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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Casamento por paixão e por compaixão
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Benjamim Disraeli, o famoso primeiro-ministro da Rainha Vitória, dizia que era capaz de fazer muitas asneiras, mas havia uma que nunca faria: casar por amor.  Acrescentava, em modo de justificação, que todos os seus amigos que tinham casado por amor estavam divorciados, ou batiam nas suas mulheres.

Não é verdade que se deva casar sem amor, porque é o afecto que deve determinar a vontade no sentido desta se comprometer para sempre. Só o amor, que tende à união fiel de um homem e uma mulher, em ordem à constituição de uma família, pode ser, propriamente, conjugal. Para que o seja, de facto et de iure, é necessário que esse amor determine a vontade de ambos. O consentimento, uma vez expresso, de forma consciente e livre, é irrevogável. Assim é, com efeito, o casamento uno e indissolúvel, como é o casamento católico ou, também, o casamento natural.

Dois vícios, entre outros, podem afectar o consentimento dos contraentes: a paixão e a compaixão.

No primeiro caso, mais comum entre o público masculino, a emergência de uma grande atracção sentimental pode levar à deficiente formação da vontade. Imagine-se, por exemplo, um jovem que se apaixona loucamente por uma bonita actriz, cuja lendária beleza o seduz de tal forma que entende desnecessários quaisquer esclarecimentos adicionais.  Assim sendo, desvaloriza o pensamento, os valores, as convicções e projectos da pessoa a que se quer unir para sempre. Talvez até evite investigar o que se possa opor a essa união, para não admitir o que lhe seria insuportável: renunciar a essa paixão. Mas, se ignora quase tudo sobre a pessoa com quem se vai unir, para sempre, um tal casamento tende, necessariamente, ao fracasso.

O casamento por compaixão não é menos perigoso. É mais frequente nas jovens, cujo instinto maternal, por vezes, se confunde com o afecto matrimonial. É o caso da rapariga que, cheia de pena por um amigo incapaz de estudar, ou de trabalhar, se dedica com imensa generosidade à sua promoção. Não só se empenha em levá-lo avante na sua vida académica e profissional, como também passa a ser o seu indefectível apoio sentimental. Entrega-se tanto ao desvalido que chega a confundir a sua meritória compaixão com o verdadeiro amor matrimonial. Daí à concretização do casamento há apenas um pequeno passo, que parece até moralmente justificado, na medida em que assim o requer a realização do dito rapaz, para quem aquela companhia feminina é já insubstituível.

O resultado não poderia ser mais desastroso: depois de casados descobre, afinal, que o seu marido não é, como era suposto, alguém com quem pode fazer equipa para levar avante uma família, mas alguém que vai estar sempre dependente dos seus cuidados, dada a sua própria incapacidade, não só para gerir a sua vida, mas também para realizar o ambicioso e exigente projecto de criar uma família cristã.

À Igreja compete a delicada missão de ajudar os jovens na sua mais importante decisão: a da concretização da sua vocação cristã, que tanto pode ser para a virgindade ou o celibato pelo reino dos Céus, como para o matrimónio. Feita a opção pela vida matrimonial, a Igreja – tanto doméstica como universal, através dos pais, párocos, catequistas, etc. – deve também orientar os futuros esposos, para que o seu discernimento não seja viciado pela paixão, nem pela compaixão.

Casar por amor? Com certeza, mas o amor não é só paixão, nem compaixão. O casamento é um compromisso para a vida inteira, no comum empenho por realizar uma das mais difíceis e belas aventuras: criar uma família verdadeiramente cristã.

Pais, párocos, catequistas e monitores de equipes de jovens devem ajudar os cristãos no processo do seu discernimento matrimonial, para que o seu matrimónio seja um casamento no amor que o próprio Deus é. Só assim serão capazes de fundar uma união una e indissolúvel, porque só a caridade, como ensina São Paulo, “tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1Cor 13, 7).