou as palavras “saudade” e “gratidão” para se referir ao tempo passado no sudeste asiático. “Não foi fácil deixar as pessoas que passaram a fazer parte da minha família. Não achava que me afeiçoaria tanto…” Quando recebeu na aldeia de Kdol Leu a equipa da Fundação AIS, que estava por ali a fazer um documentário sobre a vida da Igreja no Camboja, o Pe. Luca falou de si, do seu trabalho e do esforço para se contagiar por aquele povo que o acolheu com tanto carinho desde a primeira hora. “A minha busca resume-se a estar presente aqui, de corpo e coração, para estas pessoas”, disse. “Depois de cá estar há tantos anos, sinto que vivo no umbigo do mundo, como dizemos em italiano…” Na altura, estava ainda no Camboja sem imaginar que iria ser chamado de novo para a Europa. Um missionário verdadeiramente tem sempre a mala feita. Está sempre pronto para partir. Está sempre disponível para os outros. Agora que os superiores o chamaram para Roma, o Pe. Luca não tem dúvidas em dizer que uma parte de si ficou em Kdol Leu. “Ali deixei o meu coração…”

texto por Paulo Aido, Fundação Ajuda à Igreja que Sofre
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