Lisboa |
D. Anacleto Oliveira (1946-2020)
Um pastor que apontou a “senda da verdade na caridade e do serviço à comunidade”
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O Papa Francisco mostrou-se “consternado pelo trágico acidente” que vitimou D. Anacleto Oliveira, aos 74 anos, e assegurou oração pelo “zeloso pastor, que foi autêntica testemunha do Evangelho no meio do seu povo”. O Cardeal-Patriarca de Lisboa recordou o “trabalho sempre incansável, exigente, meticuloso, generoso” do seu “colega e querido amigo”, que era Bispo de Viana do Castelo.

 

A notícia chegou de forma inesperada, no final da tarde do passado dia 18 de setembro: D. Anacleto Oliveira, Bispo de Viana do Castelo, falecia aos 74 anos, vítima de um acidente de viação, no seu regresso de férias. Foi uma “triste surpresa”, nas palavras do Cardeal-Patriarca de Lisboa, que elogiou o trabalho “incansável” do seu “colega e querido amigo” com quem trabalhou no Patriarcado de Lisboa, durante três anos, entre 2005 e 2007, altura em que ambos foram Bispos Auxiliares. “Depois, eu parti para o Porto e ele partiu para Viana. Mais tarde, reencontrámo-nos no Conselho Permanente da Conferência Episcopal”, recordou D. Manuel Clemente, em declarações à Agência Ecclesia, onde também sublinhou que teve várias ocasiões para colaborar com o prelado e de “apreciar o seu trabalho, quer na diocese quer na Conferência, concretamente no âmbito da Liturgia, um trabalho sempre incansável, exigente, meticuloso, generoso”. “Era um grande colega – continua a ser, agora no Céu – e eu só tenho de lamentar esta partida tão rápida, tão inesperada”, assinalou o Patriarca de Lisboa, enviando uma mensagem de condolências à família do falecido Bispo e à Diocese de Viana do Castelo. “Os meus sentimentos e a minha oração pelo senhor D. Anacleto, que agora, no Céu, continuará a trabalhar com todos nós”, concluiu.

 

“Zeloso pastor”

O Papa Francisco lamentou o “trágico acidente” que vitimou o Bispo português e recordou o prelado como uma “autêntica testemunha do Evangelho”. “Consternado pelo trágico acidente que vitimou D. Anacleto, o Santo Padre apresenta sentidas condolências e assegura viva solidariedade ao clero e fiéis da Diocese de Viana do Castelo e também à Diocese de Leiria-Fátima, como à sua família enlutada”, refere um texto lido por D. Ivo Scapolo, Núncio Apostólico em Portugal, na Missa Exequial, nesta terça-feira, 22 de setembro, na Sé de Viana do Castelo. Segundo a carta, assinada pelo Secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, o Papa reza por um “zeloso pastor, que foi autêntica testemunha do Evangelho no meio do seu povo, apontando a senda da verdade na caridade e do serviço à comunidade”. O texto destaca ainda a bênção apostólica do Papa Francisco, “como sinal de sincera participação no sofrimento comum”, a todos os fiéis em luto e a quantos participaram na celebração das exéquias.

Na Missa Exequial, o Arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, que presidiu à celebração, recordou o Bispo que “quis ser missão numa proximidade muito concreta com todos” e desafiou os cristãos a “oferecer ao mundo a pureza do Evangelho”, seguindo assim o exemplo deixado pelo prelado falecido. “O mundo precisa da Palavra de Deus na sua forma mais pura. A perspicácia intelectual e a profundidade dos conhecimentos bíblicos de D. Anacleto reclamam da Igreja, de modo a continuar a concretizar o seu legado, um compromisso sério com a Sagrada Escritura”, realçou o responsável pela província eclesiástica onde se insere a Diocese de Viana do Castelo, numa homilia onde evocou o contributo de D. Anacleto Oliveira para a canonização de São Bartolomeu dos Mártires e na preparação do Ano Jubilar dedicado a São Paulo, assinalado entre 2008 e 2009.

No final da celebração, o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. José Ornelas, recordou o estudioso da Bíblia “que não ficou simplesmente no passado”, sendo capaz de uma palavra que “questionava atitudes”, uma palavra “inquieta”, que despertou e mobilizou todos para “buscar caminhos novos”. “Vamos continuar o seu pensamento, o seu caminho, um caminho que exige busca, fidelidade à Palavra que se escuta”, apelou, falando num “irmão querido”.

 

“Um amor imenso à Igreja”

A 4 de fevereiro de 2005, o Papa João Paulo II nomeou D. Anacleto Oliveira como Bispo Auxiliar de Lisboa, missão que desempenhou até 2010 – ano da nomeação como Bispo de Viana do Castelo, por Bento XVI. Durante os cinco anos de trabalho na Diocese de Lisboa, teve como missão o acompanhamento das paróquias da Zona Oeste do Patriarcado, onde buscou viver o seu lema episcopal: ‘Escravo de Todos’. Para o padre Ricardo Franco, atual vigário da Lourinhã, esses foram também os seus cinco primeiros anos como pároco e lembra D. Anacleto como “um amigo”. “Mantive uma relação sempre muito próxima, foi uma relação sempre muito filial – da sua parte – no acompanhamento”, recorda ao Jornal VOZ DA VERDADE o pároco da Lourinhã, destacando o exemplo do prelado que, durante quatro anos, passou sempre o Natal na sua paróquia, onde ajudou nas “muitas celebrações da Eucaristia”. Mas essa proximidade começou mesmo antes de ter tomado posse como pároco, com um episódio marcante e ainda hoje recordado por este sacerdote, de 44 anos. “Antes de entrar na Lourinhã e pouco tempo depois de ser ordenado Bispo, o meu pai faleceu e ele disponibilizou-se de imediato para presidir às exéquias. Logo nessa altura, manifestou uma grande proximidade comigo, com os meus irmãos, com a minha mãe... Foi uma forma de ser muito humana, mas muito cristã – no verdadeiro significado da palavra”, memora o sacerdote.

O padre Ricardo destaca também a proximidade do Bispo no acompanhamento dos sacerdotes, “muito disposto a ouvir, disponível para o diálogo, procurando soluções em conjunto”, e também na proximidade com todos os leigos. “Era um Bispo que, ao crismar, evidenciava uma grande alegria, no sentido da forma como falava àqueles que estavam a receber o Crisma. Na Lourinhã, ainda hoje falam disso”, sublinha o sacerdote.

Mais recentemente, “há três, quatro anos”, os sacerdotes da Lourinhã cumpriram o “hábito de visitar os Bispos que acompanharam a zona pastoral da vigararia”, tendo ido a Viana do Castelo para estar com D. Anacleto. “Ainda hoje, os padres da vigararia falam dessa experiência, do acolhimento que ele nos fez, na forma como esteve connosco, do diálogo que manteve, partilhando a sua experiência pastoral como Bispo de Viana do Castelo – as suas alegrias e os desafios que se colocavam”, sublinha. “Para nós, padres da Vigararia da Lourinhã, foi, verdadeiramente, uma experiência muito bela de estar com um pastor, um homem que tinha um amor imenso à Igreja, ao seu clero, à sua diocese que assumia como sua”, assegura.

 

“Proximidade”

Nos mandatos em que exerceu a presidência da Comissão Episcopal de Liturgia – organismo da Conferência Episcopal Portuguesa – e, sobretudo, no trabalho junto do Secretariado Nacional de Liturgia (SNL), D. Anacleto Oliveira é recordado, segundo o padre Luís Leal, membro do SNL, como um “impulsionador” do caminho feito para a revisão do Missal e de outros livros litúrgicos. “Como biblista, deixou um precioso contributo. Nesta fase, ele estava muito empenhado com algo fundamental que era a tradução litúrgica da Bíblia. Ele presidia a esses trabalhos e já se lançou a primeira edição, ‘ad experimentum’, dos Evangelhos e dos salmos. Estava muito empenhado nisso mesmo”, recorda ao Jornal VOZ DA VERDADE este sacerdote, que sublinha também a presença “amiga, terna, determinada” que ia encontrando junto do Bispo de Viana do Castelo nos momentos de trabalho. “Nas reuniões, ele conseguia ser o fiel da balança e, ao mesmo tempo, usar de alguma determinação em todos os processos”, sublinha.

O padre Luís Leal é o diretor do Serviço Nacional de Acólitos e, nessas funções, destaca o apoio que o Bispo falecido teve nos “primeiros passos” daquele organismo. “Recordo, de uma forma especial, as vezes em que ele presidiu à Peregrinação Nacional de Acólitos, sempre com uma grande proximidade para com os acólitos, apesar de serem uma multidão. Mesmo nos momentos mais informais, mostrava isso mesmo”, assegura este sacerdote, enunciando também outro momento marcante. “Na primeira vez em que os acólitos portugueses participaram, enquanto Serviço Nacional de Acólitos, na Peregrinação Internacional de Acólitos a Roma, em 2010, ele fez questão de ir e, aí, privei mais com ele”, revela. “Testemunhei muita proximidade e o querer estar onde estavam os acólitos, no meio deles e interagir com simplicidade, amor e muito carinho”, assegura.

Na história do Serviço Nacional de Acólitos existe ainda um marco que ficará associado a D. Anacleto Oliveira. “Em 2009, durante a peregrinação nacional, o anúncio da proclamação do então Beato Francisco Marto como padroeiro dos acólitos de Portugal”, anuncia este sacerdote, que é também pároco da Ameixoeira, em Lisboa.

 

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Perfil

D. Anacleto Oliveira nasceu a 17 de julho de 1946, na freguesia de Cortes, em Leiria, e foi ordenado sacerdote a 15 de agosto de 1970. Após a ordenação, estudou Sagrada Escritura em Roma e na Alemanha, onde foi capelão de uma comunidade portuguesa durante 10 anos.

Nomeado Bispo Auxiliar de Lisboa em 2005, pelo Papa João Paulo II, a ordenação episcopal de D. Anacleto Oliveira decorreu no Santuário de Fátima, no dia 24 de abril desse ano, presidida por D. Serafim Ferreira e Silva, então Bispo de Leiria-Fátima. No dia 11 de junho de 2010, D. Anacleto Oliveira foi nomeado, por Bento XVI, como Bispo de Viana do Castelo.

Na Conferência Episcopal Portuguesa, presidia atualmente à Comissão Episcopal Liturgia e Espiritualidade e à Comissão de Tradução da Bíblia. Em agosto passado, D. Anacleto Oliveira assinalou dez anos de Bispo de Viana do Castelo e 50 de ordenação sacerdotal.

  

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Um “apaixonado apóstolo da Palavra de Deus”

Na Sé de Leiria, D. António Marto evocou D. Anacleto Oliveira como exemplo da “pastoral da proximidade e do encontro”. Na homilia da celebração exequial que decorreu na tarde do dia 23 de setembro, o Bispo de Leiria-Fátima saudou o “dom da amizade” do Bispo que era natural daquela diocese e referiu-se à formação de D. Anacleto que lhe permitiu ser “um grande, reconhecido e apreciado biblista”, um “apaixonado apóstolo da Palavra de Deus”.

 

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“A sua morte repentina e trágica, numa altura da vida em que tanto haveria a esperar do seu exemplo de pastor e de homem de bem, é motivo de consternação para os Portugueses, crentes e não crentes.”

Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República

 

“Trata-se de uma grande perda para a Diocese de Viana do Castelo, mas também a perda de uma personalidade afável, dialogante e profundamente interessada na vida das populações do Alto Minho.”

José Maria Costa, presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo

 

“Recordamos, sobretudo, a sua bondade, o seu espírito altruísta e conciliador, como grande cristão que era, a sua preocupação constante em contactar com as comunidades católicas e com a população perante quem se sentia um verdadeiro Pastor.”
Nota da Câmara Municipal de Ponte de Lima

 

“Eram conhecidas as competências de D. Anacleto como biblista e homem de cultura, constantemente atento às realidades concretas da nossa sociedade, extremamente dedicado aos sacerdotes e aos fiéis que servia pastoralmente, sempre solícito nas ações comuns da Igreja em Portugal.”

Comunicado da Conferência Episcopal Portuguesa

 

“Esta Palavra que chega aos corações e os ilumina, antes de tudo, deve ferir de amor aquele que a anuncia. É essa imagem que recordo de D. Anacleto. Sem dúvida, é um testemunho muito importante de bispo e de cristão que D. Anacleto de Oliveira deixa.”

Cardeal D. Tolentino de Mendonça

 

“Os nossos sentimentos são de esperança na certeza de que, pela plenitude da comunhão em que vive com Deus e com todos, continuará a acompanhar a nossa missão de proclamar a Palavra ao pobres e a levar-lhes a libertação das amarras das injustiças.”

Eugénio da Fonseca, presidente da Cáritas Portuguesa

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